Megadeth – ‘Rust in Peace’
Lançado em 24 de setembro de 1990
Se o Guns N’ Roses era a banda mais perigosa do rock em geral no fim dos anos 80, o Megadeth ocupava o mesmo título no segmento do metal. Por sorte, o quarteto liderado pelo vocalista e guitarrista Dave Mustaine conseguiu converter todo o seu potencial de destruição em ‘Rust in Peace’, quarto e mais aclamado álbum de estúdio do grupo.
Vale recordar que o Megadeth já havia passado por mudanças de formação quando lançou ‘So Far So Good… So What!’ (1988). O terceiro álbum e antecessor direto de ‘Rust in Peace’ potencializou o sucesso já conquistado com ‘Peace Sells… but Who’s Buying?’ (1986), porém, agora, o grupo estava com dois novos integrantes: o guitarrista Jeff Young e o baterista Chuck Behler.
Os dois não duraram por muito tempo: foram demitidos após o Megadeth ter que abandonar a turnê europeia do festival ‘Monsters of Rock’. Na ocasião, o baixista David Ellefson pediu arrego dos vícios em drogas, especialmente heroína, e se internou em uma clínica de reabilitação, o que também causou o cancelamento de uma tour na Austrália. Dave Mustaine seguiu o mesmo caminho e, no meio do processo, dispensou Behler e Young, com os quais nunca havia se dado bem.
Mudanças
A solução para a bateria do Megadeth foi “caseira”: Nick Menza, roadie de Chuck Behler, era mais competente e habilidoso, além de dominar padrões de jazz, gênero que Dave Mustaine sempre quis incorporar em suas composições.
Para a guitarra, foram realizados testes com vários guitarristas, incluindo um ainda desconhecido Dimebag Darrell (Pantera), Jeff Waters (Annihilator) e um “pós-adolescente” Jeff Loomis (futuro Sanctuary e Nevermore).
Dimebag, aliás, conseguiu a vaga, mas não quis entrar para a banda. O motivo? Eles já tinham Menza na bateria, enquanto Dimebag só se juntaria à formação se pudesse trazer o irmão, Vinnie Paul.
- Leia também: A ‘quase entrada’ de Dimebag Darrell para o Megadeth
O posto acabou ficando com Marty Friedman, sobre o qual Dave Mustaine tomou conhecimento após receber uma cópia de seu álbum solo, “Dragon’s Kiss” (1988). “Havia uma fita de Marty Friedman ali. Olhei aquela foto com aquele cabelo colorido e pensei: ‘que palhaço’. Não quis ouvir. Meses depois, meu empresário disse que eu deveria escutar. Quando botei para rodar, logo pensei: ‘uau, ele quer tocar conosco?’. A partir dali, sabia que ele seria guitarrista do Megadeth. Quando o vi tocar pessoalmente, eu me autodestruí. Pensei: ‘esse cara é tão bom e eu sou tão ruim’”, relembrou Mustaine, em entrevista à ‘Metal Hammer’.
Como o líder do Megadeth gosta de dizer, Marty Friedman era a “arma secreta” para ‘Rust in Peace’. “‘Rust In Peace’ foi como se ganhássemos bigodes – garotos que começavam a se sentir homens. […] Às vezes, penso: ‘como diabos eu compus isso?’. O escopo e a grandeza dos arranjos é algo que acredito que esteja além do meu pequeno cérebro. E a forma de tocar… o calibre era tão alto que acho que se eu fosse deixado de lado, não teria me desafiado tanto Ainda tem a arma secreta: Marty Friedman entrou na banda”, disse, em um vídeo no canal do Megadeth no YouTube.
Marty Friedman ou Chris Poland?
Curiosamente, Dave Mustaine defende que muito do que se ouve de Marty Friedman em ‘Rust in Peace’ foi criado, na verdade, com inspiração no que Chris Poland, guitarrista dos dois primeiros álbuns da banda, fez em demos. O álbum foi pré-produzido com Poland junto de Mustaine, David Ellefson e Nick Menza, enquanto o novo integrante não era contratado.
“Marty era incrível, mas foi inspirado pelo que Chris fez nas demos. ‘Rust in Peace’ já estava pronto. Muitas músicas são, inclusive, de anos antes, como ‘Rust in Peace… Polaris’, que fiz para uma banda anterior chamada Child Saint. Tocava essa música nos tempos da banda Panic”, comentou Dave, à ‘Metal Hammer’.
A volta definitiva de Chris Poland, inclusive, foi cogitada naquele período. Só que o músico, enfim, havia superado seus problemas com drogas – e sua empresária o aconselhou a não retornar, pois acabaria morrendo de overdose se resgatsse a rotina do Megadeth.
“Guns, tira o pé da minha janta!”
‘Rust in Peace’ foi gravado no Rumbo Studios, em Canoga Park, na Califórnia. Era o mesmo local onde o anteriormente mencionado Guns N’ Roses pré-produzia seus álbuns ‘Use Your Illusion’, que só saíram em 1991. O produtor também era o mesmo: Mike Clink, que também trabalhou com o GN’R em ‘Appetite for Destruction’ (1987), além de Heart, UFO, Jefferson Starship e outros nomes. Tinha um currículo de peso.
Apesar de ser creditado pela função, Mike Clink fez pouco em ‘Rust in Peace’, segundo Dave Mustaine. Na época, ele estava focado no Guns N’ Roses e chegou a dizer ao Megadeth que se o vocalista Axl Rose o chamasse, deveria largar tudo e seguir com a banda dele. Uma briga no meio do processo causou a demissão de Clink e a produção foi assumida, de fato, por Mustaine, Max Norman (lendário produtor dos primeiros álbuns solo de Ozzy Osbourne) e Micajah Ryan.
“Chamei Mike porque eu era um grande fã de UFO e queria que ele me ajudasse a tirar os timbres de Michael Schenker, mas ele veio falar que se Axl o chamasse, teria que sair. Além disso, ele tinha um cachorro que fez um buraco na parede e derrubou minha guitarra, então, o demitimos no meio do projeto”, contou Dave Mustaine, à ‘Metal Hammer’.
‘Rust in Peace’, faixa a faixa
Musicalmente, o grande charme de ‘Rust in Peace’ está no primor técnico, em um conceito prático de “thrash progressivo”. As influências do jazz foram incorporadas ao thrash metal da banda, de tom visceral e bélico – algo que, aliás, influenciou até algumas letras do álbum.
Todos os pontos mencionados são logo refletidos em ‘Holy Wars… The Punishment Due’, que abre a tracklist. Mesmo com longa duração (6 minutos e meio), a música traz todos os ingredientes para um clássico do estilo: riffs marcantes, letra ácida, mudanças de andamento, linha de bateria ousada e solos de deixar o queixo caído. Os quatro integrantes aparecem muito bem aqui.
A mesma dinâmica é preservada em ‘Hangar 18’, que tem ritmos mais constantes, mas também muda seu groove em suas passagens finais. A disputa de solos entre Dave Mustaine e Marty Friedman é histórica. A letra, sugerida por Nick Menza e inspirada por teorias da conspiração sobre alienígenas e a famosa Área 51, dos Estados Unidos, já divertiu mais – em tempos de terraplanistas, temas do gênero perderam o tom de brincadeira.
‘Take No Prisoners’ aposta alto na velocidade rítmica e traz clara influência dos primeiros álbuns do Megadeth, de sonoridade intensa e pesada – só que, agora, com uma disciplina técnica até então pouco explorada. ‘Five Magics’, mais cadenciada, explora várias mudanças de tempo e destaca o entrosamento quase imediato que David Ellefson e Nick Menza tiveram.
‘Poison Was the Cure’, apesar do início “calmo”, carrega uma insanidade típica dos tempos áureos do Megadeth. Poderia ser mais longa, pois deixa a sensação de “quero mais”. ‘Lucretia’, por sua vez, parece beber de fontes mais tradicionais do heavy metal, seja pelo ritmo cadenciado ou pelos riffs menos surpreendentes, mas surpreende pelo ótimo solo de Marty Friedman.
E por falar em solo de Marty… ‘Tornado of Souls’, uma das melhores do álbum, tornou-se icônica justamente porque Friedman só faltou fazer chover nessa música. Da entrada climática ao final “pegado”, tudo nessa faixa funciona bem. A vinheta ‘Dawn Patrol’ oferece um “respiro” antes de outro momento de destaque: ‘Rust in Peace… Polaris’, que volta a deixar claras as influências do jazz no som pesado da nova formação. Aqui, foi o saudoso Nick Menza quem só faltou fazer chover.
Megadeth ganha o mundo
Um álbum clássico também precisa de uma capa clássica. Ed Repka foi o responsável pela arte, que apresenta o mascote Vic Rattlehead junto de lideranças políticas da época. Da esquerda para a direita, aparecem o primeiro-ministro britânico John Major; o primeiro-ministro japonês Toshiki Kaifu; o presidente da Alemanha Ocidental, Richard von Weizsäcker; o presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev; e o presidente dos Estados Unidos, George H. W. Bush.
- Leia também: 190 álbuns de rock (e mais) lançados em 1990
A imagem de capa, claro, serviu como um combustível extra que chamou atenção para o álbum. Em tempos onde parte da molecada comprava discos pelo que via na arte frontal, ‘Rust in Peace’ decolou em vendas, chegando a 500 mil cópias nos Estados Unidos com agilidade. Em 1994, atingiu 1 milhão de unidades, conquistando a certificação de platina no país, assim como no Canadá. Obtiveram, ainda, disco de ouro na Argentina – onde são venerados – e no Reino Unido e abriram terreno para que o trabalho sucessor, ‘Countdown to Extinction’ (1992), vendesse ainda mais.
Obviamente, os méritos por isso não estão apenas na capa. Além de um álbum que beira a perfeição em sua proposta, o Megadeth escolheu bem os singles – ‘Holy Wars… The Punishment Due’ e ‘Hangar 18’, que ganharam versões com duração reduzida justamente para emplacar – e embarcou em uma turnê que só acabou em novembro de 1991.
Ao todo, foram mais de 180 shows em pouco mais de 12 meses, incluindo a primeira passagem da banda pelo Brasil, no festival Rock in Rio 1991, e presença na disputada Clash of the Titans Tour, com Slayer e outras atrações que variavam conforme o continente: Testament e Suicidal Tendencies na Europa, Anthrax e Alice in Chains na América do Norte (Estados Unidos). O ritmo intenso pode ter comprometido a saúde dos músicos, cujos vícios foram retomados e, de certo modo, implodiram aquela formação no fim dos anos 1990, mas isso é conversa para outro dia.
‘Rust in Peace’ mostra que não é à toa que Dave Mustaine, David Ellefson, Marty Friedman e Nick Menza compõem a chamada formação clássica do Megadeth – alvo de uma tentativa de retomada entre 2014 e 2015, mas que não rolou porque Menza, falecido em 2016, não estava bem em termos técnicos e Friedman estava ganhando mais dinheiro no Japão, onde reside há anos.
Esses quatro músicos juntos provaram nesse álbum – e nos seguintes, por que não? – que, além do talento de sobra, tinham uma química que ainda é rara de ser vista entre músicos de heavy metal.
Megadeth – ‘Rust in Peace’
Dave Mustaine (vocal, guitarra)
David Ellefson (baixo)
Marty Friedman (guitarra)
Nick Menza (bateria)
1. Holy Wars… The Punishment Due
2. Hangar 18
3. Take No Prisoners
4. Five Magics
5. Poison Was the Cure
6. Lucretia
7. Tornado of Souls
8. Dawn Patrol
9. Rust in Peace… Polaris