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Ennio Morricone: de Metallica a Muse, a relação do compositor com o rock

Ennio Morricone foi um dos maiores compositores de trilhas sonoras do cinema, sendo celebrado também por artistas de rock.

Ennio Morricone nos deixou. Um dos mais celebrados compositores de trilhas sonoras da história do cinema, chamado não à toa de ‘pai do arranjo moderno’ e inspiração para bandas que vão de Metallica a Muse e de Ramones a Bruce Springsteen, morreu nesta segunda-feira (6), aos 91 anos, na Itália, depois de complicações causadas por um acidente doméstico.

Ao longo de sua carreira, Morricone criou trilhas sonoras para mais de 500 filmes e programas de TV. Era conhecido, especialmente, por seu trabalho em longas do chamado “spaghetti western”, gênero na pegada velho oeste, mas ao estilo italiano.

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Entre algumas de suas trilhas mais celebradas, estão os trabalhos nos filmes ‘Il buono, il brutto, il cattivo’ (‘Três Homens em Conflito’, ou ‘The Good, the Bad and the Ugly’), ‘Per un pugno di dollari’ (‘Por um Punhado de Dólares’) e ‘Per qualche dollaro in più’ (‘Por Uns Dólares a Mais’). Todos os longas mencionados têm direção de Sergio Leone e trazem Clint Eastwood como protagonista. Além disso, ele é o homem por trás das músicas de ‘Os Oito Odiados’ e parte de ‘Bastardos Inglórios, ambos de seu grande fã, Quentin Tarantino.

Por ser descrito como o ‘pai do arranjo moderno’, Ennio Morricone influenciou não apenas o segmento erudito, como, também, artistas de música popular. Além dos já mencionados Metallica e Ramones, nomes como Muse, Bruce Springsteen, Dire Straits e Radiohead, entre outros, já expressaram admiração pelo compositor italiano.

Morricone era, por si só, um rockstar. Vendeu mais de 70 milhões de discos e fazia turnês, tendo se apresentado ao vivo pela última vez em janeiro deste ano, pouco antes da pandemia do coronavírus. Era consciente de seu legado e, felizmente, foi bastante homenageado em vida.

Em julho de 2006, durante entrevista à ‘Dazed’, ele falou sobre as homenagens feitas por Metallica e Ramones, que reproduziam ‘L’Estasi dell’Oro’ (‘The Ecstasy of Gold’) em seus shows. “Fico muito satisfeito com isso. Significa que minha música é simples e valiosa ao mesmo tempo”, afirmou.

Ele só não gostava muito de certas ocasiões em que artistas sampleavam suas composições. “O sampling, por comparação, é uma questão diferente. Em alguns casos, fica bom. Em outros, não fico feliz com isso. Porém, prefiro não citar nomes”, declarou.

Ennio Morricone e Metallica

A relação mais notável de Ennio Morricone com a música popular e fora dos cinemas é com o Metallica. Desde 1983, a banda usa ‘The Ecstasy of Gold’, do filme ‘Il buono, il brutto, il cattivo’, para abrir seus shows. A trilha é tocada em sua versão original, como uma espécie de anúncio de que os músicos entrarão no palco logo em seguida.

É por isso que um dos relatos mais emotivos após a morte de Ennio Morricone veio do Metallica, que fez duas publicações nas redes sociais para homenageá-lo. Em uma delas, o vocalista e guitarrista da banda, James Hetfield, afirmou em um breve texto que o compositor é integrante da “família Metallica”.

“O dia que tocamos ‘The Ecstasy of Gold’ como nossa nova introdução em 1983 foi mágico! Desde então, tornou-se parte do nosso ritual pré-show. […] Cantei essa melodia milhares de vezes para aquecer minha garganta antes de ir para o palco. Obrigado, Ennio, por nos empolgar, sendo uma grande parte de nossa inspiração e de nossa ligação entre banda, equipe e fãs. Sempre vou me lembrar de você como parte da família Metallica. Descanse em paz, Maestro Morricone”, afirma Hetfield.

Em 2014, ao participar da 37ª edição do festival de cinema de Mill Valley, os músicos do Metallica falaram sobre a admiração pelo trabalho de Ennio Morricone. Novamente, James Hetfield foi responsável por comentar o assunto.

“Não lembro qual foi a primeira vez que assisti (‘Il buono, il brutto, il cattivo’), mas virei fã de Clint Eastwood. Foi um dos meus primeiros mentores, alguém que eu queria imitar. Eu me identifiquei com cada personagem nesse filme: o bom, o mau e o feio. Cada um tinha sua maneira de sobreviver: como encaravam o deserto, a guerra e tudo o mais. E, claro, Clint era o cara mais legal”, afirmou, inicialmente, sobre o filme em si.

Em seguida, o músico explica a escolha por ‘The Ecstasy of Gold’ para abrir os shows. “Na parte do filme em que toca ‘The Ecstasy of Gold’, ela passa aquela sensação de tensão, quase de euforia. Tentamos transmitir isso ao público. Virou nossa introdução fixa porque a primeira ideia de introdução era horrível: um coração batendo e ficando cada vez mais rápido. Nosso primeiro empresário disse: ‘isso é uma m*rda, vocês podem fazer melhor que isso’. Então, ele nos sugeriu ‘The Ecstasy of Gold’ e foi uma das melhores coisas que ele já fez”, revelou Hetfield.

Em 2007, o Metallica chegou a regravar ‘The Ecstasy of Gold’, com instrumentos e tudo o mais, para o álbum ‘We All Love Ennio Morricone’ (2007), em tributo a Ennio Morricone. A banda também tocou essa versão em shows.

Outras bandas de vários subgêneros

O tributo ‘We All Love Ennio Morricone’, inclusive, mostra outros artistas que foram influenciados pelo compositor italiano. Além da banda de thrash metal, o álbum traz participações de Bruce Springsteen, Roger Waters, Celine Dion, Quincy Jones com Herbie Hancock, Andrea Bocelli e até dos brasileiros Daniela Mercury e Eumir Deodato.

A versão de Springsteen para ‘Once Upon A Time In The West’, inclusive, venceu o Grammy de Melhor Performance Instrumental de Rock, em 2008, vencendo indicados como Rush, Joe Satriani, Steve Vai e a própria gravação do Metallica para o disco.

‘The Ecstasy of Gold’ é, de certa forma, a produção mais célebre de Ennio Morricone. Fora o Metallica, bandas como Ramones e Motörhead também a utilizaram em shows.

No caso do Ramones, a gravação era reproduzida no encerramento de seus shows do fim da década de 1980 até 1996, quando a banda encerrou atividades. No início dos anos 1980, o Motörhead a tocava logo na introdução de suas apresentações – é possível ouvir esse momento no álbum ao vivo ‘No Sleep ‘til Hammersmith’, de 1981.

Outra música de ‘Il buono, il brutto, il cattivo’ chegou a ser usada pelo Dire Straits em shows. Mais especificamente, durante uma turnê pela Itália em 1981, o vocalista e guitarrista Mark Knopfler, grande fã de Morricone, chegava ao microfone para cumprimentar o público e dizer: “Vocês estão prontos par a melhor orquestra de rock and roll?”. Em seguida, rolava a canção-tema do filme, que leva o mesmo título.

Knopfler já disse em entrevistas que é grande fã da chamada ‘Trilogia dos Dólares’, que conta com os três filmes já mencionados anteriormente: ‘Per un pugno di dollari’ (‘Por um Punhado de Dólares’, 1964), ‘Per qualche dollaro in più’ (‘Por Uns Dólares a Mais’, 1965) e ‘Il buono, il brutto, il cattivo’ (‘Três Homens em Conflito’, 1966). Há, inclusive, uma discreta referência a Morricone na música ‘Once Upon a Time in the West’, cujo título menciona o longa ‘Era Uma Vez no Oeste’ (‘C’era una volta il West’, 1968).

https://www.youtube.com/watch?v=gFjUhi7XEb0&feature=emb_title

Adotando um filme diferente para abrir seus shows, o The Mars Volta costumava usar a música-tema de ‘Per un pugno di dollari’. E já que falamos de bandas contemporâneas, o Muse é, talvez, o nome moderno que mais chama atenção pela influência de Ennio Morricone.

Além de expressarem a admiração pelo compositor em entrevistas, os músicos apresentam um trecho de ‘Man With Harmonica’, presente na trilha de ‘C’era una volta il West’, antes de tocarem ‘Knights of Cydonia’.

Thom Yorke, líder do Radiohead, vai além e faz referências diretas à obra de Ennio Morricone no álbum ‘OK Computer’, de 1997 – mais especificamente, em ‘Exit Music (for a Film)’. Nesta faixa, a banda busca emular a estética do compositor em um folk intimista, com mudanças de andamento ao longo de seus 4 minutos e meio de duração.

Há, ainda, o caso de Morrissey, onde, além de influência, houve trabalho em conjunto: o cantor contou com a participação de Ennio Morricone em ‘Dear God Please Help Me’. A faixa está presente no álbum ‘Ringleader of the Tormentors’ (2006).

A obra de Enrio Morricone também ressoa em ‘The Age of the Understatement’ (2008), álbum de estreia do The Last Shadow Puppets, projeto de Alex Turner (Arctic Monkeys).

Fora do rock, a lista se estende entre referências – como em ‘Crazy’, hit de Gnarls Barkly claramente inspirado pelo estilo de Ennio Morricone – e participações. Uma dessas colaborações chama atenção do público brasileiro: o álbum ‘Per Un Pugno Di Samba’ (1970), gravado em parceria com ninguém menos que Chico Buarque.

A lista de homenagens pode se tornar imensa se a intenção for, realmente, esmiuçar o legado de Ennio Morricone. O compositor, certamente, sabia de sua grandeza – e fez questão de estar próximo do público, compondo e excursionando com orquestra, até os momentos finais da vida.

Em 2016, ao ‘The Guardian’, Morricone teve que se explicar após veículos de comunicação afirmarem que a turnê do ano anterior era a sua última – mesmo que ele próprio nunca tenha dito isso. “Ainda estou aqui. Quando eu tinha 35 anos, falei à minha esposa Maria que iria parar de compor trilhas sonoras e passaria a compor outros tipos de música. Mas ainda estou aqui compondo música para filmes, então, você nunca sabe quando vai parar”, afirmou, na ocasião, após ter divulgado uma nota oficial confirmando que não iria se aposentar, pois ele não se sentia cansado.

A trajetória, pelo menos fisicamente, chegou ao fim. O legado, por sua vez, seguirá. Que Ennio Morricone descanse em paz.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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