A década de 1980 foi um período confuso para o Black Sabbath. Foram tantas mudanças de formação que até o guitarrista Tony Iommi, único a seguir na banda, deve se confundir.
A “era Ozzy Osbourne” teve fim em 1979 e o vocalista foi substituído por Ronnie James Dio. No ano seguinte, gravaram o álbum ‘Heaven and Hell’ o baterista Bill Ward saiu no meio da turnê, tendo sua vaga ocupada por Vinny Appice, que toca em ‘Mob Rules’, já em 1981.
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Em 1982, Dio e Appice deixaram o Black Sabbath juntos. Bill Ward voltou e para o vocal, chamaram ninguém menos que Ian Gillan, que estava fora do Deep Purple há quase uma década. O line-up gravou ‘Born Again’ (1983). Na turnê, Ward saiu de novo, sendo substituído por Bev Bevan.
Com o fim dos shows marcados, em 1984, Ian Gillan retornou ao recém-reformado Deep Purple. Bev Bevan também deixou a banda. O cantor comenta que Tony Iommi e o baixista Geezer Butler, além de outros membros da equipe, faziam com que ele e o baterista parecessem meros contratados, como “ajuda temporária”. Butler, por sua vez, destaca que ‘Born Again’ nem seria lançado como um álbum do Black Sabbath.
Os testes com Ron Keel
Sem vocalista e baterista, o Black Sabbath começou a arriscar um pouco mais. Fizeram um teste com o vocalista Ron Keel, que começava a ficar conhecido pelo trabalho com a banda Steeler, que tinha um jovem Yngwie Malmsteen na guitarra. O cantor não foi efetivado e, em entrevistas, deixa claro que queriam transformar o Sabbath em uma banda de hair metal, glam metal ou hard rock dos anos 1980 – chame como quiser.
“Eu estava no estúdio gravando demos para minha nova banda, Keel, quando Spencer Proffer (produtor), que era ‘o cara’ em Hollywood na época, foi contratado para produzir um novo álbum do Black Sabbath. Ele me indicou para ser vocal do Sabbath e gravamos demos de algumas músicas. Por alguma razão, Spencer queria transformar o Black Sabbath em uma banda de hair metal anos 80, empurrando músicas na pegada da MTV. Isso não é o Sabbath. Eles são os fundadores do heavy metal. Você não transforma o Sabbath no Ratt ou Mötley Crüe”, disse Ron, em entrevista recente ao The Metal Voice.
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Quer saber como seria o Black Sabbath com Ron Keel? Ele participou do tributo ‘Emerald Sabbath’ em 2019 e gravou três músicas: ‘Hole in the Sky’, ‘Die Young’ e ‘Trashed’. Ouça a segunda abaixo:
Em sua autobiografia, Tony Iommi comenta que Ron Keel era um bom vocalista e conseguiu construir uma carreira após seus dias no Black Sabbath, especialmente com a banda Keel. “Porém, não era o que estávamos procurando na época”, disse.
Curiosamente, o Keel quase acabou por conta do malfadado teste para o Black Sabbath. “Eu disse aos caras do Keel que era a chance da minha vida e eles entenderam. Achamos que o show em 7 de abril de 1984 seria nosso primeiro e último. Só que o acordo foi para o ralo. Spencer Proffer foi demitido após o Black Sabbath decidir fazer o que sempre faz e eu estava no meio do tiroteio, pois foi Spencer que me indicou”, comentou o vocalista, na mesma entrevista. Já na autobiografia ‘Even Keel’, ele relata que Iommi e Butler foram a esse show e desistiram de tê-lo na banda por não gostarem da performance.
David Donato (e Bill Ward de novo)
Após o teste malsucedido com Ron Keel, rolou mais uma tentativa de retomar o Black Sabbath. Ainda em 1984, Bill Ward voltou novamente à formação e o grupo chamou o vocalista David Donato, mais conhecido por seus trabalhos como modelo masculino – em revistas como a ‘Playboy’, inclusive – do que por sua atuação na música. O quarteto convocou o gigante da produção Bob Ezrin para ajudar a desenvolver um álbum.
Todo esse trabalho rendeu apenas uma demo, ‘No Way Out’, que é uma versão quase farofa de ‘The Shining’, lançada anos depois com Tony Martin no vocal no álbum ‘The Eternal Idol’ (1987). Nos primeiros segundos dos vocais de Donato, dá para sentir que ele não tinha rigorosamente nada a ver com o Black Sabbath.
Para piorar a situação, David Donato concedeu uma entrevista à revista ‘Kerrang!’, com generosos tons de galhofa oitentista, que não foi bem recebida pelos colegas de banda. Uma década e meia após praticamente fundarem um novo gênero musical, o Black Sabbath havia se tornado uma piada.
Não à toa, o vocalista foi dispensado rapidamente. Formou o White Tiger junto do guitarrista Mark St. John, recém-saído do Kiss, mas a banda sobreviveu apenas a um álbum e uma turnê pelos Estados Unidos. O motivo? Baixa repercussão.
Desmotivado, Bill Ward saiu da formação, em seguida, pela enésima vez. Parecia rotina, mas outra baixa de peso ocorreu desta vez: Geezer Butler também deixou a banda. Até então, o baixista só havia ficado alguns dias fora da formação, antes da gravação de ‘Heaven and Hell’, em meio a problemas pessoais. A coisa era séria.
“Quando Ian Gillan saiu, foi o fim para mim. Parecia uma piada e eu saí. Já com Gillan, não era para ter sido um álbum do Black Sabbath. Quando fizemos o disco, entregamos à Warner (gravadora) e eles falaram que iriam lançar como Black Sabbath. Não tínhamos como contestar. Fiquei desiludido e Gillan ficou puto”, revelou Geezer, em 2006, ao site ‘Classic Rock Revisited’.
Black Sabbath acaba e Tony Iommi lança carreira solo
Diante de tudo isso, o Black Sabbath, ao menos naquele momento, encerrou suas atividades. Geezer Butler já havia montado uma banda própria, então, era o momento de Tony Iommi também se dedicar a uma carreira solo.
A ideia inicial era que Iommi gravasse um álbum com vários vocalistas, incluindo Rob Halford (Judas Priest), Glenn Hughes (ex-Deep Purple e Trapeze), David Coverdale (Whitesnake, ex-Deep Purple) e o próprio Ronnie James Dio, com quem ele mantinha amizade. Não rolou, mas voltaremos depois ao nome de Glenn Hughes.
Apesar da indefinição quanto às vozes, o guitarrista já sabia quem seria o baixista e o baterista: Dave Spitz e Eric Singer, respectivamente. Os dois estavam na banda de Lita Ford, que, na época, era namorada de Tony Iommi, e foram “pegos emprestados” (ou “roubados”) do grupo dela. Havia, ainda, o tecladista Geoff Nicholls, que permaneceu esse tempo todo trabalhando com o Black Sabbath (desde 1980, mais especificamente, já que seria o substituto de Geezer Butler em ‘Heaven and Hell’) como um membro não-oficial.
Jeff Fenholt e a controvérsia
Entra, neste momento, o quase-vocalista mais polêmico do Black Sabbath: Jeff Fenholt. Indicado pelo empresário Don Arden, ele era conhecido no segmento do rock cristão pelo trabalho com a banda Joshua e, especialmente, por ter sido Jesus na versão original da Broadway para o musical ‘Jesus Cristo Superstar’, no início da década de 1970.
Um cantor do rock cristão trabalhando com Tony Iommi? Indo além: um cantor do rock cristão trabalhando no Black Sabbath? Foi isso e não foi isso que aconteceu, tudo ao mesmo tempo.
Falecido em 2019, Fenholt garantia, em entrevistas posteriores, que havia feito parte do Black Sabbath entre janeiro e maio de 1985. Iommi, por sua vez, nega, já que declara que trabalhava em sua carreira solo naquele momento.
Fato é que os dois tocaram juntos e produziram algumas músicas que podem ser encontradas na bootleg ‘Star of India’. Parte do material, que novamente soava mais hard rock anos 80 do que heavy metal, foi aproveitado no álbum ‘Seventh Star’ (1986) – calma, vamos chegar lá.
Apesar do bom resultado, a parceria não prosperou. O motivo: havia um desentendimento com relação à crença de Jeff Fenholt. Quem poderia imaginar, né?
Logo após abandonar o trabalho com Iommi e voltar ao Joshua, Fenholt fez críticas à abordagem que o Black Sabbath fazia sobre o ocultismo em suas letras. O guitarrista, por sua vez, relata que o próprio cantor declarava estar à vontade com o tema.
Naquela época, Jeff Fenholt integrou brevemente o projeto M.A.R.S. (com o baixista Rudy Sarzo e o baterista Tommy Aldridge), antes de ser substituído por Rob Rock. Junto do guitarrista Tony MacAlpine, o grupo gravou o álbum ‘Project: Driver’ em 1986. Na sequência de sua carreira, Fenholt seguiu envolvido com a música gospel. Amém.
Reunião da formação original para o Live Aid
Em meio a tudo isso, a formação original do Black Sabbath se reuniu para um curto show no Live Aid, o festival beneficente promovido por Bob Geldof em 13 de julho de 1985. Era a primeira vez que Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward tocavam juntos em mais de 5 anos. A apresentação rolou na edição do evento na Filadélfia, Estados Unidos.
Desde o início, sabia-se que a reunião seria apenas para esse show. Ainda assim, chama atenção como cada integrante parecia estar em uma vibe diferente. Ozzy, no auge de sua “fase glam”, não economizou no visual espalhafatoso. Iommi e Ward estavam na pegada de sempre. Butler também parecia diferente, especialmente por seu baixo B.C. Rich que lhe rendeu até mesmo um ferimento no dedo – por isso, só foi usado naquele dia.
Glenn Hughes e, enfim, ‘Seventh Star’
Depois de insistir, em vão, na hipótese de gravar um álbum solo com vários vocalistas, Tony Iommi aceitou ter apenas um cantor. O convocado foi Glenn Hughes, que já seria um dos convidados no projeto inicial.
Embora tenha se tornado célebre com o Deep Purple, uma banda que sempre flertou com o heavy metal, Hughes era justamente o cara que trazia influências diferentes em seu período na formação. Era fã de música negra em geral, como soul e R&B. Mesmo assim, estava tudo bem, já que Iommi estava em carreira solo e queria fazer algo diferente.
Com Glenn Hughes, Dave Spitz, Eric Singer e Geoff Nicholls, Tony Iommi gravou seu álbum solo, ‘Seventh Star’, no fim de 1985. Quer dizer… era para ter sido um disco solo. Novamente, a Warner interferiu e exigiu o nome do Black Sabbath envolvido no projeto. Iommi não estava tão disposto a ceder, então, foi encontrado um meio-termo: ‘Black Sabbath featuring Tony Iommi’, como consta na capa.
Não adiantou muito: os fãs enxergaram esse álbum como Black Sabbath, não como Tony Iommi. Hoje, o trabalho até consta na discografia da banda, mas sempre com esse asterisco: foi concebido como um registro solo do guitarrista.
Trata-se, ainda, do único trabalho oficial que materializa essa tentativa de transformar o Black Sabbath em hard rock ou, pelo menos, de mostrar uma investida de Tony Iommi em outro estilo. ‘Seventh Star’ não soa em nada como a banda que criou ‘War Pigs’, ‘Paranoid’, ‘Into the Void’, ‘Supernaut’, ‘Sabbath Bloody Sabbath’ e afins – o que não é ruim, só é diferente.
Ao longo do material presente no álbum, é possível perceber que há o tal flerte com o hard rock dos anos 80, mas (quase) sempre com peso. Músicas como ‘In for the Kill’ e ‘Turn to Stone’ são bem aceleradas, enquanto a faixa-título traz aquele groove arrastado típico do grupo. A aproximação com o blues se torna evidente em canções como a excelente ‘Heart Like a Wheel’.
Tudo soa legal por aqui. Só que não é Black Sabbath. E isso deixou Tony Iommi incomodado, já que, no fim das contas, ele também saiu em turnê com o nome e o repertório da banda. Em meio a todo esse conflito artístico, havia outro problema para se lidar: Glenn Hughes, no auge do vício em drogas, não tinha a menor condição de continuar se apresentando. Foi substituído por Ray Gillen, que montou o Badlands futuramente com o então colega de Sabbath, Eric Singer.
O novo vocalista também seria o responsável por gravar o álbum seguinte, já com intenção de ser Black Sabbath: ‘The Eternal Idol’. Porém, após registrar as demos para o disco, acabou saindo. Singer ficou para as gravações, mas também “meteu o pé” para formar o já citado Badlands com Gillen.
Ouça a faixa ‘The Shining’ com Ray Gillen:
Nesse momento, chega a figura de Tony Martin, que conseguiu dar alguma estabilidade à banda naquele período caótico. Ele permaneceu de 1987 a 1997, com exceção do período entre 1991 e 1993, quando rolou uma reunião com Ronnie James Dio.
Martin, aliás, tinha Dio como sua maior referência vocal. Isso ajudou a banda a fincar, novamente suas raízes no heavy metal e dar fim ao que seria uma completa “conversão” ao hard rock oitentista caso a linha de ‘Seventh Star’ fosse seguida futuramente.