Por acaso, “Good Times Bad Times” foi a primeira música que ouvi do Led Zeppelin – ao menos, ciente de que era uma canção da banda. Faz muito tempo. Porém, até hoje, sempre que a coloco para tocar, a sensação é a mesma: uma mistura de empolgação, pelo que estou ouvindo, e de incredulidade, quando percebo que é apenas a abertura do primeiro álbum do grupo.
Há outros fatos sobre o álbum de estreia do Led Zeppelin, autointitulado, que também impressionam. Quase todos eles são ligados ao pouco tempo em que tudo ocorreu.
Em julho de 1968, o The Yardbirds chegou ao fim após as saídas de Keith Relf, Jim McCarty e Chris Dreja. Sobrou para o jovem, porém já experiente guitarrista Jimmy Page, que ficou com os direitos do nome da banda, bem como as obrigações contratuais para uma série de shows na Escandinávia. Ele precisou montar um novo grupo às pressas – e que, não por acaso, recebeu o nome temporário “The New Yardbirds” – e o primeiro nome chamado foi o baixista John Paul Jones, que, assim como Page, trabalhava como músico de estúdio.
A ideia era que Terry Reid fosse o vocalista e B.J. Wilson (Procol Harum), o baterista. Reid recusou o convite e indicou Robert Plant, que trouxe seu amigo John Bonham para assumir as baquetas. A turnê pela Escandinávia foi feita em setembro de 1968 misturando músicas antigas do The Yardbirds com novas composições, como “Communication Breakdown”, “Babe I’m Gonna Leave You” e “How Many More Times”. Logo após a tour chegar ao fim, a banda mudou de nome para Led Zeppelin e gravou seu álbum de estreia nos Olympic Studios de Londres, na Inglaterra.
É assustador perceber que, em apenas dois meses, o The Yardbirds chegou ao fim, Jimmy Page montou uma banda nova para uma turnê na Escandinávia e já estava dentro de um estúdio para registrar o primeiro álbum desse projeto. E espanta ainda mais quando se descobre que o disco foi gravado e mixado em apenas 36 horas de trabalho. O investimento foi de menos de duas mil libras, já que o grupo sequer tinha contrato com gravadora na época. Em 12 de janeiro de 1969, um dia após Page completar 25 anos de idade, o disco já estava nas prateleiras, após acordo firmado com a Atlantic Records.
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Apenas uma banda fora de série, como o Led Zeppelin, poderia fazer algo desse porte com tamanha agilidade. Considerando o investimento e os recursos existentes naquela época, o álbum de estreia do quarteto não soa desleixado em momento algum, seja em repertório ou qualidade de gravação. Os experientes Jimmy Page e John Paul Jones souberam gerenciar os talentosos Robert Plant e John Bonham para um resultado final muito acima da média.
Page, aliás, faz a diferença ao também assinar a produção, como em todos os trabalhos posteriores do Led Zeppelin. Neste disco, o guitarrista aplicou algumas técnicas bem diferentes para registrar o material, com destaque para o uso da ressonância do ambiente em que as trilhas de áudio eram captadas para aprimorar a textura do som. Com isso, ele se tornou um dos primeiros profissionais de estúdio a trabalhar com o som ambiente, proposta que revolucionou os métodos de gravação.
A já citada faixa “Good Times Bad Times” abre o disco de forma pulsante e com os quatro integrantes se destacando, embora não seja possível deixar de citar a incrível linha de bateria de Bonham. “Babe I’m Gonna Leave You” introduz a pegada bluesy que foi tão explorada nesse álbum, enquanto “You Shook Me”, versão para o clássico de Muddy Waters composto por Willie Dixon, mergulha de vez no estilo. A melancolia das canções anteriores ganha uma pitada de psicodelia com “Dazed And Confused”, que, mesmo “excessivamente inspirada” da produção homônima de Jake Holmes, reforça a química presente entre os músicos envolvidos.
“Your Time Is Gonna Come” traz um “quê” de gospel e é seguida pela instrumental “Black Mountain Side”, uma versão rearranjada da música folclórica britânica “Down by Blackwaterside”. “Communication Breakdown” retoma a veia hard rock que tanto pulsou em “Good Times Bad Times”, mas o blues volta a aparecer (mais uma vez, em cover) na versão para “I Can’t Quit You Baby”, de Willie Dixon. “How Many More Times” fecha o álbum com riffs improvisados a partir da canção de mesmo nome do bluesman Howlin’ Wolf, só que em versão eletrificada – em instrumentos e em postura.
Apesar de ter se tornado um clássico do rock e ter construído as regras para o desenvolvimento do que chamaríamos de hard rock no futuro, o primeiro álbum do Led Zeppelin não foi tão bem recebido na época de seu lançamento, especialmente pela crítica especializada. Muitos jornalistas não viram a banda com bons olhos devido à ligação com o The Yardbirds e à proposta de “supergrupo”, que já estava saturada mesmo naquela época. A opinião dos veículos, é claro, mudou com o tempo, já que o Zeppelin comprovou sua relevância.
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Meio século depois, o álbum de estreia do Led Zeppelin segue relevante para a música como um todo e imprescindível para quem deseja entender o rock. E há muitas razões para tamanho vanguardismo: a mistura pontual da música pesada com o blues e o folk, o primor técnico que começa pelos pioneiros vocais agudos de Robert Plant (na época, confundido com uma mulher por muitos) e passa pela guitarra incendiária de Jimmy Page até chegar à cozinha vigorosa de John Paul Jones e John Bonham, o uso de recursos praticamente inéditos para gravação em estúdio… é por essas e outras que, de Aerosmith a Guns N’ Roses, de Kiss a Greta Van Fleet, de Black Crowes a Pearl Jam, praticamente todos os músicos de rock que surgiram a partir da década de 1970 ouviram e idolatraram este lendário quarteto britânico.
Robert Plant (vocal, gaita)
Jimmy Page (guitarra, violão)
John Paul Jones (baixo, órgão)
John Bonham (bateria)
Músico adicional:
Viram Jasani (tabla na faixa 6)
1. Good Times Bad Times
2. Babe I’m Gonna Leave You
3. You Shook Me
4. Dazed and Confused
5. Your Time Is Gonna Come
6. Black Mountain Side
7. Communication Breakdown
8. I Can’t Quit You Baby
9. How Many More Times