Por que a caça às bruxas de Hollywood não chega aos rockstars?

O universo de Hollywood tem promovido uma invejável “caça às bruxas” nos últimos tempos. Seja em um passado longínquo ou recente, quem teve comportamento social inapropriado em algum momento está sendo denunciado, criticado e até investigado.

Dois casos se destacaram durante a “caça às bruxas” de Hollywood. O produtor Harvey Weinstein foi acusado de assédio sexual por dezenas de atrizes, incluindo as poderosas Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow. O ator Kevin Spacey, por sua vez, foi alvo de queixa de diversas pessoas pelo mesmo motivo após Anthony Rapp, intérprete de uma nova série de Star Trek, manifestar-se sobre o assunto. Em ambas as situações, vale destacar, as alegações só ganharam força porque partiram de nomes consagrados.

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Como consequência, os profissionais acusados foram praticamente exilados de suas atividades, com destaque especial para Kevin Spacey. O veterano foi cortado da sexta temporada da série “House of Cards”, sucesso da Netflix, e de um filme de Ridley Scott, chamado “Todo o Dinheiro do Mundo” – este, inclusive, já estava pronto e teve que ser inteiramente refilmado. Foi como se Spacey e Weinstein tivessem seus nomes apagados de Hollywood.

Admito que pensei muito sobre o resultado de uma “caça às bruxas” semelhante em outros segmentos – especialmente na música, que é a área que melhor conheço devido ao exercício do jornalismo musical. E foi inevitável pensar no rock como o ambiente mais propício para uma reação do tipo.

O meio do rock (onde o heavy metal, obviamente, é incluído) inclui situações que envolvem:

Entretanto, dificilmente algo do tipo vai acontecer no rock, embora exista muito a se apurar no segmento. E, curiosamente, existem alguns motivos que justifiquem isso.

1) Exaltação cultural da atitude

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Embora não tenha nada a ver com a música em si, o rock é culturalmente exaltado, especialmente por seus entusiastas mais românticos, pela atitude controversa de seus músicos. É comum testemunhar comentários, ainda mais nas redes sociais, de fãs que dizem que roqueiro deve agir de forma errática, selvagem, pois é o que manda o “manual”.

A reação é curiosamente inversa quando há exemplos de “roqueiros certinhos”. Os comentários em reportagens sobre as atuais listas de exigências de artistas – muitas vezes, com itens mais saudáveis e nada de álcool ou drogas – são, no geral, de reprovação. O público é tão ingênuo que pensa que, nos “anos de ouro” do estilo, os rockstars descreviam exatamente as drogas que desejavam na lista de exigências – como se não soubessem que a folha com os pedidos acabariam sendo veiculadas na mídia.

O ponto da inocência, aliás, parece ser igual entre todo “roqueiro romântico”, que pede uma postura mais errática de seus ídolos. Muitos parecem não pensar que tais atitudes são ruins, especialmente a médio e longo prazo. A máxima “live fast, die young” torna-se infantil perante a lista de artistas talentosíssimos que o mundo perdeu cedo demais: Jimi Hendrix, Janis Joplin, John Bonham, Bon Scott, Jim Morrison, Keith Moon, Phil Lynott, Kurt Cobain e Layne Staley são só alguns dos exemplos mais conhecidos.

2) Prescrição temporal

Há quem use o tempo para “passar o pano” em atitudes por vezes criminosas de astros do rock. E a justificativa é utilizada, principalmente, de duas formas distintas.

A primeira é que, na opinião de muitos, tais casos já se prescreveram com o tempo. “Caducaram”, em linguagem mais acessível. É como se os músicos não pudessem mais ser cobrados pelas atitudes infelizes no passado – embora Kevin Spacey tenha sido exilado de Hollywood, inicialmente, graças a algo feito na década de 1980.

Entretanto, esse tipo de crime não se prescreve nem mesmo perante a lei. Nos casos de Hollywood, Spacey e Harvey Weinstein estão sendo investigados oficialmente, por departamentos de polícia americanos e britânicos, pelas acusações feitas na imprensa.

A segunda explicação é ainda mais pessoal e opinativa para quem a defende: muitos acreditam que os tempos eram outros. Isso justificaria, por exemplo, os diversos casos de rockstars efebófilos, que se relacionavam com adolescentes – e, em alguns casos, ganhavam ares de legalidade após pedirem a guarda das garotas para seus pais, como fizeram Steven Tyler, Elvis Presley e Jerry Lee Lewis, entre outros.

Todavia, no que diz respeito a ambas as explicações (prescrição ou aceitação cultural de décadas atrás), fazer uso do tempo para “passar pano” em atitudes erradas é a mais infundada, pois crimes sempre foram crimes. Relacionamentos abusivos e manifestações preconceituosas, só para ficar nos mais frequentes, sempre foram condenáveis perante a lei – seja nos anos 50 ou nos dias de hoje.

3) Independência

O rock ganhou um caráter independente nas últimas décadas, potencializado com o crescimento da internet e suas redes sociais, bem como a popularização de recursos para gravação de áudio. Hoje em dia, tornou-se mais fácil registrar um disco e lançar ao mundo.

E não foram só as novas gerações de músicos que entenderam isso. Há diversos artistas, de portes de carreira distintos, que atuam de forma independente, sem vínculo com grandes companhias.

Para se ter ideia, Phil Anselmo foi duramente criticado por sua saudação nazista no início de 2016. Contudo, apesar das consequências inevitáveis, o vocalista deu sequência aos seus trabalhos da forma mais normal que era possível. Ele descansou sua imagem por um período, mas, ainda em 2016, lançou um novo álbum com o Superjoint, “Caught Up In The Gears Of Application”, e seguiu fazendo shows. Isso foi possível porque Anselmo tem uma carreira autogerenciada e é dono de um selo fonográfico, o Housecore Records.

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O caso de Phil Anselmo nunca poderia ser aplicado no mercado de Hollywood, dominado por grandes empresas que temem perder dinheiro a partir de alguma repercussão negativa. As rápidas ações contra Harvey Weinstein e especialmente contra Kevin Spacey comprovam isso.
O filme do qual Spacey foi apagado, “Todo o Dinheiro do Mundo”, tem grandes chances de ser indicado ao Oscar e, por isso, a produção agiu de forma tão ágil ao removê-lo. A Netflix, que faz “House Of Cards”, também está de olho na grande premiação, embora seus filmes e séries não tenham grande histórico de indicações. Além disso, a plataforma de streaming tem um público nitidamente mais jovem e mais propenso a julgar negativamente a empresa por alguma atitude não tão enérgica.

Isso não se aplica ao rock, muito menos na indústria musical como um todo, que deixou de depender de grandes corporações – exceto no caso de artistas imensos, do porte do U2 ou dos Rolling Stones, que ainda contam com uma estrutura típica de estúdios de Hollywood por trás.

4) Faltam referências

Embora sejam considerados gênios no que fazem, muitos rockstars demonstram ter tanta inteligência e articulação quanto jovens jogadores de futebol, notáveis por entrevistas travadas e de pouco conteúdo. Duvida? Basta acompanhar algum depoimento de astros como David Lee Roth, irmãos Gallagher, Peter Criss, membros do Mötley Crüe, Ozzy Osbourne e Sebastian Bach, entre outros.

Existem poucos exemplos a serem seguidos no meio do rock. Alguns, curiosamente, ganharam notoriedade no heavy metal. São raros os nomes como Bruce Dickinson, que são dotados de diversas funções fora da música, obtiveram destaque longe de polêmicas e realmente parecem dizer algo em suas entrevistas. E isso ocorre porque o próprio meio não facilita a ascensão de “vida inteligente” – afinal, a devassidão é exaltada. Não há como cobrar muito de um segmento assim.

Concluindo…

No fim das contas, os motivos supracitados e outras razões corroboram para que o rock nunca testemunhe uma “caça às bruxas”. O estilo foi criado e perpetuado em um meio que é abusivo de inúmeras formas.

Reforço que não sou, exatamente, um entusiasta de uma ação de “caça às bruxas” no rock, nem mesmo em Hollywood. Operações do tipo costumam ser tendenciosas e seletivas. No caso de Hollywood, por exemplo, Kevin Spacey foi praticamente exilado por crimes que outros atores, cineastas e até magnatas já cometeram.

Por outro lado, gostaria de ver, mesmo que em longo prazo, uma mudança ideológica por parte dos fãs do estilo. Não é que todo mundo precise virar santo, mas precisamos, mesmo, exaltar certa cultura de devassidão – e não soa canalha fazer isso quando estamos tão distantes? É como esperar a baixaria rolar em prol de satisfação pessoal, independente dos danos a quem esteja envolvido.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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