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A música se tornou descartável?

Nunca fui um ávido comprador de CDs, não sou do tempo do vinil, nem colecionava muitos álbuns – a não ser em meu computador. Mas a partir de determinado momento de minha vida, passei a valorizar os discos enquanto obras completas.
Na minha vida, a valorização do disco enquanto um produto só, não apenas um apanhado de faixas, começou com o icônico “Appetite For Destruction”, do Guns N’ Roses. Até então, gostava dos hits e das coletâneas dessa e de outras bandas, mas não tinha paciência para álbuns inteiros. A subversiva trupe de Axl Rose me fez perder esse asco ainda nos tempos de puberdade. A partir do momento que mudo minha visão sobre o conjunto da obra, também modifico meu ponto de vista em relação às faixas individuais.
Um exemplo de que a música pode ter se tornado descartável martelou a minha cabeça nos últimos dias. Publiquei, tanto aqui neste site quanto no Cifras, uma resenha sobre o novo disco de Slash (o mesmo que integrava o Guns N’ Roses, banda do segundo parágrafo), “World On Fire”. Para resumir o que está no texto original: a principal crítica que tenho em relação ao trabalho é que ele não tem consistência enquanto conjunto. É um apanhado de faixas, que podem me convencer separadas, mas juntas, enjoam. Peca pelo excesso (17 faixas). Álbuns com grande duração precisam apresentar conteúdos distintos entre si; caso a fórmula seja aplicada várias vezes, a tendência é que se torne petulante.
Em resposta, vários fanboys se manifestaram contra à minha análise, especialmente na frase em que digo: “Sem umas seis faixas, seria facilmente o álbum do ano”. As respostas giraram em torno do argumento: “Então tire as seis faixas e pronto”. Para mim, pelo que já expliquei anteriormente, não é assim que funciona.
Mas para muitos é assim que funciona. Quem se importou, por exemplo, com o meio que o U2 utilizou para lançar seu novo disco, “Songs Of Innocence”? O álbum foi adicionado automaticamente à biblioteca de músicas dos clientes do iTunes Store, usuários de aparelhos da Apple. Nos primeiros dias, sequer havia como remover o disco da sua playlist.
Sob minha ótica, fazer isso é a mesma coisa que obrigar uma pessoa a aceitar um disco que odeia como presente e ordenar que o ouça diariamente. Mas muitos nem se importaram. Música virou algo dispensável. Descartável. Provavelmente os engravatados e o U2 fizeram isso porque as pessoas nem ligam. A grande maioria nem deve ter ouvido todas as faixas. Depois soltaram o aplicativo que remove o álbum. É só apagar.
O CD caminha a passos largos para a própria morte. O vinil voltou de vez ao mercado, mas é item restrito a colecionadores. O streaming e o download legal são as alternativas para se ganhar dinheiro com lançamentos. É fácil: baixe o disco e, caso não goste dele todo, diga que ele é ótimo para seus amigos mas apague metade das músicas do mesmo. Daqui uns dias, vamos apreciar galerias de arte apenas pelo smartphone. Nos contentaremos com trailers ao invés de filmes.
A forma mais pontual para encerrar esse texto é a fala de um músico cuja banda não é contemplada na linha editorial do site: Skank. Samuel Rosa, frontman do grupo, disse em entrevista publicada na edição 92 da revista Rolling Stone: “É um pouco frustrante que hoje as pessoas não tenham mais tempo de ficar ouvindo um álbum inteiro. Você faz 12 músicas e o cara não tem paciência de ouvir. Nego escuta duas músicas, vai pro bar e diz que ouviu o novo disco do Skank. Eu até brinco: a gente faz um disco como o Estandarte (2008), e três músicas ficam conhecidas – as que tocaram no rádio. E o resto? Só os jornalistas escutaram”.
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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