Titãs volta a ter sangue nas veias com “Nheengatu”

Titãs: “Nheengatu” (2014)

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Artisticamente, o Titãs se tornou contestável na década anterior. Não dá para dizer que eles já foram punk algum dia – e nem acredito que eles almejavam tal rótulo -, mas especialmente em seus discos mais clássicos, chegaram muito perto disso. Tal essência se perdeu muito nos forçados “Como Estão Vocês?” (2003) e “Sacos Plásticos” (2009).
Era nítido que, especialmente nos anos 2000, os Titãs não queriam estar ali. Pareciam mais satisfeitos em outros projetos, dentro ou fora da música. Em “Nheengatu”, no entanto, essa paixão parece ter voltado. Algumas das canções já estavam prontas há alguns anos e foram tocadas em turnês entre 2012 e 2014. Mas quem se importa? “Nheengatu” tem cheiro de novo.
Vale destacar que, mesmo com o frescor do material apresentado, trata-se de um híbrido perfeito e atualizado entre trabalhos como “Cabeça Dinossauro” (1986) e “Jesus não Tem Dentes no País dos Banguelas” (1987). Raiva, fúria e protesto são resumidos, aqui, em boas melodias, ótimas interpretações e excelentes letras. As individualidades dos três frontmen voltam a se representar: Paulo Miklos é o mais pancada (e meu favorito), enquanto Sérgio Britto é o mais ácido e Branco Mello, o mais divertido, apesar deste não abandonar o clima nervoso.
O protesto lírico e o peso de “Fardado”, faixa de abertura, é uma porrada na cara. Direta. Visceralmente intragável. O Titãs voltou. Mais bem elaborada, “Mensageiro da Desgraça” dá sequência com um pé no freio, um riff marcante e uma letra muito bem feita. A voz de Paulo Miklos é reconhecível há quilômetros de distância. “República dos Bananas” é um punk tranquilo e divertido, ao estilo Titãs. A faixa foi escrita por Branco Mello, pelo cartunista Angeli, pelo palhaço Hugo Possolo e pelo guitarrista Emerson Villani.
“Fala, Renata” é genial. Alterna entre a selvageria rock n’ roll e uma espécie de sambinha. “Cadáver Sobre Cadáver”, coescrita por Arnaldo Antunes, exala frescor desde o riff de guitarra e baixo acompanhado pela meia-lua até a letra bem composta. As vocalizações se destacam. “Canalha”, cover de Walter Franco, é puro rock brazuca. A interpretação melódica de Branco Mello e o bom preenchimento instrumental fazem com que o tributo fique tão bom quanto a original. A ótima e climática “Pedofilia” chama atenção pela letra: discursos entre o agressor e o agredido.
A sarcástica “Chegada ao Brasil (Terra à Vista)” não abandona o tom de crítica das outras faixas. No entanto, é até engraçada. Poderia gerar um bom videoclipe. A selvagem “Eu Me Sinto Bem” é, provavelmente, a canção que mais remete o ouvinte aos Titãs da década de 1980. A divertida melodia de “Flores Pra Ela” pode gerar desatenção à boa letra, que fala sobre a violência contra as mulheres. O solo de Tony Bellotto é o destaque. Essencialmente roqueira, “Não Pode” tem bom trabalho de guitarras e rebeldia nas vozes.
Tipicamente punk rock, “Senhor” dá sequência com uma letra ácida de Tony Bellotto. A crítica ao fanatismo religioso é pontual. “Baião de Dois” é um baião rock n’ roll de ótima cozinha. A faixa, que explode no final, tem o instrumental como destaque. “Quem São Os Animais?” encerra o disco com a resposta à pergunta feita no título. Os animais somos nós. Preconceito é a temática da letra, altamente reflexiva.
Os Titãs estão, definitivamente, de volta. E o melhor: com o frescor de quem quer reconquistar o Brasil sem precisar de colocar música em trilha sonora de novela global. “Nheengatu” é um “clássico contemporâneo” do rock nacional e merece audição atenta de qualquer bom fã do estilo.

Nota 8,5

Ouça “Nheengatu” na íntegra:

Paulo Miklos (guitarra; voz principal em 2, 5, 10 e 13)
Branco Mello (baixo; voz principal em 3, 6, 8 e 12)
Sérgio Britto (teclados; voz principal em 1, 4, 7, 9, 11 e 14; baixo em 3, 6, 8 e 12)
Tony Bellotto (guitarra)
Mario Fabre (bateria)

1. Fardado
2. Mensageiro da Desgraça
3. República dos Bananas
4. Fala, Renata
5. Cadáver Sobre Cadáver
6. Canalha (cover de Walter Franco)
7. Pedofilia
8. Chegada ao Brasil (Terra à Vista)
9. Eu Me Sinto Bem
10. Flores Para Ela
11. Não Pode
12. Senhor
13. Baião de Dois
14. Quem São os Animais?

Escrito em colaboração para o Reduto do Rock.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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