E-M-O… Para alguns, a simples junção destas três letras causa calafrios, mas, sejamos justos, há elementos na sonoridade do Pierce the Veil que a aproxima do pop punk e do post-hardcore. Mesmo assim, apesar de não exatamente aderir ao movimento ou se identificar com o som, este escriba jamais entendeu a razão de tamanha má vontade com o estilo. O que justificaria tanto ranço?
- Seriam as unhas pintadas nas mãos? Steven Tyler e David Bowie faziam o mesmo na década de 1970;
- Os cortes de cabelo desalinhados? Contemporâneos dos vocalistas, Freddie Mercury e companhia não exatamente capricharam neste aspecto na capa de “Queen II” (1974) ou no clipe de “Bohemian Rhapsody”, do ano seguinte;
- Seria o som em si? Toda nova geração se encarregou de contrariar com a anterior, fosse na história da literatura ou pintura, causando ruptura e desconforto. Logo, por que seria diferente na música?
- Outro possível motivo talvez fosse pelo lirismo ensimesmado, mas e daí? Inúmeras bandas lançaram material com baladas ou conteúdo existencialista ou de autoajuda.

Pegação de pé à parte, o público que se descobriu emo no final da primeira década deste século hoje passa dos trinta, engrossa o mercado de trabalho e consome shows de seus artistas favoritos. Daí a expansão do movimento em exemplos concretos, como o retorno do My Chemical Romance para duas datas no Allianz Parque, forçando a abertura de uma segunda; a existência de um festival de grande porte como I Wanna Be Tour e a passagem da turnê de reunião do NX Zero pelo mesmo estádio mencionado.
Enquanto isso, o Pierce the Veil, em sua sexta visita a São Paulo desde a estreia no Espaço Anchieta em setembro de 2011, saiu do circuito de casas menores. O grupo americano, enfim, chegou a um espaço maior como atração principal, o Espaço Unimed, com capacidade para 8 mil pessoas, após a mais recente passagem por aqui no Lollapalooza, em março de 2024.
Health
Antes, porém, o Health começaria a dar seu recado a dois minutos do horário divulgado de 20h. Com parte da iluminação da casa ainda acesa e anúncios de futuras atrações rolando nos telões laterais, um trecho de “Zankoku na Tenshi no Thesis”, de Yōko Takahashi, foi disparado. Por falta de uma, um pedaço ainda menor de “Pain” — parte da trilha sonora de “Max Payne 3”, filme estrelada por Keanu Reeves em 2012 — foi utilizado como segunda intro até “Identity” efetivamente abrir os trabalhos.
Basicamente, o que se viu ao longo de 32 minutos e nove porretadas foi um espetáculo de luzes super bem encaixadas ao rock industrial proposto por Jake Duzsik (voz/guitarra), John Famiglietti (baixo) e Benjamin Jared “B.J.” Miller (bateria). Por vezes, flerta com o metal em sutis referências a Ministry e Rammstein, como respectivamente em “Crack Metal” e “DSM-V”. Para espremer o máximo de material possível no curto tempo de set, a solução foi reduzir à metade o cover de “Be Quiet and Drive (Far Away)”, do Deftones, e adotar o mesmo expediente para a citada “Identity”, além de emendá-la a “Trash Decade”.

Com os telões laterais desligados e zero decorações de palco (a atração principal posteriormente faria o mesmo), a galera do fundão certamente sofreu para acompanhar o trio. No mais, sem iluminação projetada nos músicos, os disparos eram ocasionalmente frontais, dificultando olhar diretamente para o palco o tempo todo. Outro ponto um tanto exagerado residiu no vocal carregado em Auto-Tune, ironicamente produzindo agradável efeito.

Apesar do combo aparentemente negativo, houve aceitação do público. Em sua maioria, as pessoas estavam concentradas, acompanhando as pancadas atrelando a bateria alucinante ao esforço de John para se dividir entre seu instrumento de ofício e a mesa de som, assim gerando uma espécie de rave, menos sintética e mais orgânica. Depois de estrearem no Sesc Pompeia em outubro de 2011 e retornarem abrindo para The Neighbourhood no Tom Brasil em junho de 2019, havia quem vestisse camisetas do trio — que partiu com o nome gritado e com a certeza de ter ganho novos admiradores.

Repertório — Health:
Intro 1: Zankoku na Tenshi no Thesis [Yōko Takahashi]
Intro 2: Pain
1. Identity
2. Trash Decade
3. Hateful
4. Crack Metal
5. Be Quiet and Drive (Far Away) [Deftones]
6. Ordinary Loss
7. Major Crimes
8. Feel Nothing
9. DSM-V
Pierce the Veil
Pontualmente às 21h, disparou-se a intro “El Rey”, de José Alfredo Jiménez. De cara, causou espanto o elevado número de celulares erguidos na espera para a entrada do Pierce the Veil de Vic Fuentes (voz/guitarra), Tony Perry (guitarra), Jaime Preciado (baixo) e Loniel Robinson (bateria). O mesmo fenômeno só ocorreria pré-“Hold On Till May”, a penúltima.
Algumas diferenças? Já em “Death of an Executioner”, havia iluminação de sobra no o quarteto e dava para sentir o bumbo reverberar no peito, tamanho o volume.
Entre os fãs cantando a plenos pulmões, mulheres formavam imensa maioria. Havia ao menos duas vestidas de freiras e tantas outras com véus (veil) no rosto, sem que ninguém os perfurassem (pierce). Surpreendentemente, apesar do público jovem, não houve adoração histérica. Mesmo com as pistas não exatamente super ocupadas, havia espaço confortável o suficiente para o povo transitar, dançar, pular, abrir rodas e cantar, especialmente “Hell Above”; “Circles”, uma espécie de “Everlong” (Foo Fighters) dos caras; e “King for a Day”.

Para a alegria geral, a opção inicial foi alternar presente, com faixas de “The Jaws of Life” (2023), e passado, ao resgatarem canções de “Collide with the Sky” (2012). Exemplos práticos: ambas do novo álbum, a mencionada “Death of an Executioner” abriu o set e a ótima “Pass the Nirvana” foi a terceira — a julgar pela reação, esta veio para ficar. Enquanto isso, “Bull in the Bronx” (esta já mandando o ar condicionado para o espaço) e “I’m Low on Gas and You Need a Jacket” foram a segunda e a quarta e extraídas do clássico terceiro disco.
Os cinco trabalhos de estúdio foram representados e, curiosamente, a discografia do Pierce the Veil tem um álbum a menos do que a do Health, formado um ano antes, em 2005. Na prática, foram: seis de “Collide with the Sky”; três de “The Jaws of Life”, “A Flair for the Dramatic” (2007) e “Selfish Machines” (2010); e uma de “Misadventures” (2016).

É importante ressaltar uma característica ímpar do show: a sutileza no ato de emendar músicas. Tão bem feitas que facilmente passariam por composições únicas. Foram três oportunidades:
- de “I’m Low on Gas and You Need a Jacket” a “I’d Rather Die Than Be Famous”;
- de “Yeah Boy and Doll Face” para um trecho de “She Makes Dirty Words Sound Pretty” (reconhecida de imediato, com Vic, Tony e Jaime sentados e lanternas majoritariamente verdes ligadas proporcionando lindo espetáculo por parte do público);
- e entre “I Don’t Care If You’re Contagious” e “Wonderless”.
A ligação de “May These Noises Startle You in Your Sleep Tonight” (com direito a megafone com luz frontal) a “Hell Above” não conta. Afinal de contas, elas naturalmente se fundem em estúdio.
No mais, houve pausas (talvez pelo calor?) que, embora não exageradas — mesmo considerando eventuais falas e saídas de palco —, por três ocasiões beiraram um minuto e quarenta segundos, como de “I’d Rather Die Than Be Famous” a “Yeah Boy and Doll Face”, “Emergency Contact” a “Circles” e desta para “Disasterology”. Por vezes, curtas ambientações marcavam o início da composição seguinte.

Especificamente sobre o trio sair do palco, mal se notou o fato de “Disasterology” oficialmente abrir o bis, por muitos interpretado como mais uma rápida ida ao backstage, como já acontecera após “Wonderless” e se repetindo para a saideira, “King for a Day”. Com o silêncio esporádico, abriu-se um vácuo e “Caraphernelia” foi pedida pela galera como em outros seis momentos, fosse de maneira mais efusiva ou discreta, a saber antes de: “Yeah Boy and Doll Face”; “May These Noises Startle You in Your Sleep Tonight”; “Emergency Contact”; “Circles”; “Disasterology”; e “Hold On Till May”. Infelizmente, a iniciativa coletiva foi em vão.
Como se não bastasse o simbolismo democrático em ver Loniel vestindo a camiseta da Seleção Brasileira de Futebol (que fique claro a que serve seu propósito), uma bandeira jogada em “Yeah Boy and Doll Face” para Jaime foi temporariamente pendurada no pedestal de seu microfone. O baixista, aliás, é daqueles que não param quietos e colabora nos vocais de apoio, como em “Pass the Nirvana”, e abre “I’d Rather Die Than Be Famous” cantando, dando um mínimo respiro a Vic.

E se Tony é do tipo discreto e efetivo, o frontman rouba a cena ao esbanjar simpatia e dominar instrumento, palco e plateia. Se, por um lado, não conta piadas ou causos acerca das origens das músicas, por outro, não deixou de se comunicar e dar informações precisas ao citar o nome da turnê ou ao destacar se tratar de o último show deles no ano. Ainda incitou o povo a participar sempre que preciso, dedicou “Emergency Contact” à sua equipe e perguntou quantos presentes tiveram a vida salva através da música com “Hold On Till May” ainda em execução.
A única questão que “pegou” para este repórter foi o fato de a duração total bater uma hora e meia cravada, incluindo intro e “outro”. Ninguém reclamou e sobrou intensidade nas 16 músicas apresentadas, mas não parece pouco para um conjunto cujo membro mais velho, Vic, tem 42 anos? Afinal de contas, os fãs esperaram tanto tempo para tornar a vê-los…
Agora, se este texto e o show em si não te E-M-O-cionaram, é melhor desistir e escutar os mesmos álbuns de sempre, pois não se força a natureza. Fato é que o Pierce The Veil vai acabar regressando ao país e à cidade, certamente deslocando mais e mais fãs para seu desgosto. Paciência.

Pierce the Veil — ao vivo em São Paulo
- Data: 16 de dezembro de 2025
- Local: Espaço Unimed
- Turnê: I Can’t Hear You World Tour
- Produção: Live Nation
Repertório:
1. Death of an Executioner
2. Bull in the Bronx
3. Pass the Nirvana
4. I’m Low on Gas and You Need a Jacket
5. I’d Rather Die Than Be Famous
6. Yeah Boy and Doll Face
7. She Makes Dirty Words Sound Pretty
8. I Don’t Care If You’re Contagious
9. Wonderless
10. May These Noises Startle You in Your Sleep Tonight
11. Hell Above
12. Emergency Contact
13. Circles
Bis:
14. Disasterology
15. Hold On Till May
16. King for a Day
Outro: Amor Prohibido [Selena]
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