Já havia se passado praticamente uma hora, metade do espetáculo, quando Tash Sultana trocou suas primeiras palavras com o público da Audio, em São Paulo, na última quarta-feira (5). “Não consigo ouvi-los”, disse antes da execução de “Notion”, em tom de brincadeira, como se já não tivessem rolado pelo menos quatro momentos de berros ensurdecedores — fora os outros gritos não tão altos a esse ponto e as constantes chuvas de aplausos. “‘Come to Brazil’… esta é a melhor plateia do mundo. Desculpe por ter levado tantos anos para voltar”, completou.
Artista “one-person band” natural da Austrália, Sultana conquistou fama online há quase uma década, após um vídeo com a performance de uma de suas músicas, “Jungle”, ter viralizado online. O trabalho de divulgação nas redes continuou intenso, mas Tash também estendeu seu trabalho aos palcos — a ponto de já ter visitado o Brasil antes, em 2018, como parte do festival Lollapalooza.

O que a plateia testemunhou na última quarta (5), sete anos após a primeira visita de Sultana, é uma versão ainda mais consistente de seu show, de modo que sequer foi necessário gastar conversa com os presentes. Um raro exemplo de musicista que realmente consegue se comunicar por meio de sua obra, Tash arrebatou os quase 3 mil presentes que encheram a casa de eventos na zona oeste da capital paulistana com uma performance digna de quem tem música correndo pelas veias.
Se é fácil de se conectar com o som de Sultana — cujo nome real é, acredite, Taj Hendrix Sultana —, por outro lado, a tarefa de rotulá-lo é hercúlea. Somente no início do set, dedicado ao novo EP “Return to the Roots” (2025) com quatro de suas cinco faixas entrelaçadas por um cover de “I Shot the Sheriff” (Bob Marley & the Wailers), percorre-se reggae, “neo” soul, R&B, psicodelia e rock. Um dos vários momentos de berros ensurdecedores, diga-se, ocorre ao fim da reggaeira “Kiss the Sky”, quando Tash enfim deixa seu palquinho central para fazer um poderoso solo de guitarra.

O citado palquinho central, aliás, reúne visualmente alguns dos diversos instrumentos tocados ao longo da performance. Trompete, saxofone, synth, uma infinidade de pedais — que também se espalham em outros pontos do palco —, bateria, pad de bateria, flauta… fora guitarra, violão (de 6 e 12 cordas) e bandolim, normalmente trazidos e retirados por roadies. E os vocais, claro.

E que vocais. Não dá para saber de onde Tash tira fôlego para cantar tão bem e trabalhar seu alcance de um jeito tão espantoso enquanto passa quase metade do set sozinha no palco, correndo entre instrumentos e pedais de loop e efeito. Mas é fato que em meio a tanta coisa sendo tocada, sua voz é o que realmente se destaca. É um deleite ouvir a interpretação visceral na emotiva “Hazard to Myself”, na etérea “Notion” (estendida por 10 minutos) ou na impactante “Pink Moon”, executada após um raro discurso em que Sultana relata perrengues recentes como o câncer da esposa, a morte de pessoas próximas, falência e perda da própria casa.
Para além das canções acima mencionadas, destacaram-se a jam instrumental baseada em “Nights Over Egypt” (original das Jones Girls), um convidativo R&B conduzido por sax; o country/folk melodicamente aconchegante “Ain’t It Kinda Funny”, que traz participação de City & Colour na versão em estúdio; e a poderosa “Coma”, com direito a solo de bandolim no final.

Uma pena que muitos já deixavam a Audio quando esta faixa, a última do set regulamentar antes do bis com “Blackbird”, foi tocada. O relógio já marcava quase meia-noite e muitos ficariam sem acesso ao metrô. Culpa do atraso de quase 45 minutos para o início do show de Tash, algo cada vez menos aceitável no circuito de performances de alto nível — e preço.
Mas Tash, responsável por um dos melhores shows assistidos por este escriba em 2025, não precisou pedir desculpa. Como reforçado no início deste texto, sequer tinha que dizer qualquer coisa. A música falou mais alto. Tão alto que fica fácil imaginar um retorno mais breve de Sultana para nova apresentação com ainda mais público.

Tash Sultana — ao vivo em São Paulo
- Local: Audio
- Data: 5 de novembro de 2025
- Turnê: Return to the Roots
- Produção: 30e (via Índigo)
Repertório:
Com banda:
1. Unleash the Rage
2. I Shot the Sheriff (cover de Bob Marley & the Wailers)
3. Kiss the Sky
4. Hazard to Myself
5. Greed
6. Nights Over Egypt (cover de The Jones Girls; instrumental)
Set solo:
7. Milk & Honey
8. Mystik
9. Notion
10. Jungle
11. Pink Moon
Com banda:
12. Crop Circles
13. Ain’t it Kinda Funny
14. Coma
Bis:
15. Blackbird
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.
