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Como é um Marillion Weekend? Fomos à edição de Berlim e te contamos

Experiência rica do evento itinerante dedicado à cultuada banda prog inglesa inclui shows especiais e atrativos incríveis para fãs mais dedicados

O culto a bandas de rock muitas vezes se assemelha ao de religiões, com fãs dedicados que mantêm devoção fiel. O Marillion é um exemplo clássico. Surgido nos anos 1980 e estabelecido como referência do rock progressivo britânico, o grupo conquistou público com sua sonoridade sofisticada, letras introspectivas, atmosferas densas e uma combinação curiosa que alia virtuosismo instrumental e melodias acessíveis. Com Fish nos vocais, lançou álbuns marcantes como “Script for a Jester’s Tear” (1983) e “Misplaced Childhood” (1985), impulsionado por sucessos como “Kayleigh” e “Lavender”.

A saída de Fish, em 1988, poderia ter decretado o fim, mas a chegada de Steve Hogarth renovou a banda. Álbuns como “Seasons End” (1989), “Brave” (1994), “Marbles” (2004) e o recente “An Hour Before It’s Dark” (2023) mostram uma constante reinvenção, abordando temas existenciais e sociais com maturidade.

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No processo de manutenção de sua base de fãs, o Marillion tornou-se até mesmo pioneiro no financiamento coletivo, antecipando tendências do mercado independente. Desde 1997, a banda já contava com fãs financiando turnês, e em 2001, a pré-venda de quase 13 mil cópias do álbum “Anoraknophobia” ocorreu antes da gravação, via campanha online. Independente desde então, o grupo fundou seu próprio selo e mantém autonomia total. Durante a pandemia, lançou uma campanha para que fãs arcassem com riscos financeiros caso a turnê fosse interrompida — o que não ocorreu —, reforçando a forte ligação com seu público.

Foto: Diego Garcia

Outra iniciativa que mostra tal ligação está representada no Marillion Weekend. Desde 2002, fãs se reúnem bienalmente em encontros com três noites de shows, cada uma com repertório distinto do grupo, incluindo faixas raras e execução de álbuns completos. A iniciativa, lançada no Reino Unido, expandiu-se para países como Holanda, Canadá, Polônia, França, Itália, Espanha e até América do Sul (Chile, 2017). Mantém-se a proposta de ambiente intimista, produção cuidadosa e proximidade rara entre banda e público, com atividades paralelas que promovem confraternização. O principal encontro ocorre em Port Zelande, Holanda, com gravações disponíveis no site oficial dos artistas e no serviço de streaming oficial, The Space.

Devido à idade e à carreira longa, apenas o Weekend de Port Zeland mantém o formato de três noites; outros, como o recente em Berlim, tiveram duas datas. A formação atual — Steve Hogarth (vocais, teclados), Steve Rothery (guitarra), Mark Kelly (teclados), Pete Trewavas (baixo, backing vocals) e Ian Mosley (bateria) — está junta desde 1989. Embora a fase Fish tenha lugar especial no coração dos fãs, a era Hogarth preserva a qualidade e integridade, garantindo sua relevância e continuidade tanto em estúdio quanto nos palcos.

O site pôde acompanhar a realização do Marillion Weekend no Tempodrom de Berlim, na Alemanha, nos últimos dias 20 e 21 de junho. Confira em detalhes!

Foto: Diego Garcia

Tempodrom

Localizado na Möckernstraße 10, em Kreuzberg, o Tempodrom impressiona já antes da primeira nota. Próximo à estação Anhalter Bahnhof, o prédio inaugurado em 2001 destaca-se pela arquitetura moderna que remete a uma tenda de circo — homenagem à origem do espaço, idealizado em 1980 pela gestora cultural Irene Moessinger como uma lona improvisada na Potsdamer Platz, praça no centro de Berlim.

Com capacidade para até 4,2 mil pessoas, o Tempodrom possui dois auditórios circulares: a arena principal, para cerca de 3,5 mil espectadores; e uma menor, com 400 lugares. Espaço multifuncional, já recebeu shows de rock e pop, espetáculos de patinação no gelo, musicais, circos, conferências e eventos corporativos. Os shows ocorrem na arena maior, que conta com cadeiras na pista, sem áreas para pessoas em pé. Pet Shop Boys, Helge Schneider e o tradicional Holiday on Ice já se apresentaram ali. O acesso é facilitado pelo transporte público, com diversas linhas de metrô e trem nas proximidades, além de estacionamento para quem prefere carro.

Merchandise

Logo na entrada do Marillion Weekend, antes mesmo das portas serem abertas, já se destacava um stand do The Web Germany, filial alemã do fã-clube do grupo, vendendo camisetas temáticas da edição 2025 do evento, além de bolsas, fotos e diversos outros itens. Um quiosque oferecia cervejas para o público que já aguardava no local a primeira noite do evento.

Ao adentrar, o merch oficial apresentava uma variedade de produtos à venda: camisetas, camisas de futebol da banda, Blu-Rays, CDs, bolsas, cachecóis e muito mais. A fila para compra era grande desde o início e se manteve assim durante quase todo o final de semana.

Foto: Diego Garcia

Felizmente, os organizadores foram precavidos e disponibilizaram boa quantidade de todos os itens. Só foi possível notar artigos esgotados no domingo, após o show de abertura.

Sexta-feira, 20 de junho

A ideia de proporcionar uma experiência única a cada dia de Marillion Weekend é levada a sério em todos os aspectos — inclusive nas atrações de abertura, que variam a cada noite. Se a banda principal se propõe a tocar sets distintos, nada mais razoável do que ter diferentes opening acts, tornando o pacote ímpar. Para a sexta-feira, o Lonely Robot foi a escolha responsável por aquecer o público.

Foto: Diego Garcia

Lonely Robot

Projeto solo do multi-instrumentista e produtor inglês John Mitchell, o Lonely Robot foi anunciado no site oficial como atração de abertura da primeira noite. No Tempodrom, porém, uma surpresa: no cartaz, o nome de Mitchell vinha acompanhado do Arena, gerando dúvidas sobre o repertório.

Às 20h, enfim, o esclarecimento. O músico subiu ao palco com o tecladista Rick Armstrong e confirmou um set acústico focado no Lonely Robot.

Mitchell é figura notória no prog contemporâneo, com passagens por It Bites, o já citado Arena, Kino, Frost* e, mais recentemente, pela nova formação do Asia. O irlandês criou em 2014 o projeto, que explora temas como isolamento, alienação e a condição humana, mesclando rock progressivo atmosférico com pop melódico e texturas modernas.

Foto: Diego Garcia

A “Astronaut Trilogy” — formada pelos álbuns “Please Come Home” (2015), “The Big Dream” (2017) e “Under Stars” (2019) — consolidou o projeto, com produção sofisticada e participações especiais, como a de Steve Hogarth (Marillion), o que evidencia a conexão com o evento. Em outra de suas bandas, o Arena, Mitchell toca com Mick Pointer, baterista da primeira formação do Marillion.

Após a trilogia, o projeto abordou temas mais pessoais em “Feelings Are Good” (2020) e “A Model Life” (2022), mantendo as atmosferas envolventes. Musicalmente, o Lonely Robot destaca-se mais pela construção de climas e melodias memoráveis do que por virtuosismo técnico.

O show de 45 minutos e sete músicas priorizou o álbum de estreia, com arranjos suaves que evidenciaram melodias e vocais. O público recebeu a apresentação de forma contemplativa, aplaudindo entre as músicas.

Foto: Diego Garcia

Os destaques foram “In Floral Green”, tocada na versão que Steven Wilson considerou mais adequada — ele regravou a faixa para seu álbum “The Future Bites” (2020) — e “Red Balloon”, cuja história pessoal foi compartilhada por Mitchell ao discutir sua adoção e como lidou com isso. A música-título do projeto encerrou o set de forma participativa, com o público acompanhando nas palmas.

Sem dúvida, um aquecimento delicado e sofisticado para a noite.

Repertório:

  1. Species in Transition
  2. The Boy in the Radio
  3. How Bright Is the Sun?
  4. Why Do We Stay?
  5. In Floral Green
  6. The Red Balloon
  7. Lonely Robot

Marillion 1.0

Na primeira noite do evento, o Marillion ofereceu um set dedicado ao álbum “Marbles”, quase tocado em sua íntegra, comparando-se o repertório com a versão dupla disponibilizada originalmente. Curioso notar que, à época do lançamento, o álbum saiu em versões simples e dupla. A banda executou uma versão intermediária, que não correspondeu totalmente a nenhuma delas.

Às 21h15, a banda iniciou com “The Invisible Man”, longa e excelente faixa de abertura do álbum. Importante destacar como “Marbles” resgatou a veia mais progressiva do Marillion, após os experimentalismos iniciados em “Radiation” (1998). Embora o álbum também apresente momentos avant-garde, o retorno a faixas mais climáticas, introspectivas e com diversas mudanças de andamento — sempre abrindo espaço para solos melódicos na linha característica de Steve Rothery — fez uma diferença significativa. Nesta faixa introdutória, Steve Hogarth alternou guitarra e teclado, demonstrando uma versatilidade que se repetiu ao longo das duas noites.

Foto: Diego Garcia

Na sequência, a vinheta “Marbles I”, a primeira das quatro espalhadas pelo álbum, criou o clima para “Genie”, faixa mais acessível e animada, com levada cadenciada e baixo pulsante de Pete Trewavas. Destaque para Ian Mosley, cuja precisão cirúrgica nos tempos reforçou a coesão da cozinha musical. “The Only Unforgivable Thing” trouxe a introspecção que marca o quinteto, com letra e melodia melancólicas e teclados de Mark Kelly crescendo ao longo da faixa.

“Marbles II”, outra vinheta, introduziu a angustiada e sofisticada “Fantastic Place”, cuja atmosfera inicial e versos carregam a assinatura emocional de Hogarth. Destaca-se ainda a dramática performance do vocalista, especialmente na parte final, quando o público cantou junto.

Chegou então um dos pontos altos da noite — e da carreira do grupo: “Ocean Cloud”, suíte de 18 minutos que, na época, mostrou o Marillion ainda com muita munição prog a oferecer. A performance impecável do quinteto narrou a história inspirada em Don Allum, primeiro homem a atravessar o Atlântico a remo nos dois sentidos. Solos de Rothery, teclados dramáticos de Kelly e o baixo marcante de Trewavas deram vida musical à odisseia solitária e difícil de atravessar o mar.

“Marbles III” abriu espaço para “The Damage”, com baixo em evidência e melodia mais acessível. Ao fim, Hogarth apresentou a banda e comentou sobre o recente problema de saúde de Trewavas, que precisou passar por cirurgia. Para o ano de 2025, Dave Foster foi escalado como substituto eventual, caso Pete não pudesse se apresentar. Foster subiu ao palco e tocou guitarra em “Don’t Hurt Yourself”, que seguiu mantendo o clima mais positivo e animado da apresentação.

Foto: Diego Garcia

Saindo um pouco do álbum “Marbles”, “Cannibal Surf Babe”, de “Afraid of Sunlight” (1997), trouxe bom humor com seu lirismo quase surreal e parte musical que parodia o surf rock, dedicada a Brian Wilson — homenageado na letra desde 1997. De volta ao disco de 2004 e aos temas melancólicos, “You’re Gone”, single de sucesso na parada britânica, ganhou um clima especial com elementos eletrônicos e bela performance de Hogarth nos agudos.

Dedicada a Elvis Presley e Kurt Cobain, “King” fechou a parte regular do set com sua crítica à indústria musical, tema recorrente na trajetória do Marillion. A música começa suave e cresce em intensidade, com destaque para a interpretação de Hogarth e a atmosfera criada pelos teclados de Kelly. O quinteto saiu do palco de forma protocolar.

No primeiro bis, “Sugar Mice” resgatou a era Fish, frequentemente debatida pelos fãs em comparação com a era Hogarth. Resumidamente, o período Fish é marcado pela teatralidade de Derek Dick, enquanto os trabalhos posteriores se caracterizam pela interpretação emotiva do vocalista atual. Ambos têm qualidade para impressionar além do saudosismo. Na faixa mencionada, Hogarth entregou performance sólida, apesar das diferenças vocais. A canção, um dos maiores clássicos dos álbuns iniciais, aborda poeticamente as mazelas do desemprego e as fragilidades diante da adversidade, recebendo ótima resposta do público, que cantou a letra integralmente.

Foto: Diego Garcia

Em “Man of a Thousand Faces”, primeira do segundo encore, a plateia se levantou das cadeiras e se aproximou do palco, atraída pelo refrão convidativo. Ao final, enquanto a banda parecia encerrar, Kelly lembrou discretamente que ainda faltava algo. O grupo saiu e retornou para o encerramento. “Marbles IV”, delicada vinheta, precedeu a épica “Neverland”, peça indispensável numa noite dedicada ao álbum de 2004 e um dos maiores clássicos da era Hogarth, presente quase sempre nos repertórios. Seu piano climático, a performance memorável de Hogarth e o solo brilhante de Rothery formaram um combo emocionante que fechou o set regular de quase duas horas e meia de espetáculo.

Agora, era hora de descansar e se preparar para a segunda noite.

Foto: Diego Garcia

Repertório:

  1. The Invisible Man
  2. Marbles I
  3. Genie
  4. Fantastic Place
  5. The Only Unforgivable Thing
  6. Marbles II
  7. Ocean Cloud
  8. Marbles III
  9. The Damage
  10. Don’t Hurt Yourself (With Dave Foster on guitar)
  11. Cannibal Surf Babe (Dedicated to Brian Wilson)
  12. You’re Gone
  13. King

Bis 1:

  1. Sugar Mice

Bis 2:

  1. Man of a Thousand Faces
  2. Marbles IV
  3. Neverland

Sábado, 21 de junho

Assim como na sexta-feira, uma fila considerável se formou no merchandise oficial assim que os portões foram abertos. A proposta do Marillion Weekend é oferecer um festival da banda, com noites distintas e experiências exclusivas. Para esquentar a segunda noite, a atração escolhida foi o Cutting Crew.

Foto: Diego Garcia

Cutting Crew

Pode ser que você nunca tenha ouvido falar do Cutting Crew, mas muito provavelmente conhece seu grande hit, ainda que pela versão de outro artista. A banda nasceu na Inglaterra em 1985, quando Nick Van Eede (voz) e o guitarrista canadense Kevin Scott MacMichael se uniram para criar um pop rock com melodias marcantes e refrãos poderosos. O grupo logo ganhou projeção mundial com o sucesso “(I Just) Died in Your Arms”, faixa do álbum de estreia “Broadcast” (1986), que também revelou a balada “I’ve Been in Love Before”.

O sucesso meteórico rendeu ao Cutting Crew uma indicação ao Grammy de Artista Revelação em 1988. Porém, os trabalhos seguintes não repetiram o impacto inicial e a banda enfrentou dificuldades para se manter em evidência.

Após um hiato nos anos 1990, marcado por mudanças de formação e a morte de Kevin MacMichael em 2002, Nick Van Eede seguiu à frente do projeto, mantendo viva a essência do Cutting Crew em novas versões e shows ao redor do mundo. Hoje, a banda segue ativa, com Van Eede como único membro original, revisitando clássicos e explorando releituras orquestrais.

Foto: Diego Garcia

A sonoridade do Cutting Crew combina guitarras cristalinas, sintetizadores envolventes e uma base rítmica precisa, criando um pop rock sofisticado com forte apelo radiofônico. As composições equilibram energia e melancolia, com arranjos que valorizam refrãos grandiosos e solos melódicos, enquanto a voz de Van Eede imprime identidade e emoção às faixas.

O grupo dialoga com o melhor do pop rock britânico dos anos 80, trazendo influências que vão do rock progressivo à new wave. A conexão com o Marillion pode ser feita pela antiga banda de Hogarth, The Europeans, que seguia linha próxima à new wave, embora comercialmente o Cutting Crew tenha tido projeção muito mais proeminente.

No palco, a banda apresentou oito músicas em 50 minutos, adotando uma roupagem um pouco mais pesada e agitada. Entre as músicas, destacou-se a nova “When I’m President”, durante a qual Nick teceu duras críticas ao presidente americano Donald Trump, “dedicando” a canção a ele e a qualquer governante autoritário. Outros destaques foram “One for the Mockingbird”, com ritmo acelerado; o hit “I’ve Been in Love Before”, cantado por todos; e a inevitável “(I Just) Died in Your Arms”, que levantou e agitou o público.

Foto: Diego Garcia

Repertório:

  1. Any Colour
  2. One for the Mockingbird
  3. Good as New
  4. I’ve Been in Love Before
  5. Difficult Times
  6. When I’m President
  7. Berlin in Winter
  8. (I Just) Died in Your Arms

Marillion 2.0

Dado que na primeira noite houve uma homenagem ao álbum “Marbles”, como é comum nos Weekends, a segunda noite ficou por conta de um best of. Marcaram presença faixas de várias fases e álbuns do Marillion.

“Slàinte Mhath”, resgate de “Clutching at Straws” (1987), abriu os trabalhos da segunda noite, com boa recepção do público e matando um pouco da saudade da era Fish. Dona de forte melodia pop, “The Uninvited Guest” foi a primeira de uma sequência dedicada ao disco “Seasons End”. “Easter”, considerada o primeiro clássico da era Hogarth, trouxe a declaração da banda sobre os conflitos da Irlanda na década de 1980, começando suave no violão e culminando em um solo magistral de Rothery. Ao final, Hogarth comentou que a noite anterior fora dedicada a “Marbles” e que o set daquela noite seria mais amplo, talvez com exceção do último álbum, que haviam excursionado recentemente o tocando na íntegra.

“Beautiful” manteve a faceta mais pop em evidência; no Brasil, chegou a ser trabalhada como single e tema de novela, o que ampliou sua repercussão no país. Trata-se de uma bela balada, com refrão forte e melódico, que encontrou ótima recepção na plateia alemã. De volta aos primórdios, “Script for a Jester’s Tear” trouxe tudo que define o Marillion: melódico, intenso, melancólico, poético e dramático. Com excelente performance de Hogarth e Kelly, a música ganhou roupagem à altura de sua importância como um dos maiores clássicos do neo prog.

Foto: Diego Garcia

Na sequência, “Seasons End” apresentou a crítica da banda às mudanças climáticas, feita há 36 anos. Hogarth destacou a relevância ainda maior do tema nos debates atuais. Musicalmente, é uma peça longa do primeiro registro dessa formação, com marca registrada que permanece até hoje: início climático, letra profunda e belo solo melódico de Rothery. Mais uma vez, Hogarth tocou mais de um instrumento, incluindo um minimoog, além do teclado na parte final.

A seguir, uma surpresa ao longo dos Marillion Weekends de 2025: “Map of the world”, faixa de “Anoraknophobia”. Voltando ao tema das conexões, Hogarth comentou que essa foi uma das canções da banda que levou mais tempo para ser finalizada, pois o produtor à época ainda não a considerava pronta para ser lançada. Quem surgiu para ajudá-lo? Nick, do Cutting Crew. Logo, nada mais justo convidar o artista, que subiu ao palco enrolado em uma bandeira da Ucrânia, para uma participação.

Foto: Diego Garcia

Umas das grandes expectativas para o ano de 2025 no universo do Marillion era como o álbum “Misplaced Childhood”, talvez o mais bem-sucedido do conjunto, seria homenageado em seu 40º aniversário. Nunca houve problema com o passado, mas os quatro primeiros lançamentos nunca foram executados na íntegra com Hogarth nos vocais (ao que me consta, o cantor nunca nem mesmo tocou qualquer faixa de “Fugazi”, 1984, segundo disco dos ingleses) em situações do tipo, assim como acontecem com os álbuns da fase do atual integrante.

Apesar disso, o trabalho de 1985 foi devidamente homenageado com uma sequência para lá de sensacional: “Kayleigh”, “Lavender”, “Bitter Suite – iii. Blue Angel” e “Heart of Lothian”. A recepção da plateia alemã foi digna de nota, mas interessante notar que a segunda das quatro canções foi a mais comemorada. Uma performance indefectível para uma das melhores sequências do prog dos anos oitenta.

Foto: Diego Garcia

Seguindo, “The Space” trouxe outra bela peça progressiva do Marillion na era Hogarth, com a cozinha formada por Trewavas e Mosley criando a camada perfeita para os climas de Kelly e o solo de Rothery. Em seguida, “Afraid of Sunlight”, canção mais melancólica, destacou Kelly e Rothery, que roubaram a cena.

Então veio uma sequência de álbum de tirar o fôlego: “Wave”, “Mad” e “The Great Escape”, representando “Brave”. Toda a dramaticidade e melancolia foram trazidas à vida pela banda com perfeição climática e instrumental, fechando o set regular de forma espetacular.

Para o primeiro bis, a suíte “The New Kings” trouxe uma crítica contundente ao capitalismo desenfreado, à desigualdade econômica e à influência desmedida do dinheiro na política e na sociedade contemporânea. O nome do disco, “FEAR” (2016), é um acrônimo para “F#ck Everyone And Run”. Com cerca de 16 minutos, a peça é densa e climática, e sua explosiva parte final, com um questionamento implacável, reflete bem essa intensidade, com bateria e baixo roubando a cena. Como na noite anterior, a plateia se aglomerava próxima ao palco, mas desta vez foi instalado um direcionador de fluxo para manter espaço entre público e banda.

Foto: Diego Garcia

No segundo bis, a promessa inicial foi quebrada com “The Crow and the Nightingale” e “Care (IV): Angels on Earth”, ambas do disco mais recente. Foram os maiores destaques do set, com variações e intensidade marcantes. Antes de deixar o palco, os integrantes anunciaram que voltarão ao estúdio em agosto para concluir o próximo álbum, previsto para 2026. Para encerrar, mais uma de “FEAR”: “The Leavers: V. One Tonight”. Hogarth ressaltou que a letra representava bem aquele final de semana e não apenas aquela noite:

“In one sacred ritual, unmasked and undressed; we all come together, we’re all one tonight” (“Em um ritual sagrado, desmascarados e despidos; todos nos reunimos, somos todos um esta noite”).

Sim, a banda nos deixa (“the leavers”), mas fãs, crew, banda, público e demais músicos estavam juntos e foram um só ao longo de duas noites de muita música progressiva. Depois de mais uma noite de quase 2h30min de Marillion, terminava o Weekend de Berlim.

Foto: Diego Garcia

Repertório:

  1. Slàinte Mhath
  2. The Uninvited Guest
  3. Easter
  4. Beautiful
  5. Script for a Jester’s Tear
  6. Seasons End
  7. Map of the World (with Nick Van Eede) (Tour debut)
  8. Kayleigh
  9. Lavender
  10. Bitter Suite (iii Blue Angel)
  11. Heart of Lothian
  12. The Space…
  13. Afraid of Sunlight
  14. Wave
  15. Mad
  16. The Great Escape
  17. The New Kings: I. Fuck Everyone and Run
  18. The New Kings: II. Russia’s Locked Doors
  19. The New Kings: III. A Scary Sky
  20. The New Kings: IV. Why Is Nothing Ever True?
  • The Crow and the Nightingale
  • Care (IV) Angels on Earth
  • The Leavers: V. One Tonight

Resumo da ópera (ou do weekend)

Com uma identidade bem característica, o Marillion construiu uma carreira pautada por escolhas próprias, sem se render a tendências, apesar de manter sempre um pé fincado no pop. Ao ouvir qualquer disco da banda, percebe-se algo progressivo, algo mais pop, algo experimental, mas sempre com integridade.

Embora não tenham tido outro mega hit além de “Kayleigh”, souberam levar sua arte para onde quiseram. Acabaram recompensados por uma base fiel de fãs.

Para quem é fã, a experiência dos Weekends é muito rica: merch oficial, clima amistoso entre todos, boa música e organização impecável. Nos dois dias, somaram-se quase cinco horas de Marillion, fora as bandas de abertura, cuidadosamente selecionadas. Se seu barco navega bem no universo progressivo dos anos 1980, talvez Port Zelande seja um destino ideal.

Foto: Diego Garcia

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Engenheiro, com mestrado em mobilidade urbana e especializações em finanças e design de serviços, equilibra seus afazeres profissionais com uma paixão profunda por rock, hard rock e heavy metal, em suas mais variadas vertentes. Começou a colecionar CDs, DVDs e Blurays aos 8 anos de idade e não parou mais, mesmo com a chegada do streaming. Não mede esforços para ir a shows e a festivais.

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