Após a cobertura realizada em Belo Horizonte, rumamos ao Rio de Janeiro para a segunda de cinco datas do Dream Theater com sua “40th Anniversary Tour 2024-2025” pelo Brasil. Será que a banda seguiria à risca o mesmo setlist — como tem sido feito — ou haveria alguma mudança?
Nem mesmo o horário foi diferente. Precisamente a partir das 20h30, o quinteto disparou o tema de abertura de “Psycho” (1960) como intro e a galera explodiu de felicidade ao som de “Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper”.
Conforme o repertório ia se repetindo, não havia razão para re-resenharmos tudo, ainda que fosse em outro local, com fãs diferentes e em número superior ao encontrado na capital mineira. Portanto, fez bem mais sentido desta vez observar individualmente os músicos.
Os craques
Comecemos por aquele que raramente clama pelos holofotes. John Myung é a mais completa tradução de quem discretamente se dedica ao coletivo. Longe de ser um mero coadjuvante ou um “carregador de piano”, mas reflita: você alguma vez já escutou a voz do super competente baixista? Quem fala por ele sempre foi seu instrumento. Há exemplos no repertório, como: “Constant Motion”; “Vacant” por inteiro; dois momentos de “Stream of Consciouness” – o que se ouve em estúdio é entregue ao vivo; “Octavarium”, precisamente após o verso “I wanted to become, to be someone just like him”; e “Metropolis”.
Ao comentar sobre esta última, em rara entrevista à Bass Guitar Magazine (106, julho de 2014), ele pontuou:
“A energia da música levou a um momento em que todos olhavam para mim e diziam que era hora de um solo de baixo. Eu tinha que fazer algo, só comecei com um tapping e foi realmente um padrão limpo no qual minhas mãos caíram. Não sou, de fato, um solista. Não necessariamente gosto de tocar sozinho, mas, no contexto da música com a banda, é o contexto perfeito das pessoas te ‘empurrando’ mais do que você normalmente faria. É isso que amo sobre estar numa banda: nós todos nos apoiamos e nos levamos adiante.”
Está aí uma das razões de você nunca ter ouvido sua voz: se o cara sequer curte tocar sozinho, vai gostar de dar entrevistas e falar?
Inevitavelmente, a maior curiosidade geral residia no retorno de Mike Portnoy e, afinal de contas, como ele está? Para quem suspeitava que ele estaria abatido devido à perda de seu yorkie, Mickey, quem não sabia do fato pode nem ter desconfiado. Musicalmente, sequer parecia que ele deixara a banda em 2010, tão confortável que estava ao reexecutar suas linhas tão criativas. Das gravações originais de seu xará Mike Mangini, só duas compuseram o repertório: “Barstool Warrior” e “This is the Life”, e não seria em duas faixas mais lentas que ele teria problemas.
Até para suportar tocar nas longas noites, às vezes seguidas, ele está fazendo menos firulas, como ficar batendo na cabeça ou até mesmo se distrair cuspindo, hábito que até piada virou ao salvar o quinteto de um dos monstros na animação de “Dark Eternal Night”. Ele ainda detonou em: “Panic Attack”, descendo o braço numa espécie de pérola escondida e subestimada; “Constant Motion”, com a galera cantando junto o refrão; e a nova “Night Terror” – que pedrada ao vivo
Jordan Rudess era o tecladista que a banda sempre quis, a ponto de ter sido sondado para entrar na banda após a saída de Kevin Moore e tê-lo substituído durante show de 1994 em Burbank, na Califórnia. À época, tendo recentemente se tornado pai, ele optou por seguir no Dixie Dregs, na companhia de Steve Morse. Posteriormente viria o convite para participar do projeto paralelo Liquid Tension Experiment e o resto é história sendo escrita há 25 anos no Dream Theater.
Ele transmite segurança do começo ao fim, principalmente em: “The Mirror”; “Hollow Years”, de onde tirou um solo da cartola em seu final; e “Octavarium”, com início de cair o queixo ao vivo. Ao refletir em 2019 sobre seu primeiro álbum com o grupo, “Metropolis Pt. 2: Scenes from a Memory” (1999), o tecladista ponderou em entrevista à Prog: “Pensando sobre isso agora, este é quase meu papel no Dream Theater: manter as coisas balanceadas”. De fato, ele cumpre a função à risca. No mesmo texto, o guitarrista John Petrucci analisava:
“Desde o momento da chegada de Jordan, com todo seu conhecimento, habilidade, musicalidade e entusiasmo, houve uma química de composição instantânea que nos permitiu levar as coisas a outro patamar nunca antes atingido. A qualidade de nossa música cresceu exponencialmente. A chegada de Jordan nos permitiu fazer o tipo de disco que anteriormente teria sido impossível.”
E o que dizer sobre o próprio Petrucci? Para começar, assim que o acesso foi liberado, é do seu lado na pista premium que as pessoas se amontoam e isso já diz muito.
Para além de “Hollow Years”, já destacada no texto de Belo Horizonte, daria para destacar seus solos de “The Mirror”, retrato da eficiência em seus riffs simples e absurdamente funcionais; “Barstool Warrior”, com capricho melódico que se sobressai; e “Stream of Consciousness”, onde simplesmente debulha.
O trabalho de James LaBrie, talvez o único visto com desconfiança por parte do público, já foi exaltado no texto de Belo Horizonte. No Brasil, o cantor tem demonstrado boa performance e elogios em especial de quem o viu em outras ocasiões recentes.
Se em Belo Horizonte apontamos redução de oitava em certos momentos de “Under a Glass Moon” — e detonando em “Octavarium” e “The Spirit Carries On” —, pudemos reparar novas mudanças para tons mais graves em trechos de “Metropolis”, “The Mirror” e “As I Am”. É isso e entregar alto nível mantendo toda a agenda ou arriscar colocar tudo a perder com danos na voz e comprometer datas.
“Ô, ô-ô-ô-ô! O Portnoy voltou!”
De volta ao coletivo, “Octavarium” foi de um refinamento ímpar e só quem tem nos bolsos ases do porte de “Home” (sempre uma força da natureza), “The Spirit Carries On” (de arrancar lágrimas até dos mais carrancudos); e a eterna “Pull Me Under” pode pinçar justamente as três para o bis.
Dito tudo isto, sabe qual foi a melhor parte? O público carioca, que estava a fim de fazer parte do espetáculo. Foi o caso ao cantarem e berrarem até em faixas como “This is the Life” e “Vacant” e fazerem coros até na instrumental “Stream of Consciouness”.
O ápice foi ouvir: “Ô, ô-ô-ô-ô! O Portnoy voltou! O Portnoy voltou! Ôôô!”, como em jogos nos grandes estádios, entre “Strange Déjà Vu” e “The Mirror”. Se dizem que a plateia local não gosta de rock e metal e prefere praia — deixando para comprar ingresso em cima da hora, por vezes inviabilizando a produção de eventos —, então quem eram aquelas pessoas no Vivo Rio? Não pode ter sido uma horda de turistas lotando a casa.
Os presentes também:
- gritaram feito comemoração de gol de seu time ao identificar “Overture 1928”;
- acenderam as lanternas dos celulares a pedido de LaBrie em “The Spirit Carries On”, fazendo parecer um show aberto durante o dia tamanha a claridade somada;
- vociferaram as letras da ótima “Home” e da saideira “Pull Me Under”;
- concederam apoio não tão óbvio dado em faixas como “Constant Motion” e “As I Am”;
- fizeram suas vozes se sobreporem à de LaBrie no verso “Carry me to the shoreline” em “Hollow Years”.
O “pacote bruto” foi de três horas e quinze minutos, incluindo introduções, outros e o intervalo. Sem eles, tudo cai para “apenas” duas horas e cinquenta minutos efetivamente tocados. Desgastante? Aí há de se analisar individualmente. Quanto ao “tempo de palco” de cada um:
- LaBrie fica de fora em “Overture 1928” e “Stream of Consciousness” inteiras, fora ocasionais partes instrumentais em que vai e volta;
- Os quatro primeiros minutos de “Octavarium” são só de Jordan;
- Portnoy não participa de “Vacant” – a rigor ele deixa o kit ainda no dedilhado final de Petrucci em “This is the Life”;
- Na prática, os que “sofrem” por mais tempo no palco são Myung e Rudess.
Restando três datas em solo nacional, vai ser complicado para os fãs de São Paulo (domingo, 15/12), Curitiba (segunda-feira, 16/12) e Porto Alegre (terça. 17/12), suplantarem o apoio dado no Rio de Janeiro. E se não dá para esperar inovações em termos de setlist, há de se destacar a justiça na iniciativa. Todos terão a oportunidade de ver o show como ele tem sido.
Dream Theater — ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Vivo Rio
- Data: 13 de dezembro de 2024
- Turnê: 40th Anniversary Tour 2024-2025
- Produção: Liberation MC
Repertório:
Parte 1 – 1h15min (20h30 – 21h45)
Intro: Prelude [Bernard Herrmann]
1. Metropolis Pt. 1: The Miracle and the Sleeper
2. Act I: Scene Two: I. Overture 1928
3. Act I: Scene Two: II. Strange Déjà Vu
4. The Mirror
5. Panic Attack
6. Barstool Warrior *
7. Hollow Years *
8. Constant Motion
9. As I Am *
Intervalo – 15min (21h45 – 22h)
Parte 2 – 1h45 (22h – 23h45)
Intro: Orchestral Overture
10. Night Terror
11. Under a Glass Moon
12. This is the Life *
13. Vacant
14. Stream of Consciousness *
15. Octavarium
Bis
Intro: Cena de “O Mágico de Oz”
16. Act II: Scene Six: Home
17. Act II: Scene Eight: The Spirit Carries On *
18. Pull Me Under
Outro 1: Singin’ In The Rain [Gene Kelly]
Outro 2: Dance of the Dream Man [Angelo Badalamenti]
* = músicas com Mike Portnoy do lado direito de seu kit
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Amanha estarei em SP. Ansioso!
Foi simplesmente sensacional! Estou sem voz até agora. Rs.
Dia único!!! Que show impecável e memorável! Platéia entrou num estado de nirvana junto com a banda. Absurdo o que entregaram e a sinergia entre o palco e quem estava assistindo e cantando junto.