Kiko Loureiro vai da precisão instrumental à vibe “festa da firma” em SP

Público no Tokio Marine Hall viu guitarrista fritar, cantar, trazer fã para o palco e reunir convidados contemplando de Bumblefoot até Lobão

Quando Kiko Loureiro anunciou, em novembro de 2023, sua saída definitiva do Megadeth para estar mais próximo da família — em um comunicado tão receoso a ponto de usar a expressão “estender ausência” em vez de dizer que estava fora —, ninguém imaginava um retorno tão breve aos palcos. No mês seguinte, o guitarrista realizou dois shows intimistas e totalmente instrumentais no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo.

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As datas, obviamente, já estavam marcadas há um bom tempo, mas sinalizavam que o brasileiro radicado na Finlândia não iria se afastar por completo da estrada. De fato: em fevereiro deste ano, o ex-Angra e ex-Megadeth confirmou uma turnê solo pelo Brasil.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Seriam, de início, seis datas entre o fim de julho e início de agosto. O itinerário dobrou: ganhou mais três shows nacionais durante a excursão em si, um compromisso no Chile e mais dois concertos fora da tour, no Rio de Janeiro (21/06) e Presidente Prudente (13/07). E tudo rolou em grandes casas e com direito a reencontrar ex-colegas de Angra no palco: das participações de Rafael Bittencourt (guitarra, no Rio) e Luís Mariutti (baixo, em São Paulo) às presenças de Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) na banda de apoio em boa parte dos concertos.

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Embora deixe a impressão de que seu show poderia ser mais dinâmico, não há como negar que esta tour coleciona feitos impressionantes para a música instrumental, tão nichada e nem sempre bem recebida. Precisou que Loureiro, há muito tempo um dos melhores guitarristas do planeta, se envolvesse por quase uma década com uma atração do porte do Megadeth para receber o reconhecimento que lhe permitisse concretizar isso. Mas, ainda bem, aconteceu — e o público paulistano viu isso de perto em show no último sábado (10), no Tokio Marine Hall.

Abertura(s)

Para esquentar os motores, foram escaladas duas atrações também pertencentes ao Angraverso. Não foi possível para este repórter conferir a primeira delas, Luiz Toffoli, guitarrista cujo primeiro álbum, “Enigma Garden” (2023), traz participações de Felipe Andreoli, Thiago Bianchi (Noturnall, ex-Shaman), Pedro Tinello (ex-Almah, também presente em sua banda ao vivo), entre outros. Semanas atrás, porém, o músico curitibano abriu show do Symphony X em São Paulo — então, clique aqui para ler resenha e saber um pouco mais a respeito dele e de seu grupo, que vêm tocando em diversos eventos da produtora Top Link Music, também responsável pela tour de Kiko.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

O segundo show introdutório, agora sim acompanhado por este que vos escreve, foi feito por Gustavo di Pádua, guitarrista do estado do Rio de Janeiro que fez parte do Almah, integrou bandas como Aquaria e Glory Opera e trabalhou com nomes que vão de Erasmo Carlos a Sidney Magal e Kelly Key. O currículo é dos bons, assim como sua competência no instrumento. Marcus Filipe Andrade (guitarra), Thiago Fernandes (baixo) e Gabriel Triani (bateria, ex-Wizards) lhe acompanham nesta nova empreitada solo, que rendeu o álbum “Elephant”, a ser lançado em breve.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages
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Totalmente instrumental, a apresentação de pouco mais de 30 minutos trouxe músicas próprias aliadas a versões “shred” para “Paranoid” (Black Sabbath) e “Wasted Years” (Iron Maiden), disponíveis no projeto “Rock in Quinta”. Das autorais executadas, destacam-se “Welcome to the Next Stage” e a faixa-título do vindouro disco, “Elephant”. Desfile técnico — especialmente de guitarra — à parte, ambas se diferenciam por um groove raro nesse tipo de som, compensando uma ligeira falta de diferencial e de dinâmica nas composições. Serviu para entreter quem aguardava pela atração principal e despertar alguma curiosidade pelo álbum que vem por aí.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Repertório — Gustavo Di Pádua:

  1. Intro
  2. Second Floor
  3. Insight
  4. The Stairs
  5. Spiritual Lesson
  6. Paranoid (Black Sabbath)
  7. Wasted Years (Iron Maiden)
  8. Welcome to the Next Stage
  9. Elephant
  10. 2008
Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Começo “sério”

Pouco após o horário marcado das 22h, Kiko Loureiro subiu ao palco do Tokio Marine Hall acompanhado dos jovens Luiz Rodrigues (guitarra), Thiago Baumgarten (baixo, Auro Control) e Luigi Paraventi (bateria, Command6, Carol Biazin). Os dois últimos tiveram suas vagas ocupadas por Felipe Andreoli e Bruno Valverde em boa parte da tour, mas em São Paulo assumiram os postos.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Falta “grife”, mas sobra competência aos músicos de apoio. Luiz, que ganhou notoriedade online anos atrás com vídeos onde toca músicas do Angra, não se limita a bases: em diversas ocasiões, faz solos junto do patrão, sempre em alto nível de complexidade. Thiago, como se previa, teve poucos momentos de protagonismo, mas ofereceu tudo que se esperava também em tarefa nada fácil. E não dá para evitar a comparação entre Luigi e Eloy Casagrande, ainda que não bata forte como o agora integrante do Slipknot. O garoto vai do power metal aos ritmos brasileiros com naturalidade.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Mas, claro, a estrela da noite era Kiko, que faz por merecer tamanha atenção. Frequentemente aclamado com gritos de “Tesouro” — “só no Brasil sou chamado assim”, brinca —, o guitarrista realizou, na primeira metade do set, seu show instrumental convencional. A intrincada abertura “Overflow” bateu recorde de celulares para o alto, enquanto “Pau-de-Arara”, dona de trabalho rítmico impecável, serviu de resumo para o estilo de Loureiro: metal virtuose com influência de música brasileira.

Arrancando reações mais contemplativas do que enérgicas, a trinca “Reflective”, “No Gravity” e “Vital Signs”, fortemente melódicas cada uma a seu modo, antecederam um medley com trechos de faixas do Angra que o instrumentista admitiu ter precisado treinar bastante ao relembrá-las: “Carry On”, “Spread Your Fire”, “Nova Era”, “Morning Star”, “Evil Warning” e “Speed”. Democraticamente, três da fase Andre Matos, três da era Edu Falaschi. O público, enfim, dá uma resposta mais entusiasmada.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Desta etapa do set, talvez a melhor música tenha sido “Du Monde”, que veio a seguir com alternâncias arrojadas e dramaticidade rara no segmento de guitarra rock instrumental. Trata-se de uma das quatro faixas tocadas de “Open Source” (2020), álbum solo mais recente de Kiko — cuja audição é recomendada até para quem não é chegado em som desse tipo.

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Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Festa da firma

A partir da oitava música do repertório, o show ganhou uma veia mais descontraída. A começar pela participação quase aleatória de Lobão. O discurso de Kiko Loureiro ao apresentá-lo teve tom correto: o guitarrista comentou que músicos brasileiros muitas vezes citam referências do exterior sem perceber como são influenciados por artistas que “estão do lado”. Ainda assim, a presença do baluarte do BRock no palco do virtuoso passou a impressão de ter ocorrido bem mais por ambos terem o mesmo empresário: Paulo Baron.

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A escolha da canção também não foi das melhores. “Mais Uma Vez” ganhou uma versão pouco inspirada, além de ter sofrido com o baixo volume da voz de Lobão.

Duas esperadas referências ao Megadeth surgiram logo após: a pesada instrumental “Conquer or Die!” e “Killing Time”, onde Kiko assume os vocais e que vale pelo momento inusitado, pois mostra que o carioca criado em São Paulo é um grande… guitarrista. Depois de “Dreamlike”, também de boa força melódica, Loureiro resolveu chamar um fã para tocar no palco.

Foto: Leandro Bernardes @leandrolb / PxImages

Aí a coisa fica divertida. Felipe começou a dar show antes mesmo de empunhar a guitarra: ajeitou o cabelo ainda na plateia, teve trabalho para pular a grade, surgiu de máscara cirúrgica — “pode tirar, aqui você está seguro, fiz teste… há alguns anos”, brincou a estrela da noite — e cumprimentou cada pessoa que estava ali, até mesmo da equipe técnica nas coxias. Com o instrumento em mãos, improvisou em cima de uma base em Em (mi menor) e mandou bem o suficiente para divertir a plateia e dela obter reações empolgadas.

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Presenteado com um desenho que o traz com uma guitarra em formato de bola quadrada (!), Kiko seguiu para a próxima participação: Alirio Netto, esta já bem planejada, pois ocorreu nas outras datas da turnê. O vocalista da última encarnação do Shaman interpretou “Rebirth”, do Angra, de forma arrebatadora e, enfim, levantou o público em definitivo. Fez valer a introdução narrada por Loureiro: o protagonista da noite hesitou em oferecer ao cantor um “elogio grandioso” pois não queria “difamar outras pessoas”, mas acabou dizendo algo como: “é que é bom ouvir uma voz tão boa no meu retorno, faz tempo…” Fica a critério do leitor compreender a referência. Ou talvez nem tenha referência mesmo.

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A instrumental “Dilemma”, talvez a mais power metal do repertório solo do guitarrista, serviu de introdução a outra participação, esta com forte caráter histórico envolvido: Luis Mariutti, parceiro da estrela da noite nos anos iniciais de Angra. Após 25 anos sem tocarem juntos, se uniram para uma performance de “Nothing to Say”, novamente com Alirio nos vocais. Seja pela execução impecável dos envolvidos ou pela carga emocional que marcou a ocasião, este foi o melhor momento da noite.

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Hora de mais uma faixa da carreira solo de Loureiro: “Enfermo”, talvez a mais virtuose entre todas daquela noite. Daí já se imagina o nível de complexidade. Para fechar a noite, convidado internacional: Ron “Bumblefoot” Thal, guitarrista ex-Guns N’ Roses e ex-Sons of Apollo, apareceu com seu visual Gandalf — citado pela plateia e pelo próprio Kiko — para tocar versões estendidas e virtuosas da instrumental “Escaping” e da clássica “Stormbringer”, do Deep Purple. Nesta, Loureiro assume vocais — e soa bem melhor do que em “Killing Time” —, Alirio sobe ao palco para oferecer apenas backing vocals e no meio da performance, surgem tanto Luís Mariutti quanto Lobão, que, agora sim, mandou bem em um solo.

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Não dá para negar que a etapa “festa da firma” do show divertiu e, como um todo, o público testemunhou quase duas horas de uma performance tecnicamente exuberante. Se vale o ingresso (entre R$ 100 e R$ 230), aí é outra história. Ainda que a proposta do evento seja “Kiko Loureiro solo”, fica a sensação — já destacada no texto sobre a apresentação em Ribeirão Preto — de que Alirio Netto poderia ter cantado mais músicas e sido melhor aproveitado ao longo de toda a turnê.

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Por outro lado, se Kiko quisesse montar uma banda para rivalizar com o Angra, seria mais fácil pleitear logo seu retorno. Não parece ser o caso, e o guitarrista — que está em vias de anunciar um novo álbum solo — tem méritos por seguir um caminho artisticamente mais complicado. O circuito Angraverso de eventos ganha um rebelde.

*Mais fotos do show de Kiko Loureiro ao fim da página.

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Kiko Loureiro — ao vivo em São Paulo

  • Local: Tokio Marine Hall
  • Data: 10 de agosto de 2024
  • Produção: Top Link Music

Repertório:

  1. Overflow
  2. Pau-de-Arara
  3. Reflective
  4. No Gravity
  5. Vital Signs
  6. Angra medley: Carry On / Spread Your Fire / Nova Era / Morning Star / Evil Warning / Speed
  7. Du Monde
  8. Mais uma vez (com Lobão)
  9. Conquer or Die! (Megadeth)
  10. Killing Time (Megadeth, Kiko no vocal)
  11. Dreamlike
  12. Jam com o fã Felipe
  13. Rebirth (Angra, com Alirio Netto)
  14. Dilemma
  15. Nothing to Say (Angra, com Luís Mariutti e Alirio Netto)
  16. Enfermo
  17. Escaping (com Ron “Bumblefoot” Thal)
  18. Stormbringer (Deep Purple, com Kiko no vocal e todos os convidados)
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

1 COMENTÁRIO

  1. Só faltou falar que o.timbre de guitarra do Loureiro tava patético né?
    E a comédia que foi ver o Lobao na Jam na hora dos solos tipo jogar uma galinha entre jacarés até que saiu melhor que o imaginado e sim ele poderia ter tocado Vida Louca Vida né? Seria mais interessante essa panelinha Baronesca!

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