Após desentendimentos sobre a mixagem do ao vivo “Live Evil” (1982), o vocalista Ronnie James Dio e o baterista Vinny Appice saíram do Black Sabbath para formar seu próprio grupo. Simplesmente batizada de Dio, a nova banda logo foi completada com a adição do ex-baixista do Rainbow, Jimmy Bain, e do guitarrista Vivian Campbell.
O Dio começou com força total: seu álbum de estreia, “Holy Diver” (1983), emplacou dois sucessos entre as mais tocadas nos Estados Unidos — a faixa-título e “Rainbow in the Dark” —, impressionou a crítica e alcançou altas posições nas paradas britânica e norte-americana.
Os quatro estavam com o moral em alta e a criatividade a todo vapor quando se mudaram de Los Angeles para o Colorado e, com a adição do tecladista Claude Schnell, deram início às gravações de seu segundo álbum.
Esta é a história de “The Last in Line”.
Desafios e triunfos pós-“Holy Diver”
O sucesso de “Holy Diver” foi particularmente gratificante para Ronnie. Após fazer história com o Rainbow e depois revitalizar o Sabbath, o cantor estava finalmente consolidando sua posição como um dos maiores frontmen do heavy metal. Também levou a Warner Bros. a ter um maior interesse na banda.
Sentindo que trazer um produtor estabelecido para o segundo álbum ajudaria, a gravadora sugeriu fortemente a Ronnie trabalhar com Ted Templeman, conhecido por produzir, entre outros, o Van Halen. Na autobiografia “Rainbow in the Dark” (Estética Torta, 2021), Ronnie escreveu:
“Entendi que eles pensaram que estavam me dando muita moral ao sugerir Templeman. Mas eu era totalmente contra a ideia. Não era nada pessoal (…) Eu estava convencido de que ninguém era melhor situado do que eu para obter o melhor som para o Dio. Afinal de contas, ‘Holy Diver’ tinha ficado muito bom.”
A discussão sobre ter um produtor foi vencida, mas Ronnie contemplou uma mudança, porém. Na turnê de “Holy Diver”, a formação ao vivo da banda havia sido reforçada com Claude Schnell nos teclados. Ronnie sentiu que ele era perfeito para o conceito que tinha em mente e pediu a Schnell que se tornasse um membro em tempo integral.
“Como eu, Claude teve formação clássica e passou seus primeiros anos no mundo enclausurado entre aulas e recitais. Entendia música da mesma forma que eu (…) Também era um cara muito fácil de lidar e se encaixava perfeitamente.”
Esta era a primeira vez em que o tecladista fazia parte de uma banda totalmente profissional, com turnês propriamente ditas e um contrato de gravação. Em uma entrevista publicada em seu site, ele relembra que o maior deslumbramento, porém, foi quando começaram a tocar juntos:
“Minha impressão ao entrar para o Dio foi que era a banda mais potente e incrível da qual eu poderia esperar fazer parte (…) A primeira coisa que me vem à mente foi a primeira vez em que me vi no estúdio com Vinny Appice tocando bateria, como se fosse destruí-la. Nenhuma palavra poderia descrever com precisão a erupção vulcânica na sala quando ele começou a tocar. Obviamente, sua reputação o precedia, mas nada poderia ter me preparado para o impacto visceral de tocar na mesma banda que ele.”
O refúgio musical nas Montanhas Rochosas
Com mais de 1,6 mil hectares de a 4 mil metros de altitude nas Montanhas Rochosas, o Caribou Ranch foi o estúdio de gravação de alguns dos nomes mais proeminentes da música das décadas de 1970 e 1980. Mais de 150 artistas gravaram lá, incluindo Chicago, que gravou cinco álbuns consecutivos entre 1973 e 1977, e Elton John, que nomeou seu clássico álbum de 1974 “Caribou” em homenagem ao local.
Nas notas do encarte da compilação “Stand Up and Shout: The Anthology” (2003), Ronnie recordou:
“Era um lugar muito idílico. A neve, as árvores e os alces correndo ao redor. Levamos um mês [dos três passados no estúdio] só para descobrir como respirar, porque estávamos muito no alto!”
Uma tarde, a banda estava jogando sinuca e o cantor exclamou: “We rock!” (“Nós arrasamos!”). Essas duas palavras inspirariam um hino. No que seria o segundo dos três singles do vindouro álbum, “We Rock”, Dio canta em homenagem aos fãs que vão aos seus shows e se divertem muito.
Embora a composição das músicas do álbum tenha sido fácil e rápida — como “We Rock” evidencia —, quando se tratou de gravar, pelo que Vivian contou ao autor Martin Popoff em 2004, “foi muito, muito difícil”.
“Ronnie foi o produtor do álbum e eu não o considero um grande produtor, embora admire muito seu talento musical e seus instintos musicais. Para mim, uma grande parte de ser um produtor é trazer à tona o melhor nas pessoas com quem você está trabalhando, e eu não acho que essa seja uma habilidade que Ronnie tenha. Ele não tem habilidades interpessoais e isso é 50% de ser um produtor, na minha opinião. Você tem que fazer as pessoas se sentirem confortáveis para trazer o melhor delas. Chegou ao ponto, quando era hora de gravar solos de guitarra, em que eu não podia ter Ronnie na sala. Eu tinha que pedir para ele sair, porque ele não estava ajudando, sabe? [Risos.]”
Simbolismo e perseverança
Ronnie já havia decidido que o título do álbum em andamento seria “The Last in Line”, em razão de uma das novas músicas que a banda estava trabalhando e que ele considerava “uma canção clássica de rock”. Ele recorda:
“Viv veio com a introdução do arpejo, e adicionamos um riff monstruoso em um dos últimos ensaios em L.A. Sempre foi melhor, antes de a gravação começar, ter bem resolvida a peça central do álbum. Com ‘The Last in Line’, eu sabia que tínhamos alcançado isso.”
Quanto à letra, que ele já tinha antes da música, Ronnie disse:
“Essa música permite diferentes interpretações. Você poderia ser o último na fila [the last in line] no sentido de: ‘Oh m#rda, todas as coisas boas já se foram’. Ou, você poderia ser o último, o mais forte, e para mim, sempre foi isso; a perseverança que vem de passar por desafios na vida. E quando você chega ao fim, e é o último de pé, e se pergunta se valeu a pena, é melhor que a resposta seja ‘sim’. Essa vai ser sempre a minha resposta.”
Outra das novas canções chamava-se “Egypt (The Chains Are On)”. O cantor a descreve como “um verdadeiro épico, que eu já estava pensando como um ótimo fechamento sendo a última faixa do álbum”.
Como “Creeping Death”, do Metallica, lançada no mesmo ano, a faixa recorre à infame história bíblica dos hebreus sendo escravizados no Egito. Todavia, Ronnie não estava apenas narrando eventos; ele também usava as correntes como um símbolo para os tipos de grilhões que aprisionam as pessoas na sociedade moderna. Ele explicou:
“Foram as pessoas acorrentadas, tiradas de suas casas e feitas escravas, que construíram as pirâmides, não o arquiteto ou o Faraó. (…) No final da música, tudo acaba e lá vão eles. Não são mais escravos; as correntes eram uma ilusão.”
Com a ascensão da MTV, um bom videoclipe se tornou uma importante plataforma de marketing. A gravadora “chegou junto” pelo que o cantor se recorda:
“Wendy [Dio, esposa e empresária de Ronnie] negociou um orçamento maior e a Warner Bros. pôs no prato 200 mil dólares. Gravamos um clipe para ‘Mystery’, que a gravadora queria como single principal, e outro para ‘The Last in Line’, que era para onde ia a maior parte do dinheiro.”
Para este, a banda contratou o diretor de cinema líbio Don Coscarelli, que fez seu nome com “Fantasma” (1979) e “O Príncipe Guerreiro” (1982). Segundo Ronnie, “ele foi ótimo. Realmente entendeu o que a banda queria dizer.”
O primeiro disco de platina nos EUA
“The Last in Line” foi lançado em 2 de julho de 1984, uma semana antes do 42º aniversário de Ronnie. A capa novamente apresenta o mascote da banda, Murray. Desta vez, o demônio se assoma acima de um deserto em chamas, o sol brilhante ao seu lado e, abaixo, uma cidade em ruínas, cheia de gente.
Embalado por boas resenhas e pelos clipes na MTV, o álbum começou a vender de imediato. Tornou-se o primeiro disco de platina do Dio nos Estados Unidos, alcançando a marca alguns anos antes de “Holy Diver”. Ele comenta:
“Chegamos ao Top 4 no Reino Unido, ficamos entre os vinte melhores nos EUA e tivemos nossa primeira grande excursão pela Europa. Fiquei encantado e imensamente orgulhoso, porque, para mim, isso refletia genuinamente o valor do disco que havíamos feito.”
É uma discussão perpétua se este ou “Holy Diver” é o melhor álbum. A Popoff, Vivian — que sairia do grupo em 1986 tretado com o cantor — deu sua opinião:
“Dos três álbuns [que gravei com o Dio], por melhor que ‘Holy Diver’ seja, ‘The Last in Line’ é o meu favorito. E ‘Sacred Heart’ é uma b#sta, na minha opinião.”
Ronnie, por fim, reflete:
“Vinny tocou uma bateria matadora, e Vivian estava pegando fogo. Quando deixamos o rancho, sabia que tínhamos outro disco matador na lata”.
Dio – “The Last in Line”
- Lançado em 2 de julho de 1984 pela Warner Bros.
- Produzido por Ronnie James Dio
Faixas:
- We Rock
- The Last in Line
- Breathless
- I Speed at Night
- One Night in the City
- Evil Eyes
- Mystery
- Eat Your Heart Out
- Egypt (The Chains Are On)
Músicos:
- Ronnie James Dio (vocais, teclados)
- Vivian Campbell (guitarra)
- Jimmy Bain (baixo)
- Vinny Appice (bateria)
- Claude Schnell (teclados)
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