Gene Simmons capricha no peso em show solo no Summer Breeze Brasil

Primeira grande apresentação do cantor/baixista após o fim do Kiss contou com abordagem mais heavy, músicos competentes e possíveis alfinetadas em Paul Stanley

685. Este é o número estimado de shows que Gene Simmons realizou sem máscaras com o Kiss — banda que, em suas cinco décadas de carreira, realizou quase 3 mil apresentações ao vivo. Houve ainda uma série de performances solo nos anos de 2017 e 2018, em casas de eventos bem mais modestas do que as ocupadas por ele ao lado de Paul Stanley.

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Simmons, vale destacar, foi o integrante mais impactado pela retirada das famosas maquiagens em 1983. Perdeu todo o encanto de sua persona, chamada de Demon. O talento continuava lá, mas a estética ficou severamente comprometida. Não à toa, levou anos até que o vocalista e baixista desenvolvesse novos visual e postura de palco que fizessem sentido àquela realidade.

Em função disso, surpreende — um pouco — que Gene tenha sido o primeiro integrante da formação final do Kiss a realizar um show, sem maquiagem, após o fim da banda, sacramentado em dezembro do ano passado. “Um pouco” porque, em relação a Stanley, Simmons parecia ter sua performance melhor conservada. Sua voz não sentiu tanto os efeitos do tempo. Além disso, como já mencionado, o músico chegou a excursionar solo menos de uma década atrás.

O Brasil foi escolhido para receber a primeira grande apresentação desta nova etapa. Uma estreia foi realizada dias antes na inauguração de um restaurante da rede Rock & Brews, que mantém ao lado de Paul, mas em um contexto bem diferente, para uma plateia reduzida. O “batismo de fogo” aconteceu na edição nacional do Summer Breeze.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Ao seu lado, músicos experientes, mas nem de longe com a mesma fama: os guitarristas Brent Woods (Wildside, Sebastian Bach, Vince Neil) e Jason Walker, além do baterista Brian Tichy (The Dead Daisies, Billy Idol, Ozzy Osbourne, Whitesnake, Foreigner, Pride & Glory, Glenn Hughes, Velvet Revolver e outros). Em entrevistas, Gene havia prometido um grupo sólido musicalmente, onde todos seriam capazes de assumir vocais principais.

A promessa foi cumprida. Walker assumiu os vocais de todas as canções gravadas originalmente por Paul Stanley, enquanto Tichy esteve com o microfone principal no cover de “Ace of Spades”, do Motörhead. Todos contribuíram nos backing vocals. E o mais importante: a tal solidez estava lá, com uma dose extra de peso que deu gosto de ver.

Tudo meio dark, tudo meio heavy

Como o Mr. Big — atração anterior — concluiu seu repertório 10 minutos antes do previsto no palco Ice Stage, Gene Simmons também antecipou sua performance no Hot Stage, que fica logo ao lado. O Demon e seu trio de apoio subiram ao palco quase 15 minutos antes, ao som de uma introdução meio bizarra que misturou “We Will Rock You” (Queen) com “I Love It Loud”, canção que seria tocada não muito tempo depois.

“Deuce” logo mostrou as credenciais da tal Gene Simmons Band. Imagem e especialmente som são mais pesados. Alguns detalhes nesse sentido:

  • Todos os integrantes usavam roupas na cor preta e a maior parte dos instrumentos — baixo, bateria e uma das guitarras — tinha a cor mais escura como predominante;
  • A execução é mais heavy, especialmente por conta de Brian Tichy, assim como a timbragem, com o risco de às vezes soar um pouco abelhuda nas guitarras;
  • Adotada nas turnês mais recentes do Kiss, a afinação em D / Ré (meio tom mais grave em relação às gravações originais dos mascarados), foi mantida;
  • Pode parecer uma bobagem esteticamente falando, mas as tradicionais dancinhas do Kiss não foram reproduzidas — nem mesmo na já mencionada canção de abertura — e Simmons não saiu por aí colocando a língua de fora, talvez por entender que isso só faz sentido quando se está no personagem.

“Shout It Out Loud” foi a primeira a trazer Jason Walker cantando, aqui junto de Simmons. Ainda parecia estranho ver o baixista no centro do palco e ouvir uma música como esta ser tocada de um jeito mais pesado, mas não ficou difícil de se acostumar. A tensão até foi um pouco quebrada após o encerramento desta faixa, quando Gene fez a primeira de suas brincadeiras. “Muito obrigado, boa noite”, disse, fingindo sair do palco, como se o evento acabasse ali.

A partir daí, alternâncias marcaram a noite. Mais piadas eram feitas entre músicas. Composições originalmente mais pesadas se alternavam com outras nem tanto. O protagonista da noite variou no microfone principal junto de Walker. E, especialmente no que diz respeito à forma como o setlist foi montado, passou de um miolo bem interessante para uma conclusão que não foi das mais empolgantes. Chegaremos lá.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

“War Machine”, terceira do set, talvez tenha sido a música mais pesada a ser tocada. Foi ovacionada e rendeu os primeiros gritos de “olê, olê olê olê, Gene-ê, Gene-ê”. Em resposta, o dono do espetáculo apresentou seus músicos, pediu para ouvir tanto homens quanto mulheres gritarem e soltou o já clássico “sua bunda é linda” em português — frase que costuma dizer por aqui desde que a aprendeu, em 1994. Nosso fanfarrão predileto estava à vontade.

Possíveis alfinetadas em miolo de set poderoso

A primeira menção a Paul Stanley foi carinhosa. Ao introduzir “Detroit Rock City”, o Demon ressaltou que a composição é assinada por seu “parceiro de 50 anos”. Walker fez um bom trabalho nos vocais tanto nessa quanto nas outras que ficou a cargo de interpretar, mas não conseguia evitar a percepção de que soava como um cover. Não, o talentoso músico sequer tentou imitar o Starchild. Só soou um pouco genérico — não o suficiente, ainda bem, para não extrair bastante empolgação da plateia.

Depois do carinho, a cutucada: Simmons disse, pela primeira vez na noite, que aquele show “não teria material pré-gravado, nada fake, todos nós cantamos e tocamos ao vivo”. Uma clara alfinetada em Paul, acusado de usar playback na turnê de despedida “End of the Road” (2019-2023) após demonstrar desgaste vocal nos anos anteriores — algo que se tornou motivo de chacota por parte de Gene em 2018. Ao estilo Craque Neto, o linguarudo emendou do nada: “amamos São Paulo, tenho muitos filhos aqui”. Citou Ace Frehley, guitarrista original do Kiss com quem tem relação tumultuada, ao destacar o criador da canção seguinte, “Cold Gin”. E no meio do clássico do álbum de estreia de sua lendária banda, na retomada após a “queda” da música, simplesmente errou.

“Calling Dr. Love” perdeu um pouco de molejo com tanto peso, enquanto “I Love It Loud” preservou suas credenciais — e botou todo mundo para cantar seu coro. Simmons também errou nesta, mas de forma menos comprometedora do que em “Cold Gin”. Agradou mesmo assim: voltou a ser recebido com coros de “olê Gene-ê”, respondendo agora com “São Paulo, São Paulo” na mesma melodia.

Dois pontos altos do setlist foram separados por uma interação curiosa. “Parasite” soou incrível nesta configuração, embora Tichy tenha executado uma linha de bateria mais simples. Ao fim, Simmons quis saber se havia pessoas de outros países na plateia. Citou argentinos e chilenos, não obteve grandes reações. Cantou um “Argentina, Argentina” e recebeu vaias de volta. Entendeu o recado e emendou “Communication Breakdown”, cover de Led Zeppelin que, aí sim, se encaixou bem na voz de Jason Walker. Foi estendida em seu miolo para um solo que ganhou trechos de “Love Her All I Can”, faixa pouco lembrada do Kiss. Sensacional.

E tome nova alfinetada em Stanley: “vamos cantar o refrão desta a capella, AO VIVO”, diz Simmons antes de, realmente, interpretar só no gogó “Lick It Up” junto a seus comandados. A execução da faixa como um todo levantou o público, que não se empolgou tanto com “Are You Ready”, composição de Simmons nunca lançada oficialmente em álbuns. Pudera: até hoje, a canção tem cara de demo.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Da homenagem aos “baixos e altos”

A já mencionada versão para “Ace of Spades”, dedicada a Lemmy Kilmister, foi precedida por um discurso onde Gene afirma ter ido ao funeral do líder do Motörhead e visto outras lendas como Dave Grohl, James Hetfield e Ozzy Osbourne. Brian Tichy foi o destaque não só por cantá-la, como também pela execução feroz na bateria. Simmons, coitado, errou novamente no pós-solo, mas de forma quase imperceptível.

“Love Gun” teve interpretação ok, menos empolgante do que poderia ter sido, enquanto “100,000 Years” soou meio sem sentido ao não contar com o “circo” original do Kiss — o Demon costumava cuspir sangue antes desta canção. “Let Me Go, Rock ‘n’ Roll” voltou a ter vocais do protagonista, em outro destaque superpositivo do setlist.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Pena que foi precedida por uma versão estranha de “I Was Made for Lovin’ You” com a cantora brasileira Miranda Kassin — que claramente lia a letra em uma folha fixada no chão e ofereceu uma performance deslocada. Mas tudo viraria festa ao fim, com “Rock and Roll All Nite”, durante a qual Simmons convidou dez fãs da plateia para cantar backing vocals. Não teve papel picado, explosões, fogos de artifício, mas transmitiu sensação similar à da conclusão de um show do Kiss.

Vale quanto pesa?

É difícil conjecturar sobre a viabilidade de uma turnê solo de Gene Simmons. Não à toa, o músico agendou seus próximos shows em casas mais modestas e festivais da Europa. Além de fãs diehard de Kiss, qual público atrairia uma apresentação deste tipo? Qual o valor de ingresso que as pessoas estão dispostas a pagar para assistir a somente um dos integrantes da banda mascarada, que não desenvolveu uma carreira solo constante e toca várias músicas da última turnê?

Por enquanto, tais perguntas ficam sem resposta. Mas especificamente para o contexto do Summer Breeze Brasil, funcionou. O público teve acesso a um show praticamente inédito (antecipado apenas em um evento minúsculo dias antes nos Estados Unidos), com qualidade de performance e junto de outras atrações que combinavam (Mr. Big, Sebastian Bach, Black Stone Cherry, Nestor e por aí vai).

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Por mais marqueteiro que seja, Gene sequer parece estar preocupado com o futuro. Obviamente, houve o cuidado de montar um bom espetáculo, com músicos competentes e um repertório que, mesmo sem as tão solicitadas canções lado B do Kiss, teve sentido na maior parte do tempo. Fora isso, o músico de 74 anos só quer curtir um pouco de seu legado fazendo o que fez a vida toda.

**Este conteúdo faz parte da cobertura Summer Breeze Brasil 2024 — clique para conferir outras resenhas com fotos e vídeos.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Gene Simmons — ao vivo no Summer Breeze Brasil

Repertório:

  1. Deuce (Kiss)
  2. Shout It Out Loud (Kiss)
  3. War Machine (Kiss)
  4. Detroit Rock City (Kiss)
  5. Cold Gin (Kiss)
  6. Calling Dr. Love (Kiss)
  7. I Love It Loud (Kiss)
  8. Parasite (Kiss)
  9. Communication Breakdown (Led Zeppelin)
  10. Lick it Up (Kiss)
  11. Are You Ready (Gene Simmons solo)
  12. Ace of Spades (Motörhead)
  13. Love Gun (Kiss)
  14. 100,000 Years (Kiss)
  15. Let Me Go, Rock ‘n’ Roll (Kiss)
  16. I Was Made for Lovin’ You (Kiss)
  17. Rock and Roll All Nite (Kiss)
Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Agradecimentos: Whiplash.Net

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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