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Rotting Christ celebra 35 anos de carreira sem se prender ao passado em SP

Em apresentação intensa e consistente, icônico grupo grego de black metal fortaleceu relação já consolidada com público brasileiro

O Rotting Christ não se restringiu ao passado na turnê que celebra trinta e cinco anos de carreira. A icônica banda grega de black metal dedicou quase dois terços de seu repertório aos discos de seus últimos quinze anos na quente noite de quinta-feira (29), no Carioca Club, em São Paulo.

A consistente apresentação comprovou a boa fase recente do grupo. Diferente do que acontece com uma banda de legado tão importante, a reação aos clássicos gravados décadas atrás não foi tão diferente em relação à de faixas mais novas no intenso show na capital paulista.

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Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Em casa

Com um relacionamento estabelecido há mais de 25 anos desde sua estreia no Brasil, a conexão com o público nacional segue bem cultivada. Pouco antes do início do show, Sakis Tolis, líder, fundador, guitarrista e vocalista do Rotting Christ, andava pela calçada à frente do Carioca Club como se estivesse em casa na sétima passagem de sua banda pelo país.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Sob o calor ainda intenso do anoitecer no verão paulistano — nada anormal para um grego —, o músico conversava e tirava fotos com fãs, que ainda se concentravam nos bares dos arredores do local onde a banda gravaria sua apresentação para um lançamento futuro.

A turnê “35 Years of Evil Existence”, que prenuncia seu novo disco, “Pro Xristoy”, a ser lançado no próximo 24 de maio, foi promovida pela editora Estética Torta, responsável por colocar no mercado a biografia oficial da banda, “Non Serviam”. O livro foi escrito por Sakis Tolis em parceria com Dayal Patterson, jornalista de renome no metal extremo e autor também da série de livros sobre o estilo. A tradução ficou por conta de Marcelo Vieira, também colaborador deste site.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Black metal helênico

Quinze minutos antes do horário agendado para o Rotting Christ subir ao palco, a pista do Carioca Club estava ainda esvaziada enquanto clássicos do metal eram tocados no som mecânico. Mesmo a barraca de camisetas, que também vendia a biografia da banda, não parecia tão concorrida como em outras noites.

Quando as luzes se apagaram, pontualmente às oito e meia da noite, a pista se encheu sem lotar a casa, que comporta aproximadamente mil e quinhentas pessoas. O telão ao fundo da pista se alterou do logo do Rotting Christ para “Χ Ξ Σ” – o 666, no alfabeto grego. A introdução ritualística da música de mesmo nome passou a ser tocada no sistema de som e, sob fumaças na escuridão, os músicos entraram um a um.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

A faixa, cantada em grego e com seu tempo cadenciado, conferiu toda a tradicional e peculiar aura ao som do Rotting Christ, ícone maior do chamado black metal helênico. Menos rápido e com uma sonoridade mais “quente” do que a sua vertente norueguesa, o show foi na maior parte do tempo um teste de resistência de pescoços, com rodas em momentos específicos. Sob volume alto e som bem equalizado, os efeitos de luzes conferiam uma atmosfera sombria à apresentação.

Como tem se tornado comum nas últimas turnês pelo país, o Rotting Christ tocou clássicos de sua fase inicial, ignorou a parte intermediária de sua discografia, quando flertou com o som mais gótico e industrial, mas focou o grosso de seu repertório nos trabalhos dos últimos quinze anos. “Κατά τον δαίμονα εαυτού”, álbum de 2013, teve cinco faixas – a metade do disco – executadas, incluindo a que deu o pontapé inicial à apresentação da quinta-feira à noite em São Paulo.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

A velocidade que deu renome a vertentes extremas do metal veio com “P’unchaw kachun- Tuta kachun”, do mesmo álbum de 2013. Os bumbos em disparada do baterista Themis Solis, irmão do líder da banda, se contrapuseram às guitarras com o freio de mão puxado. O refrão em espanhol, cantando quase como gritos de guerra, facilitou a participação do público, de punhos ao ar.

Português e entrosamento em dia

Na primeira pausa para interação com os fãs da apresentação, Sakis exibiu seu português de quem já é presença constante no país desde a estreia em 1998. Apesar de uma ou outra confusão com gênero e plurais ao longo da noite, o sotaque não é tão carregado quanto ao da pronúncia do seu inglês. De certa forma, é mais um fator de conexão com um público não anglófono.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Os irmãos Tolis, responsáveis pela gravação de todos os instrumentos em estúdio, já se apresentam ao lado do preciso guitarrista Kostis Foukarakis e do animado baixista Kostas Heliotis desde 2019, que também seguram bem a bronca nos marcantes vocais de apoio. O entrosamento do quarteto no palco foi tão visível que nem passou a impressão de que o grupo usou bastantes faixas pré-gravadas para ajudar na criação da atmosfera mais sombria na execução das músicas.

A apresentação dos gregos alternou seções concentradas ora em faixas dos trabalhos dos últimos quinze anos, ora em clássicos do início de carreira. Nos primeiros trinta minutos, o foco esteve nas faixas dos discos mais recentes.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

“Demonon Vrosis” de “Aealo” (2010), pôs o público para pular, enquanto a faixa-título do citado álbum de 2013 finalmente trouxe, em sua introdução, a velocidade de riffs e bumbos em conjunto para o Carioca Club. Suas variações de tempo com pausas para os cânticos foram acompanhados pelos fãs, que também cantou junto “Apage Satana”, de “Rituals” (2016).

Após a épica “In the Name of God”, do ainda mais recente disco “The Heretics” (2019) – álbum que a banda já divulgou no país em sua última passagem ainda antes da pandemia –, os gregos apresentaram a ainda inédita faixa “Pix Lax Dax”, de “Pro Xristou”, disco a ser lançado em maio deste ano.

Bem recebida pelo público, a música que encerrou a primeira seção do repertório não trouxe nada de muito diferente das outras até então tocadas. Consiste em introdução melódica, levada cadenciada com os samplers cheio de cânticos temperando a introdução antes do riff tradicional da banda, complementada pelos licks na guitarra de Foukarakis e a volta dos cânticos no refrão.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Ato dois

A segunda seção do repertório se focou em faixas dos anos 90, para os saudosistas dos primeiros trabalhos do grupo. A cadência épica permaneceu com “King of a Stellar War”, a primeira do clássico “Triarchy of the Lost Lovers” (1996), que teve punhos no ar, cabeças chacoalhando e o público cantando a melodia. Do mesmo álbum, “Archon”, trouxe as primeiras rodas da noite acompanhando os bumbos em disparada, ainda que a velocidade dos riffs variasse.

O hino “Non Serviam” veio cedo na noite, para fazer o teste de pescoço no público com seu andamento quase marcial. A resposta efusiva do público à faixa-título do clássico álbum de 1994 gerou um momento que fugiu à estética “trve cvlt” por colocar o público para cantar sozinho, como se fosse um alegre show do Kiss – não é uma reclamação.

Rodas vieram para acompanhar a velocidade em ritmo quase norueguês de “Societas Satanas”, “cover” que já virou presença constante nas apresentações do Rotting Christ. A faixa foi gravada no disco “Apollyon”, de 1996, do Thou Art Lord, cujo líder é o ex-tecladista do grupo, Magus Wampyr Daoloth, e conta com Sakis nas guitarras sob o pseudônimo de Necromayhem.

Terminada a seção intermediária noventista do repertório, a velocidade se reduziu bastante, mas não o ânimo do público, para mais duas faixas de “Κατά τον δαίμονα εαυτού”. A longa introdução pré-gravada de cantos ritualísticos para “In Yumen-Xibalba” foi encoberta pelos usuais gritos de nome da banda em ritmo de estádio de futebol. Quando veio seu riff inicial arrastado, num momento quase doom metal, punhos seguiram socando o ar, mas a velocidade aumentou e gerou mais rodas na pista.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Já a levada cadenciada de “Grandis Spiritus Diavolos” proporcionou até um ambiente propício para algumas tímidas danças entre os fãs. O nome da canção, repetido à exaustão e em latim, ajudou a ser cantado com força pelo público, que também acompanhou o ritmo aos gritos pedidos principalmente pelo baixista Kostas Heliotis no palco.

A resposta empolgada do público chegou ao palco por meio de uma bandeira brasileira, hasteada sobre a bateria. Depois, a épica “The Raven”, outra do disco “The Heretics”, veio emendada à cadência pesada de “Noctis Era”, de “Aealo”, para encerrar a intensa primeira parte da apresentação após uma hora e vinte minutos que a banda havia subido ao palco.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Era óbvio que a banda não deixaria para trás seu histórico disco de estreia “Thy Mighty Contract” (1993), não representado naquela seção intermediária do repertório. Guardada para um bis avassalador, “The Sign of Evil Existence” é a pancadaria velha guarda que normalmente se espera do black metal. O público abriu rodas quase tão animado quanto Fernando Iser, músico paulista de inúmeras bandas do underground nacional, que subiu ao palco empolgadíssimo para cantar a faixa com Sakis.

“Fgmenth, Thy Gift” encerrou a noite como uma marca registrada do Rotting Christ: vocais ríspidos com os urros gemidos acompanhados pelo público, misturados à pegada cadenciada e a aura malévola e épica das melodias e dos riffs, deixando a visão final da pista com os punhos no ar, cabelos voando e cabeças chacoalhando.

A sexta-feira promete ser de dores no pescoço lembrando mais uma intensa apresentação dos gregos no país. E esperando o próximo retorno ao país. A julgar pela relação do Rotting Christ com os fãs brasileiros, não fará sentido nenhum demorar.

Foto: Gabriel Ramos @gabrieluizramos

Rotting Christ — ao vivo em São Paulo

  • Local: Carioca Club
  • Data: 29 de fevereiro de 2024
  • Turnê: 35 Years of Evil Existence

Repertório:

  1. 666
  2. P’unchaw kachun- Tuta kachun
  3. Demonon Vrosis
  4. Kata Ton Daimona Eaytoy
  5. Apage Satana
  6. In the Name of God
  7. Pix Lax Dax
  8. King of a Stellar War
  9. Archon
  10. Non Serviam
  11. Societas Satanas (cover de Thou Art Lord)
  12. In Yumen-Xibalba
  13. Grandis Spiritus Diavolos
  14. The Raven
  15. Noctis Era

Bis:

  1. The Sign of Evil Existence (participação de Fernando Iser nos vocais)
  2. Fgmenth, Thy Gift

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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