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Por que Nando Reis saiu do Titãs

Turnês incessantes e a perda de seus dois melhores amigos pesaram na consciência do baixista e compositor

Nando Reis saiu do Titãs em 2001. Na época do anúncio, a reação foi um misto de surpresa e naturalidade.

Na segunda metade dos anos 1990, o baixista e vocalista havia se tornado um dos maiores hitmakers do Brasil para além da banda. Formou parcerias criativas com Samuel Rosa, do Skank, e a cantora Cássia Eller. Ele provou ser capaz de compor músicas que não se encaixavam na fórmula do grupo, mas igualmente radiofônicas.

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Mesmo assim, houve um choque. O Titãs estava junto há quase 20 anos, e havia passado por seu período mais bem sucedido graças ao “Acústico MTV” (1997). A percepção geral era de que os integrantes podiam fazer seus trabalhos solo sem precisar deixar a formação. Entretanto, a realidade era mais complicada; assim, Nando Reis saiu do Titãs em meio a dilemas.

Acomodação e drogas

O “Acústico MTV” foi o álbum mais bem sucedido da carreira da banda, mas deu início a um período artisticamente acomodado. Os dois trabalhos seguintes do Titãs, “Volume Dois” (1998) e “As Dez Mais” (1999), foram respectivamente uma continuação das releituras de material antigo seguida de um disco de covers. Já as turnês eram enormes, com direito a 200 shows por ano.

Como eles aguentavam isso? No caso de Nando Reis, bebida e drogas. Em artigo publicado pela Piauí, ele detalhou seus hábitos entorpecentes:

“Eu sempre gostei de beber sozinho, especialmente nos quartos de hotel após os shows. Num primeiro momento, essa alteração da consciência me levava a um estado contemplativo e de elucubração, que eu associei à criatividade. Eu me considerava um bebedor funcional: compus muitas músicas embriagado e isso funcionou durante muito tempo. Sou extremamente autocrítico e perseguido pela neurose de me sentir incapaz, então a bebida atuava como um agente desinibidor.

O estímulo advindo da ingestão de álcool e do consumo de drogas me levava a pegar o violão e compor. Virava a noite com o violão, uma garrafa de vodca ou de uísque, papel, caneta e cocaína. Eu bebia, cheirava, me sentia culpado por isso e falava: ‘Tudo bem, eu cheirei, mas agora, para compensar, tenho que fazer uma música’.”

Foto: Jeff Marques

Morte de Marcelo Fromer

A casa começou a cair no dia 11 de junho de 2001. A banda estava gravando seu primeiro álbum de inéditas desde “Domingo” (1995). Marcelo Fromer, guitarrista do Titãs e melhor amigo de Nando, saiu para correr no final da tarde pelo bairro de Jardim Europa, em São Paulo. As ruas estavam escuras por causa do racionamento de energia implementado na época. Ele atravessou uma rua fora da faixa e foi atropelado por uma moto, cujo condutor fugiu da cena. O músico sofreu ferimentos graves na cabeça, entrou em coma e morreu dois dias depois.

Em seu podcast, “Lugar de Sonho”, Nando refletiu sobre o momento e o processo desencadeado pela perda. Ele declarou:

“Eu amava os Titãs. Todas as crises ficavam relativizadas pelo prazer que eu tinha de fazer o show. Nos piores momentos, como no ‘Titanomaquia’, um disco em que eu não faço nada, não tem nenhuma música minha, não tem nenhuma ideia minha, eu adorava fazer o show na turnê porque eu gostava daquilo, eu gostava deles. Óbvio que depois da morte do Marcelo, daí acabou. Ele era um pouco o pilar, na minha cabeça ele dava a graça. Eu era apaixonado pelo Marcelo, era apaixonado. Eu saía de casa e ficava feliz em encontrá-lo.”

Cássia Eller também nos deixou

Seis meses depois disso, em dezembro de 2001, Cássia Eller sofreu três paradas cardíacas e faleceu no Rio de Janeiro. A cantora naquele ano havia lançado seu próprio “Acústico MTV”, no qual Nando Reis apareceu como convidado especial na canção “Relicário” e assinava a composição de três músicas.

No mesmo episódio do podcast “Lugar de Sonho”, o músico descreveu como esses eventos o levaram a tomar decisões drásticas em sua vida.

“Num espaço de seis meses eu perdi o meu melhor amigo e a minha melhor amiga, que tinham a minha idade. Foi uma bomba na minha vida. Eu posso dizer que assim, todas as decisões que eu tomei a partir daí, as mais drásticas como sair dos Titãs e também me separar, estão relacionadas a esses dois eventos.”

Nando Reis saiu do Titãs

Nando Reis saiu do Titãs oficialmente em 10 de setembro de 2002, com o músico contando à Folha de S.Paulo:

“Vou fazer 40 anos, quero fazer mais coisas em minha vida. Não me vejo emendando um disco no outro, tendo que compor rapidamente para entrar em estúdio.”

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, em 2012, ele elaborou mais a situação:

“Eu não pensava em sair daquela maneira. A gente vinha de três turnês seguidas que nos mataram. Depois, sofremos a morte de Marcelo. E, para mim, a de Cássia [Eller] foi outra cacetada. Eu não queria compor e entrar no estúdio. Acho que a gente tinha que pensar em um espaçamento maior entre os discos. Essa era minha tese de sobrevivência na banda. Falei: ‘Não vou entrar. Quero férias’.”

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

De acordo com Reis, os integrantes lhe deram um ultimato: entrava no estúdio ou estava fora da banda. Ele acabou sendo demitido.

Entretanto, Nando negou na mesma entrevista que sua saída tenha sido a mais conturbada:

“A saída do Arnaldo foi quase asperamente tratada como uma rejeição por parte da gente, só que estávamos vivendo um momento obscuro. Estávamos vindo de ‘Tudo ao Mesmo Tempo Agora’, quando [pela primeira vez] a imprensa nos ignorou. E indo para ‘Titanomaquia’ que quase nos levou para um gueto. Éramos muito menos populares do que nos tornamos depois do ‘Acústico’. Dizer que minha saída foi mais conturbada é uma falácia.”

Nando Reis saiu do Titãs para se estabelecer como um dos artistas solo mais bem-sucedidos do Brasil, graças a um álbum ao vivo com seus maiores hits até então. Entretanto, seu problema com drogas e álcool piorou ao longo dos anos.

Felizmente, ele parou em 2016. Os integrantes clássicos do Titãs, exceção óbvia feita a Marcelo Fromer, se reuniram em 2023 para uma turnê.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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Na segunda metade dos anos 1990, o baixista e vocalista havia se tornado um dos maiores hitmakers do Brasil para além da banda. Formou parcerias criativas com Samuel Rosa, do Skank, e a cantora Cássia Eller. Ele provou ser capaz de compor músicas que não se encaixavam na fórmula do grupo, mas igualmente radiofônicas.

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Mesmo assim, houve um choque. O Titãs estava junto há quase 20 anos, e havia passado por seu período mais bem sucedido graças ao “Acústico MTV” (1997). A percepção geral era de que os integrantes podiam fazer seus trabalhos solo sem precisar deixar a formação. Entretanto, a realidade era mais complicada; assim, Nando Reis saiu do Titãs em meio a dilemas.

Acomodação e drogas

O “Acústico MTV” foi o álbum mais bem sucedido da carreira da banda, mas deu início a um período artisticamente acomodado. Os dois trabalhos seguintes do Titãs, “Volume Dois” (1998) e “As Dez Mais” (1999), foram respectivamente uma continuação das releituras de material antigo seguida de um disco de covers. Já as turnês eram enormes, com direito a 200 shows por ano.

Como eles aguentavam isso? No caso de Nando Reis, bebida e drogas. Em artigo publicado pela Piauí, ele detalhou seus hábitos entorpecentes:

“Eu sempre gostei de beber sozinho, especialmente nos quartos de hotel após os shows. Num primeiro momento, essa alteração da consciência me levava a um estado contemplativo e de elucubração, que eu associei à criatividade. Eu me considerava um bebedor funcional: compus muitas músicas embriagado e isso funcionou durante muito tempo. Sou extremamente autocrítico e perseguido pela neurose de me sentir incapaz, então a bebida atuava como um agente desinibidor.

O estímulo advindo da ingestão de álcool e do consumo de drogas me levava a pegar o violão e compor. Virava a noite com o violão, uma garrafa de vodca ou de uísque, papel, caneta e cocaína. Eu bebia, cheirava, me sentia culpado por isso e falava: ‘Tudo bem, eu cheirei, mas agora, para compensar, tenho que fazer uma música’.”

Foto: Jeff Marques

Morte de Marcelo Fromer

A casa começou a cair no dia 11 de junho de 2001. A banda estava gravando seu primeiro álbum de inéditas desde “Domingo” (1995). Marcelo Fromer, guitarrista do Titãs e melhor amigo de Nando, saiu para correr no final da tarde pelo bairro de Jardim Europa, em São Paulo. As ruas estavam escuras por causa do racionamento de energia implementado na época. Ele atravessou uma rua fora da faixa e foi atropelado por uma moto, cujo condutor fugiu da cena. O músico sofreu ferimentos graves na cabeça, entrou em coma e morreu dois dias depois.

Em seu podcast, “Lugar de Sonho”, Nando refletiu sobre o momento e o processo desencadeado pela perda. Ele declarou:

“Eu amava os Titãs. Todas as crises ficavam relativizadas pelo prazer que eu tinha de fazer o show. Nos piores momentos, como no ‘Titanomaquia’, um disco em que eu não faço nada, não tem nenhuma música minha, não tem nenhuma ideia minha, eu adorava fazer o show na turnê porque eu gostava daquilo, eu gostava deles. Óbvio que depois da morte do Marcelo, daí acabou. Ele era um pouco o pilar, na minha cabeça ele dava a graça. Eu era apaixonado pelo Marcelo, era apaixonado. Eu saía de casa e ficava feliz em encontrá-lo.”

Cássia Eller também nos deixou

Seis meses depois disso, em dezembro de 2001, Cássia Eller sofreu três paradas cardíacas e faleceu no Rio de Janeiro. A cantora naquele ano havia lançado seu próprio “Acústico MTV”, no qual Nando Reis apareceu como convidado especial na canção “Relicário” e assinava a composição de três músicas.

No mesmo episódio do podcast “Lugar de Sonho”, o músico descreveu como esses eventos o levaram a tomar decisões drásticas em sua vida.

“Num espaço de seis meses eu perdi o meu melhor amigo e a minha melhor amiga, que tinham a minha idade. Foi uma bomba na minha vida. Eu posso dizer que assim, todas as decisões que eu tomei a partir daí, as mais drásticas como sair dos Titãs e também me separar, estão relacionadas a esses dois eventos.”

Nando Reis saiu do Titãs

Nando Reis saiu do Titãs oficialmente em 10 de setembro de 2002, com o músico contando à Folha de S.Paulo:

“Vou fazer 40 anos, quero fazer mais coisas em minha vida. Não me vejo emendando um disco no outro, tendo que compor rapidamente para entrar em estúdio.”

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, em 2012, ele elaborou mais a situação:

“Eu não pensava em sair daquela maneira. A gente vinha de três turnês seguidas que nos mataram. Depois, sofremos a morte de Marcelo. E, para mim, a de Cássia [Eller] foi outra cacetada. Eu não queria compor e entrar no estúdio. Acho que a gente tinha que pensar em um espaçamento maior entre os discos. Essa era minha tese de sobrevivência na banda. Falei: ‘Não vou entrar. Quero férias’.”

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

De acordo com Reis, os integrantes lhe deram um ultimato: entrava no estúdio ou estava fora da banda. Ele acabou sendo demitido.

Entretanto, Nando negou na mesma entrevista que sua saída tenha sido a mais conturbada:

“A saída do Arnaldo foi quase asperamente tratada como uma rejeição por parte da gente, só que estávamos vivendo um momento obscuro. Estávamos vindo de ‘Tudo ao Mesmo Tempo Agora’, quando [pela primeira vez] a imprensa nos ignorou. E indo para ‘Titanomaquia’ que quase nos levou para um gueto. Éramos muito menos populares do que nos tornamos depois do ‘Acústico’. Dizer que minha saída foi mais conturbada é uma falácia.”

Nando Reis saiu do Titãs para se estabelecer como um dos artistas solo mais bem-sucedidos do Brasil, graças a um álbum ao vivo com seus maiores hits até então. Entretanto, seu problema com drogas e álcool piorou ao longo dos anos.

Felizmente, ele parou em 2016. Os integrantes clássicos do Titãs, exceção óbvia feita a Marcelo Fromer, se reuniram em 2023 para uma turnê.

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Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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