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Sufjan Stevens revisita todas suas fases ao mesmo tempo em “Javelin”

Cantor americano equilibra músicas folk, arranjos barrocos e elementos eletrônicos minimalistas com elegância

Sufjan Stevens sabe expressar luto através de sua música como poucos. O cantor americano já havia demonstrado essa habilidade ao grande público no belíssimo “Carrie & Lowell” (2015), que discute sua relação conturbada com a mãe e a relação dela com seu padrasto. É um álbum carregado de emoção, com vários momentos capazes de fazer o ouvinte chorar copiosamente.

“Javelin” não tem o mesmo conceito claro por trás de si como quase toda entrada na discografia de Sufjan. O músico tem discos-conceito sobre dois estados americanos (“Michigan” e “Illinois”), obras eletrônicas inspiradas por pintores esquizofrênicos (“The Age of Adz”), experimentos pop à la Ariana Grande ou Beyoncé (“The Ascension”) e até mesmo álbuns folk lidando com temas esotéricos relacionados à fé cristã (“Seven Swans”).

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Em vez disso, Sufjan aqui parece estar revisitando diversos elementos musicais ao longo de sua obra numa exploração de seu legado, enquanto as letras exploram as perdas comuns pelas quais todos passamos. Relacionamentos terminam, trabalhos são perdidos, fases de nossa vida passam – às vezes antes de estarmos prontos para ver isso ocorrer – e pessoas morrem.

Em canções como “Will Anybody Ever Love Me”, Sufjan constrói com um banjo, coral e a própria voz um ode ao desespero existencial de alguém passando por uma desilusão amorosa logo antes de ser abraçado por uma orquestra.

As maneiras como somos capazes de machucar quem amamos aparecem em outros dois destaques, “So You Are Tired” e “Javelin (To Have and To Hold)”. O refrão desta última faz alusão aos tradicionais votos de matrimônio:

“What a terrible thought
to have and to hold”

A voz de Sufjan é um instrumento tão sutil, porém carrega consigo um peso gigantesco. O artista tem a capacidade tanto de segurar uma música apenas no violão como fazer com que seja notado em meio a arranjos rebuscados cheios de corais e orquestras.

Não são poucos os momentos em “Javelin” nos quais o ouvinte é convidado a fazer comparações a artistas do grande cânone clássico. Não falo de Beatles, Stones ou Bob Dylan, mas sim Schubert, Haydn e Bach. Mesmo com elementos eletrônicos e manipulação de fita, a música de Stevens tem uma qualidade remetendo a dois gêneros trazidas pelos europeus ao Novo Mundo: folk e erudito andam de mãos dadas com tudo isso, mas ainda guiando o caminho.

Entretanto, Stevens escolheu se despedir dessa vez do ouvinte fazendo um cover, a primeira vez que coloca uma música não composta por ele em um disco. A música selecionada é de autoria de outra figura notória por sua voz frágil e capacidade de soar atemporal: Neil Young.

“There’s a World” é uma faixa não tão badalada de “Harvest”, o disco mais vendido da carreira de Young, um trabalho marcado por uma sonoridade luxuosa em contraste a letras desesperadas. Mas aqui, a canção ganha contornos esperançosos.

Após todas as desilusões presentes no resto de “Javelin”, a canção se apresenta como um lembrete da continuidade da vida mesmo em face da inevitabilidade da morte. Então, nada melhor que aproveitar o tempo cada vez menor nesse mundo.

Essa mensagem fica especialmente pertinente em vista de acontecimentos recentes. Em setembro de 2023, pouco antes do lançamento de “Javelin”, Sufjan Stevens anunciou que havia sido hospitalizado, com o diagnóstico de síndrome de Guillain-Barré.

Trata-se de uma doença autoimune na qual o sistema nervoso periférico é afetado. No caso do cantor, a crise que levou à sua internação foi grave a ponto de ele ter revelado ao público estar passando por fisioterapia para reaprender a andar.

E no dia do lançamento (esta sexta-feira, 6), o cantor compartilhou uma carta em seu Instagram na qual revela que o álbum é dedicado ao seu parceiro Evans Richardson, morto em abril. Por toda sua carreira, Sufjan permaneceu calado com relação à sua vida pessoal, especialmente o assunto de sua sexualidade.

Ouvintes encontravam alusões ao fato dele não ser heterossexual em suas letras desde o primeiro disco, mas mesmo assim Stevens se manteve quieto. Foi preciso a morte da pessoa mais querida a ele para que reconhecesse uma relação homoafetiva na sua vida.

Mesmo tendo passado por tudo isso, Sufjan se despediu do público nesse anúncio com uma frase que evoca a decisão de terminar o disco com o cover de “There’s a World” — uma forma de uma mensagem de esperança em meio a todas essas perdas.

“Sejam gentis, sejam fortes, sejam pacientes, perdoem, sejam vigorosos, sejam sábios, e sejam si mesmos. Vivam cada dia como se fosse o último, com gosto e graça, com reverência e amor, com gratidão e alegria. Esse é o dia que o Senhor fez. Regozijamos e sejamos alegres nele.”

*Ouça “Javelin” a seguir, via Spotify.

Sufjan Stevens – “Javelin”

  1. Goodbye Evergreen
  2. A Running Start
  3. Will Anybody Ever Love Me?
  4. Everything That Rises
  5. Genuflecting Ghost
  6. My Red Little Fox
  7. So You Are Tired
  8. Javelin (To Have And To Hold)
  9. Shit Talk
  10. Thereʼs A World

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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Sufjan Stevens sabe expressar luto através de sua música como poucos. O cantor americano já havia demonstrado essa habilidade ao grande público no belíssimo “Carrie & Lowell” (2015), que discute sua relação conturbada com a mãe e a relação dela com seu padrasto. É um álbum carregado de emoção, com vários momentos capazes de fazer o ouvinte chorar copiosamente.

“Javelin” não tem o mesmo conceito claro por trás de si como quase toda entrada na discografia de Sufjan. O músico tem discos-conceito sobre dois estados americanos (“Michigan” e “Illinois”), obras eletrônicas inspiradas por pintores esquizofrênicos (“The Age of Adz”), experimentos pop à la Ariana Grande ou Beyoncé (“The Ascension”) e até mesmo álbuns folk lidando com temas esotéricos relacionados à fé cristã (“Seven Swans”).

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Em vez disso, Sufjan aqui parece estar revisitando diversos elementos musicais ao longo de sua obra numa exploração de seu legado, enquanto as letras exploram as perdas comuns pelas quais todos passamos. Relacionamentos terminam, trabalhos são perdidos, fases de nossa vida passam – às vezes antes de estarmos prontos para ver isso ocorrer – e pessoas morrem.

Em canções como “Will Anybody Ever Love Me”, Sufjan constrói com um banjo, coral e a própria voz um ode ao desespero existencial de alguém passando por uma desilusão amorosa logo antes de ser abraçado por uma orquestra.

As maneiras como somos capazes de machucar quem amamos aparecem em outros dois destaques, “So You Are Tired” e “Javelin (To Have and To Hold)”. O refrão desta última faz alusão aos tradicionais votos de matrimônio:

“What a terrible thought
to have and to hold”

A voz de Sufjan é um instrumento tão sutil, porém carrega consigo um peso gigantesco. O artista tem a capacidade tanto de segurar uma música apenas no violão como fazer com que seja notado em meio a arranjos rebuscados cheios de corais e orquestras.

Não são poucos os momentos em “Javelin” nos quais o ouvinte é convidado a fazer comparações a artistas do grande cânone clássico. Não falo de Beatles, Stones ou Bob Dylan, mas sim Schubert, Haydn e Bach. Mesmo com elementos eletrônicos e manipulação de fita, a música de Stevens tem uma qualidade remetendo a dois gêneros trazidas pelos europeus ao Novo Mundo: folk e erudito andam de mãos dadas com tudo isso, mas ainda guiando o caminho.

Entretanto, Stevens escolheu se despedir dessa vez do ouvinte fazendo um cover, a primeira vez que coloca uma música não composta por ele em um disco. A música selecionada é de autoria de outra figura notória por sua voz frágil e capacidade de soar atemporal: Neil Young.

“There’s a World” é uma faixa não tão badalada de “Harvest”, o disco mais vendido da carreira de Young, um trabalho marcado por uma sonoridade luxuosa em contraste a letras desesperadas. Mas aqui, a canção ganha contornos esperançosos.

Após todas as desilusões presentes no resto de “Javelin”, a canção se apresenta como um lembrete da continuidade da vida mesmo em face da inevitabilidade da morte. Então, nada melhor que aproveitar o tempo cada vez menor nesse mundo.

Essa mensagem fica especialmente pertinente em vista de acontecimentos recentes. Em setembro de 2023, pouco antes do lançamento de “Javelin”, Sufjan Stevens anunciou que havia sido hospitalizado, com o diagnóstico de síndrome de Guillain-Barré.

Trata-se de uma doença autoimune na qual o sistema nervoso periférico é afetado. No caso do cantor, a crise que levou à sua internação foi grave a ponto de ele ter revelado ao público estar passando por fisioterapia para reaprender a andar.

E no dia do lançamento (esta sexta-feira, 6), o cantor compartilhou uma carta em seu Instagram na qual revela que o álbum é dedicado ao seu parceiro Evans Richardson, morto em abril. Por toda sua carreira, Sufjan permaneceu calado com relação à sua vida pessoal, especialmente o assunto de sua sexualidade.

Ouvintes encontravam alusões ao fato dele não ser heterossexual em suas letras desde o primeiro disco, mas mesmo assim Stevens se manteve quieto. Foi preciso a morte da pessoa mais querida a ele para que reconhecesse uma relação homoafetiva na sua vida.

Mesmo tendo passado por tudo isso, Sufjan se despediu do público nesse anúncio com uma frase que evoca a decisão de terminar o disco com o cover de “There’s a World” — uma forma de uma mensagem de esperança em meio a todas essas perdas.

“Sejam gentis, sejam fortes, sejam pacientes, perdoem, sejam vigorosos, sejam sábios, e sejam si mesmos. Vivam cada dia como se fosse o último, com gosto e graça, com reverência e amor, com gratidão e alegria. Esse é o dia que o Senhor fez. Regozijamos e sejamos alegres nele.”

*Ouça “Javelin” a seguir, via Spotify.

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