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The Town: lineup variado, Bruno Mars incrível e perrengues reduzidos marcam 2º dia

Festival dos criadores do Rock in Rio em território paulistano ainda precisa de ajustes, mas acertos em série indicam que “a cidade” chegou para ficar

Os relatos do primeiro dia de The Town, no último sábado (2), foram desanimadores. Choveu muito, é verdade, mas nem todos os problemas foram causados pelo dilúvio que caiu no Autódromo de Interlagos, em São Paulo – dos problemas com transporte às filas quilométricas. Início ruim para um festival apresentado como “filial” da potência Rock in Rio.

Neste domingo (3), rolou uma ajudinha de São Pedro – ou a Fundação Cacique Cobra Coral, vai saber. A não ser uma garoa muito breve e fraca próximo das 23h, não choveu. Seja por isso ou por outras questões, alguns dos perrengues do primeiro dia não se repetiram.

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Rolaram outros, é verdade. Congestionamento humano (em parte porque o espaço para o público nos palcos principais é apertadinho em comparação ao Rock in Rio) e dificuldade para comprar alimentos e bebidas (até mesmo água) foram alguns dos relatos mais frequentes. E teve aquilo que não dá para mudar de um dia para o outro: visão de palco (especialmente Skyline e The One) prejudicada por torres de som e house mix (além da roda gigante no caso do The One), telões pequenos no palco Skyline, banheiros escassos e de acesso complicado para quem está curtindo os shows e por aí vai.

Mas nada que impeça o The Town de “pegar” em São Paulo. Seja pelo lineup bem variado, por conseguir um headliner de peso ou pelos acertos estruturais, o domingo (3) de festival deu demonstrações de que o novo projeto de Roberto Medina parece ter chegado para ficar.

Foto: Wesley Allen

Ney Matogrosso botou o bloco na rua – e agradou

Segunda atração do palco The One (uma espécie de palco Sunset com design mais imponente e som melhor), Ney Matogrosso voltou a participar de uma edição inaugural de um evento promovido por Roberto Medina. Foi dele o primeiro show da primeira edição do Rock in Rio, em 1985.

Na época, foi recebido até mesmo com ovos por parte do público roqueiro, que estava ali para ver Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Hoje, felizmente, não chegamos a tal nível de ignorância.

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Ney é um gigante da música brasileira. Mantém um nível de performance (seja vocal ou física no geral) impressionante para alguém no alto de seus 82 anos. Raríssimos os artistas internacionais que chegam a esta idade em patamar semelhante.

Foto: Wesley Allen

Isso foi posto à prova com seu espetáculo atual, “Bloco Na Rua”, onde interpreta sucessos de artistas que vão de Raul Seixas a Chico Buarque, passando por Rita Lee, Raimundo Fagner, Paralamas do Sucesso e Paulinho Moska. Apenas três canções do repertório foram gravadas por ele originalmente, não por acaso as últimas tocadas: “Sangue Latino” (do Secos & Molhados), “Poema” (composição de Cazuza) e “Homem com H”.

Algumas músicas selecionadas representam um acerto em cheio, seja por não serem tocadas tão frequentemente por aí, seja por ganharem uma roupagem própria de Matogrosso e sua banda formada por Sacha Amback (teclado), Marcos Suzano e Felipe Roseno (percussão), Dunga (baixo), Mauricio Negão (guitarra), Aquiles Moraes (trompete) e Everson Moraes (trombone). Entre os destaques estão:

  • a deliciosamente percussiva versão para “Jardins da Babilônia” (Rita Lee);
  • a performática “O Beco” (Paralamas), que ganhou as impressões digitais de Ney;
  • a inesquecível “Pavão Mysteriozo” (Ednardo), que merece passar por um revival;
  • a sensual A maçã (Raul Seixas), com direito a iluminação avermelhada e cenas calientes no telão;
  • “Yolanda” (Chico Buarque), dona de arranjos caprichados especialmente na guitarra com slide.

Não há como negar que a apresentação de Ney foi menos disputada que o esperado. A pista não estava tão povoada, especialmente em virtude da disputa de horário com Veigh no palco Factory. Fenômeno parecido se repetiria com Leon Bridges (no palco The One) e Wie (no Factory).

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Mas quem deu uma chance para o veterano, adorou. Vários coros com o nome do cantor foram entoados ao longo do show, ainda que, na correria, ele só tenha conversado com a plateia ao fim para agradecer e se despedir. Show de festival é isso: menos papo, mais hits.

Foto: Wesley Allen

Repertório – Ney Matogrosso

  1. Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio)
  2. Jardins da Babilônia (Rita Lee)
  3. O beco (Os Paralamas do Sucesso)
  4. Já sei (Itamar Assumpção cover)
  5. Pavão mysteriozo (Ednardo)
  6. A maçã (Raul Seixas)
  7. Yolanda (Chico Buarque)
  8. Postal de amor (Raimundo Fagner & Chico Buarque)
  9. Ponta do lápis (Raimundo Fagner & Chico Buarque)
  10. Corista de rock (Rita Lee)
  11. Já que tem que (Itamar Assumpção)
  12. O último dia (Paulinho Moska)
  13. Sangue latino (Secos & Molhados)

Bis:

  1. Poema
  2. Homem com H

Leon Bridges em concerto para muitos e poucos

Em um espaço amplo como o The Town, testemunhar Leon Bridges se apresentar para uma pista cheia de “buracos”, com várias pessoas sentadas no chão ao fundo, foi um pouco entristecedor. Ao mesmo tempo, dificilmente o cantor americano de neo soul, hoje com 34 anos, conseguiria fazer um show solo para toda aquela gente. Valia a tentativa.

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Como no caso de Ney Matogrosso, quem se entregou à ideia saiu pra lá de satisfeito. O som do cantor, fortemente influenciado pelo soul oitentista, tem levada gostosa e explora diversos subgêneros com maestria, a exemplo de “Flowers” (um semi-rock and roll enérgico), “Mrs.” (blues arrebatador com solo aplaudidíssimo de Brandon Thomas) e “Bad Bad News” (funk, ainda que com camadas R&B). Mas é na veia “Sam Cooke do século 21” que ele se destaca mesmo, em canções do porte da moderna/retrô “Texas Sun”, a dupla “Motorbike” e “Sweeter” com saxofone roubando a cena, a climática “Across the Room” tendo show à parte dos backing vocals e a emblemática “River”, encerramento que o traz na guitarra e acompanhado de três vozes, sem outros instrumentos.

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Talvez não fosse o típico “show de festival”, já que a maior parte do público sequer o conhecia. Fez falta não tê-lo dando entrevistas e promovendo seu som nas semanas que antecederam o festival. Como já destacado, a apresentação de Wiu no palco Factory pareceu ter reunido bem mais público.

Foto: Anne Karr

Mas repito: quem comprou a ideia, saiu de Interlagos com mais um cantor para acrescentar à playlist. Que sua próxima passagem pelo Brasil tenha shows mais intimistas, já que até mesmo sua visita anterior a esta, em 2018, ocorreu como suporte a um grande espetáculo – no caso, de Harry Styles.

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Repertório – Leon Bridges

  1. Smooth Sailin’
  2. Texas Sun
  3. Brown Skin Girl
  4. Flowers
  5. Motorbike
  6. Sweeter
  7. C-Side
  8. Across the Room
  9. Beyond
  10. Mrs.
  11. Bad Bad News
  12. River

Seu Jorge faz por merecer posto de headliner do The One

Não é tão comum por parte de Roberto Medina e associados a escalação de artistas nacionais para capitanear os dois espaços principais de seus eventos. No Rock in Rio, é raro ter brasileiro no horário principal do palco Sunset – e nunca ocorreu no palco Mundo. No The Town, porém, nova quebra de protocolo: o primeiro fim de semana trouxe apenas artistas brasileiros como principais do The One, que seria equivalente ao Sunset. No sábado (2), Racionais MCs com Orquestra de Heliópolis. No domingo (3), Seu Jorge.

Hoje com 53 anos, Jorge Mário da Silva criou uma “casca” que raros artistas brasileiros possuem. Estamos falando de alguém que faz relativo sucesso internacional, a ponto de ter se apresentado nos Estados Unidos (bastante), Portugal, Canadá, França, Austrália, Reino Unido e por aí vai. Na maior parte das vezes, aliás, interpretou a obra de ninguém menos que David Bowie.

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Sua vasta experiência não lhe permitiria bolar um show que estivesse fora de sintonia com aquela noite, mais orientada ao pop e soul. E assim foi feito: Seu Jorge não abriu mão de seu samba rock recheado de influências distintas, mas permitiu-se experimentar de um jeito que caiu bem.

Logo no início do repertório, após as esperadas “Mina do Condomínio” e “Pessoal Particular”, Jorge emendou uma sequência que foi do soul ao hip hop e rock com “Ain’t No Sunshine” (Bill Withers), “That’s My Way” (com participação de Edi Rock, dos Racionais) e “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” (Hyldon), esta última com trecho de “Kashmir” (Led Zeppelin) e belo solo de guitarra.

Na sequência de seu repertório próprio, os elementos fora do samba rock ficaram até mais perceptíveis com os arranjos e execuções atuais, seja no hit “Carolina” com suas vísceras jazzistas, no funkão groovado “Alma de Guerreiro” ou no soul gostosinho de “Felicidade”.

A pista do The One virou uma festa com o artista oriundo de Belford Roxo, que fez show digno de headliner. Pena que aquela celebração tinha hora para acabar, já que boa parte do público debandou ainda nas canções finais do set em direção ao Skyline, visando guardar lugar para assistir a Bruno Mars.

Repertório – Seu Jorge

  1. Mina do condomínio
  2. Pessoal particular
  3. Ain’t no Sunshine (Bill Withers)
  4. That’s my way (com Edi Rock)
  5. Na rua, na chuva, na fazenda (Hyldon)
  6. Espelhos / Seu olhar
  7. Tempo de amor / Ossanha / Chega
  8. Quem não quer sou eu
  9. Se dedica
  10. Final de semana (com Papatinho)
  11. Carolina
  12. Amiga da minha mulher
  13. Alma de guerreiro
  14. Felicidade
  15. Burguesinha

Bruno Mars – “Bruninho” para os íntimos – faz show 99% perfeito

Bruno Mars fez não apenas o show mais aguardado desta edição inaugural de The Town. Sua apresentação era talvez a mais esperada de todos os eventos de Roberto Medina desde a volta do Rock in Rio ao Brasil, em 2011. Não à toa, foi o único headliner entre tais festivais a fechar duas datas na programação — exceção feita a Maroon 5 tendo que substituir uma enferma Lady Gaga às pressas, esta foi a primeira vez que isso aconteceu desde 1991.

Foto: Daniel Ramos

A expectativa foi correspondida, apesar de nuances precisarem ser destacadas. Deixo claro, antes de tudo, que uma apresentação tecnicamente impecável foi oferecida por Mars e sua banda de apoio composta por Luke Kennedy Aiono (guitarra), Jamareo Artis (baixo), Eric Hernandez (bateria), John Fossit (teclados), Kameron Whalum (trombone e backing vocals), James “Jimmy” King (trompete e backing vocals), Dwayne Dugger (saxofone) e Philip Lawrence (backing vocals).

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Bruno, além de um senhor vocalista, é um performer completo — dança, se comunica e tem carisma raro entre popstars contemporâneos. Como bom multi-instrumentista que é, fez questão de se cercar de músicos incríveis. Vale destacar que a rotatividade em seu grupo de apoio é bem baixa, com vários integrantes permanecendo ao lado dele desde o início, um indicativo de que ele também é um bom chefe.

Foto: Daniel Ramos

Porém — e este é um “porém” bem pequeno, já que isso não atrapalhou a experiência de modo geral —, seu espetáculo atual parece ter sido desenhado para as apresentações como residente que tem realizado em Las Vegas. Espaços grandes, todavia, mais intimistas que Interlagos para 100 mil pessoas.

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Isso pode ser notado em algumas escolhas de repertório que deixaram o público ligeiramente aéreo em certos momentos. Alguns exemplos de números que funcionam melhor em seu espetáculo como residente nos EUA do que em um superfestival como o The Town:

  • a altamente noventista “Calling All My Lovelies” (apesar do momento de puro carisma com Bruno falando “quero você gatinha” e se chamando de Bruninho);
  • a jam estendida na segunda metade de “Billionaire” (canção muito conhecida no país após ter ganho versão em português de, veja só, Claudia Leitte);
  • a enroladíssima interação “vocês estão muito quietos, vamos ficar quietos também” de “Runaway Baby”;
  • o compilado de hits encurtados no teclado iniciando em “F*ck You” (de CeeLo Green, mas coescrita e coproduzida por Mars) e terminando na extremamente cantada pela plateia “Leave the Door Open” — valeria a pena, inclusive, tocar na íntegra algumas das canções deste medley, até porque muitos fãs adorariam ouvir um pouco mais de Silk Sonic, projeto do astro com Anderson Paak.
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É caçar pelo em ovo, há de se reconhecer. Todo o resto beirou a perfeição. 99% é muita coisa. Nota 9,9 em 10, exceção feita a programas de auditório da TV Globo, vale demais.

Mars, é importante observar, adapta a máxima “você é o que você come” para a audição: ele “é” o que escuta por toda a vida. Seu som transpira Motown e especialmente R&B noventista, lado este assumido ainda mais a partir de seu álbum solo mais recente, “24K Magic” (2016). É meio brega — e é exatamente por isso que é muito bom. A fórmula já conhecida ganha nova roupagem e até alguns contornos reggae aqui, pop contemporâneo acolá de um músico que está entre os melhores do planeta no que faz. Como cereja de bolo, um já mencionado carisma que o levou a até quebrar seu protocolo e atender a um pedido dos fãs brasileiros para tocar “It Will Rain”, fora do repertório atual. Não tem como dar errado.

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Alguns momentos de destaque se deram durante a fofa “Treasure”, o blues-reggae “Liquor Store Blues” (ainda que apenas um trecho), as demonstrações de potência no gogó em “Versace on the Floor”, o trecho de “Evidências” (Chitãozinho e Xororó) executado pelo tecladista John Fossitt e o acionamento final da metralhadora de hits com “When I Was Your Man”, “Locked Out of Heaven”, “Just the Way You Are” e “Uptown Funk”. Mas a apresentação inteira é um deleite para quem ama música independentemente de gêneros.

Faz muito bem ter alguém como Mars entre os maiores popstars do planeta. Seu show se diferencia por ser 100% ao vivo e apostar muito mais na performance musical do que no visual, como figurinos elaborados ou artes cinematográficas em telão. Temos Bruno, seus músicos de apoio, iluminação caprichada, um pouco de fumaça e é isso. Precisa de mais?

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Repertório – Bruno Mars

  1. 24K Magic
  2. Finesse
  3. Treasure
  4. Liquor Store Blues (trecho)
  5. Billionaire
  6. Calling All My Lovelies / Wake Up in the Sky
  7. That’s What I Like
  8. Please Me
  9. Pure Imagination (instrumental)
  10. Versace on the Floor
  11. It Will Rain
  12. Marry You
  13. Runaway Baby
  14. F*ck You / Young Wild and Free / Grenade / Talking to the Moon / Nothin’ on You / Leave the Door Open
  15. When I Was Your Man
  16. Evidências / Still D.R.E
    (instrumental)
  17. Locked Out of Heaven
  18. Just the Way You Are

Bis:

  1. Uptown Funk

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Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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