...

“Never Say Die!”, o último capítulo da era clássica do Black Sabbath

Saideira do vocalista Ozzy Osbourne foi concebida em meio a condições adversas e silêncios ensurdecedores

Nos nove anos desde sua formação, o Black Sabbath foi de bandinha desconhecida e sem dinheiro a supergrupo multiplatinado de renome internacional. Mas isso não o deixou imune a problemas individuais e coletivos.

­

- Advertisement -

Abuso de drogas e álcool, mudanças musicais, questões de gestão e os inevitáveis conflitos de egos contribuíram para tensões que pareciam encaminhar Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria) à separação.

Os quatro não se separaram, mas, por um curto período de tempo, o ex-vocalista do Savoy Brown, Dave Walker, substituiu Ozzy, que retornou para fazer um último álbum com o Sabbath em 1978.

Essa é a história que você está prestes a conhecer.

Começa a saga de “Never Say Die!”

Quando o vocalista e fundador Ozzy Osbourne saiu ao final da turnê mundial de 1977 do álbum “Technical Ecstasy”, o Black Sabbath quase se separou. Na autobiografia “Iron Man” (Planeta, 2013), Tony Iommi revela que ele, Geezer Butler e Bill Ward nunca consideraram a possibilidade de desistir:

“A gente se perguntou: será que ele [Ozzy] volta? Pode mudar de ideia, não sabemos. No entanto, também dissemos: ‘Não podemos simplesmente ficar parados aqui, temos que fazer alguma coisa’.”

Os três logo encontraram um novo vocalista na figura de Dave Walker, ex-integrante do Savoy Brown, que Tony e Bill já conheciam de outros carnavais.

“Ele tocava em uma banda local de Birmingham chamada The Red Caps. Mais tarde, cantou com o Savoy Brown e o Fleetwood Mac e se mudou para São Francisco. Lembrei que ele tinha uma voz legal, aí entramos em contato com ele. Ensaiamos com Dave por um tempo e escrevemos duas ou três músicas com ele.”

A notícia vazou para a imprensa, mas essa mudança na formação — a primeira desde o começo da banda dez anos antes —, durou apenas uma única aparição no programa de TV “Look Here!” da BBC Midlands, na qual tocaram “Junior’s Eyes”. Por alguma razão, as coisas não deram certo com Dave. “Simplesmente não achamos que funcionou bem”, resumiu Iommi.

Na autobiografia “Eu Sou Ozzy” (Benvirá, 2010), o vocalista conta que quando voltou, algumas semanas depois, tudo estava normal de novo — pelo menos na superfície:

“Ninguém realmente falou sobre o que aconteceu. Eu só apareci no estúdio um dia e foi o fim da briga. Mas era óbvio que as coisas tinham mudado, principalmente entre mim e Tony.”

Falta de comunicação entre Ozzy Osbourne e Tony Iommi

Assim que Ozzy Osbourne voltou, o Black Sabbath retomou o trabalho no álbum, que decidiu chamar de “Never Say Die!”. Por sugestão do contador Colin Newman, a banda reservou o estúdio Sounds Interchange, em Toronto, Canadá, para gravar. Ozzy justificou a escolha dizendo:

“Para evitar o pagamento de 80% do nosso dinheiro para o governo trabalhista britânico, escolhemos o Canadá, apesar de ser janeiro e estar tão frio que não daria nem para sair ao ar livre sem congelar o saco.”

Cada um dos integrantes alugou um apartamento perto do estúdio e os quatro também alugaram um cinema com palco onde poderiam escrever e ensaiar as músicas novas. Em seu livro, Tony Iommi conta como era o dia a dia de trabalho:

“Começávamos [no cinema] às nove horas da manhã, morrendo de frio, porque o lugar quase não tinha aquecimento e, mais tarde, à noite, íamos para o estúdio gravar. Era totalmente errado para a gente. Até ali, escrevíamos algo e depois convivíamos um pouco com as músicas para dar a elas tempo de crescer. ‘A gente curtiu? Vamos mudar isso ou vamos mudar aquilo?’. E assim íamos.”

Não demoraria para os velhos problemas voltarem a surgir. Ozzy e Tony simplesmente não se falavam mais.

“Não brigávamos. O oposto, na verdade: só uma completa falta de comunicação. Quando mencionei que queria fazer um projeto solo paralelo, ele gritou: ‘Se você tem alguma música, deveria mostrar para a gente primeiro’. Mas sempre que eu sugeria alguma coisa, ninguém dava a mínima. Eu falava: ‘Ei, o que vocês acham disso, então?’, e eles respondiam: ‘Não. É um lixo’.”

Como desgraça pouca é bobagem, eles acabaram descobrindo que o estúdio era uma porcaria. Iommi, quem reservou o lugar, assume a culpa:

“Simplesmente o escolhi com base em uma lista de artistas que haviam gravado lá antes. Disseram que os Rolling Stones tinham usado o estúdio, mas talvez só tenham feito uns overdubs ou algo assim. Era caro demais e o som era péssimo. Foi um pesadelo.”

Quando Thelma, esposa de Ozzy, ligou para o estúdio e disse que tinha acabado de perder o bebê que estava esperando, a decisão foi unânime: era hora de juntar as coisas e voltar para a Inglaterra.

“O maior baseado que eu já tinha visto”

Apesar do frio, do estúdio ruim e das noites de bebedeira, o Black Sabbath conseguiu gravar “Never Say Die!” quase todo no Canadá, deixando apenas parte dos trabalhos para concluir em casa.

Diversificado, o disco trouxe saxofonistas regidos por Wil Malone em “Over to You”; a primeira e última tentativa de Tony Iommi de fazer vocais de apoio em “A Hard Road”; e a jazzística “Swinging the Chain” — uma das faixas coescritas por Dave Walker —, cantada por Bill Ward após Ozzy Osbourne se recusar a fazê-lo.

No fim das contas, Ozzy acabou por gravar uma música coescrita por Walker: “Junior’s Eyes”, com letra reescrita por Geezer Butler. Era isso ou então não haveria material o suficiente para preencher um álbum.

Infelizmente, o álbum não chegou às lojas a tempo do início da turnê mundial que duraria de maio a dezembro para celebrar o décimo aniversário da banda, com o Van Halen abrindo — e, segundo vários relatos, engolindo a atração principal. Mas o single da faixa-título, lançado antecipadamente, alcançou a posição #21 em junho e levou o Sabbath ao programa “Top of the Pops”. Em sua autobiografia, Ozzy recorda a divertida ocasião:

“Conhecemos Bob Marley. Sempre vou me lembrar do momento em que ele saiu do camarim e literalmente não dava para ver a cabeça dele por causa da nuvem de fumaça de maconha. O cara estava fumando o maior baseado que eu já tinha visto. Fiquei pensando: ele vai ter de fazer playback, ninguém consegue tocar ao vivo depois de fumar tanto. Mas não — ele tocou ao vivo. Sem nenhum erro.”

Como Bill tinha trançado o cabelo na mesma época, todo mundo achou que o baterista estava tirando sarro de Bob. Tony assegura que não era nada disso. “Era só como ele usava o cabelo naqueles tempos”, escreve.

O que está acontecendo com o Black Sabbath?

Lançado em 29 de setembro de 1978, “Never Say Die!” torceu alguns narizes e vendeu muito mal nos Estados Unidos, mas chegou à 12ª posição nas paradas na Grã-Bretanha. Para Tony Iommi, o disco “estava condenado do início ao fim”:

“Levamos tempo demais para gravar o ‘Never Say Die!’. Simplesmente nos arrastamos, eu acho. Foi um trabalho complicado, que exigiu mais esforço do que antes. Nas circunstâncias nas quais nos metemos, ficava muito difícil fazer um álbum, e senti muito a pressão da situação. Foi caro também. Não somente o estúdio, mas é que também tivemos que morar lá [no Canadá].”

O guitarrista também elucida o fato de Ozzy Osbourne ter saído e de o Black Sabbath ter experimentado ficar com Dave Walker:

“Desestruturou tudo. O álbum foi feito dia após dia, então não havia um formato definido. As músicas não tinham relação umas com as outras, era tão louco. O público deve ter pensado isso também: ‘O que está acontecendo?’.”

Mas ele reconhece que tudo poderia ter sido diferente:

“Teria sido muito melhor se a gente tivesse contratado um produtor. Percebemos isso com mais clareza quando trabalhamos no álbum seguinte, ‘Heaven and Hell’ (1980). Ter um produtor envolvido tira a tensão.”

Quando um show em Nashville teve que ser cancelado depois que Ozzy desapareceu — pensaram que tivesse sido sequestrado, até que ele foi encontrado dormindo no quarto de hotel errado — foi a última pá de cal para o vocalista, que, demitido, obteve sucesso mundial como artista solo. E o Sabbath, para o seu lugar, recrutou ninguém menos que o ex-vocalista do Rainbow, Ronnie James Dio.

Black Sabbath — “Never Say Die!”

  • Lançado em 28 de setembro de 1978 pela Vertigo
  • Produzido pelo Black Sabbath

Faixas:

  1. Never Say Die
  2. Johnny Blade
  3. Junior’s Eyes
  4. A Hard Road
  5. Shock Wave
  6. Air Dance
  7. Over to You
  8. Breakout (instrumental)
  9. Swinging the Chain

Músicos:

  • Ozzy Osbourne (vocais)
  • Tony Iommi (guitarra, backing vocals na faixa 4)
  • Geezer Butler (baixo, backing vocals na faixa 4)
  • Bill Ward (bateria, vocal na faixa 9, backing vocals na faixa 4)

Músicos adicionais:

  • Don Airey (teclados)
  • Jon Elstar (gaita na faixa 9)
  • Wil Malone (arranjos de metais)

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Twitter | Threads | Facebook | YouTube.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioCuriosidades“Never Say Die!”, o último capítulo da era clássica do Black Sabbath
Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades