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Como “Saints of Los Angeles” levou o Mötley Crüe do caos à redenção

Baseado na autobiografia best-seller “The Dirt”, nono álbum de estúdio da banda se tornou o seu mais vendido em quase 17 anos

Outrora afamado como a banda mais hedonista do rock, o Mötley Crüe passou os anos 1980 em um turbilhão de porres homéricos, acidentes de carro e overdoses quase fatais de heroína. Tudo bem, afinal seus discos lançados no período vendiam na casa dos milhões de cópias.

Avancemos para a década de 1990. Em meio a separações, sex tapes vazadas e sentenças de prisão, o grupo perdeu o rumo. Para piorar, os álbuns dessa época tiveram baixíssimas aceitação e expressão em vendas.

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Resumindo, o Crüe estava em frangalhos, lutando para recuperar sua popularidade em declínio quando, em 2001, lançou sua autobiografia, “The Dirt”, escrita em conjunto com o jornalista Neil Strauss, e entrou na lista dos mais vendidos do jornal New York Times; uma referência para o mercado editorial global.

Enquanto fazia planos para adaptar o livro em filme — algo que só se tornaria realidade em 2019 —, o grupo resolveu, então, lançar um álbum ligeiramente baseado na obra. Tanto que o título provisório, finalmente descartado, de “Saints of Los Angeles”, era “The Dirt”.

Altos e baixos na virada do milênio

Até o lançamento de “Saints of Los Angeles”, “Generation Swine” (1997) havia sido o último álbum de estúdio do Mötley Crüe com sua formação original: Vince Neil (vocais), Mick Mars (guitarra), Nikki Sixx (baixo) e Tommy Lee (bateria).

Alegando, entre outras coisas, que o rock estava morto e decidido a seguir carreira solo, Lee pediu o boné em 1999. Para seu lugar, a banda recrutou o ex-baterista de Ozzy Osbourne, Randy Castillo, e lançou “New Tattoo” em julho de 2000.

Quis o destino, porém, que a parceria não durasse. Antes do início de uma vindoura turnê com o Megadeth, Castillo adoeceu — ele acabaria morrendo de câncer em 26 de março de 2002 —, obrigando o Mötley a levar Samantha Maloney, ex-Hole, para a estrada. Com ela nas baquetas, foi gravado o DVD “Lewd, Crüed & Tattooed” (2001).

Após a morte de Castillo, o Mötley entrou em um hiato durante o qual Neil lançou o ao vivo “Live at the Whisky: One Night Only” (2003), Sixx formou o Brides of Destruction com o guitarrista Tracii Guns (L.A. Guns) e Mars, que sofre de uma doença degenerativa chamada espondilite anquilosante, aproveitou para se tratar.

Em 2004, começaram os clamores por uma reunião. Não demorou até Lee retornar e Neil e Sixx começarem a compor músicas novas.

O início da turnê denominada Better Live Than Dead coincidiu com o lançamento da coletânea dupla “Red, White & Crüe”, que trazia as faixas inéditas “If I Die Tomorrow”, “Sick Love Song” e “Street Fighting Man” (cover dos Rolling Stones).

Na sequência vieram outras turnês, mas nenhuma música nova foi gravada. Pelo menos não pelo Mötley. Pelo menos não pelos próximos quatro anos.

“Muitas guitarras e letras cafajestes”

O ano de 2007 foi dos mais movimentados e produtivos para Nikki Sixx. Isso porque além de ter estreado como autor em “The Heroin Diaries”, formou, com o vocalista James Michael e o guitarrista DJ Ashba, o Sixx:A.M. Seu primeiro álbum, homônimo ao livro, é como se fosse uma trilha sonora baseada no mesmo.

Só que mais do que parceiros num projeto secundário, Sixx encontrou em Michael e Ashba os coautores e coprodutores ideais para o próximo empreendimento que levaria o nome do Mötley Crüe. Junta-se ao trio, coassinando as treze faixas de “Saints of Los Angeles” e também a produção do álbum, o hitmaker Marti Frederiksen — cujo talento para a escrita o tornou colaborador frequente do Aerosmith de “Nine Lives” (1997) em diante.

Hoje sabe-se que a contribuição de Ashba foi muito além das supracitadas searas; foi ele o responsável pelo grosso das guitarras que se ouve em “Saints”. Porém, na época do lançamento do disco, em entrevista ao Calgary Herald, do Canadá, Sixx comparou a gravação deste a dos álbuns clássicos da banda:

“Não eram quatro caras sentados em uma sala coçando a cabeça tentando criar músicas. Essas músicas foram escritas e então toda a banda as transformou em músicas do Mötley Crüe. Isso é o que fizemos em álbuns como ‘Shout at the Devil’, ‘Too Fast for Love’ e ‘Dr. Feelgood’.”

Na mesma entrevista, o baixista ressalta que teve por objetivo a sonoridade que consagrou o Mötley nos anos 1980; algo que havia sido jogado para escanteio em álbuns como o homônimo, de 1994, e os supracitados “Generation Swine” e “New Tattoo”.

“Eu queria ouvir muitas guitarras e letras cafajestes. Nada de loops ou samplings. Não quero soar como Nine Inch Nails, Jay-Z, Rage Against the Machine ou Gwen Stefani. Não quero soar ‘cabeça’ demais ou pasteurizado demais. Mick e eu só queríamos soar como a p#rra do Mötley Crüe.”

A propósito de letras…

Por mais que Nikki Sixx tenha afirmado que cada uma das tais “letras cafajestes” equivale a uma passagem específica de “The Dirt” — “algumas engraçadas, outras, sérias e diretas”, segundo ele —, em termos de temática a abordagem é muito mais ampla e retrata a história do Mötley Crüe como um todo. O foco está nas experiências da banda na cidade de Los Angeles, suas lutas e seu estilo de vida decadente.

Em entrevista ao Rhapsody, Vince Neil, porém, salientou que o repertório de “Saints of Los Angeles” obedece a uma ordem cronológica definida por “The Dirt”:

“Se você ouvir a primeira música, que é ‘Face Down in the Dirt’, nela somos apenas um bando de zés-ninguéns que tocam no Whisky [A Go Go, famosa casa noturna de L.A.]. Então assinamos um contrato de gravação e vem ‘Welcome to the Machine’ — sendo ‘a máquina’ a indústria fonográfica.”

Neil ainda acrescenta que “Chicks = Trouble” (“Garotas = Problemas”, em português) é “autoexplicativa” e que não é à toa a última música se chamar “Goin’ Out Swingin’” (“Indo para cima com tudo”, em português), cuja letra classifica o Mötley, entre outras coisas, como “imparável”.

Ao ArtistDirect.com, Mick Mars corrobora com o colega ao afirmar que a intenção, desde o início, era fazer um álbum conceitual:

“Em vez de fazermos apenas mais um álbum, queríamos ter um conceito que amarrasse as músicas, então usamos o ‘The Dirt’ como referência temporal. [As letras acabaram falando sobre como] desde 1981 nos metemos em brigas, acordamos de ressaca na cama de mulheres estranhas, tomamos pico, enchemos a cara… enfim, todas as coisas que você faz se é uma banda de rock de verdade!”

Embora não façam referência a nenhum episódio em particular, músicas como “White Trash Circus” e “The Animal in Me” podem ser lidas como crônicas a respeito de comportamentos autodestrutivos — irresponsabilidade, desleixo e falta de higiene são traços frequentemente associados ao chamado “white trash”, que é o tratamento que pessoas brancas consideradas socialmente inferiores recebem da “elite” — e, em especial, a dependência química.

“Um dos melhores que já fizemos”

Quando perguntado pelo Solid Rock, da Grécia, sobre o que achava de “Saints of Los Angeles”, Tommy Lee destacou o conjunto da obra:

“Acho que o álbum definitivamente tem seus momentos raiz, tem seus momentos modernos e acho que isso é importante para nós. Nós sempre seguimos em frente, mas ainda assim os fãs gostam de referências às velharias. Dito isso, acho que o álbum tem todas essas qualidades.”

Lançado em 17 de junho de 2008 no Japão e uma semana depois nos Estados Unidos e no resto do mundo, “Saints of Los Angeles” provou que o Mötley Crüe ainda era capaz de fazer músicas que rivalizassem com seus clássicos em apelo aos olhos dos fãs. O disco se tornou o mais vendido da banda em quase 17 anos: estreou em 4º lugar na parada da Billboard e teve cerca de 100 mil cópias comercializadas nos EUA em sua primeira semana.

Mesmo em sua maioria positivas, as resenhas quase sempre prezaram por um tom de galhofa. “A voz de Vince Neil soa jovem e vibrante; você nunca diria que ele fez botox mais vezes do que [a apresentadora de TV] Kelly Ripa”, escreveu James Greene Jr. no PopMatters. Já a Rolling Stone, depois de elencar as baixarias que serviram de pano de fundo para o álbum, arremata da seguinte forma: “Curiosamente, até este momento, todos os quatro membros do Mötley Crüe ainda estão vivos”.

Apresentando backing vocals de Josh Todd (Buckcherry), Jacoby Shaddix (Papa Roach), Chris Brown (Trapt) e James Michael, a faixa-título foi o grande sucesso. O lançamento simultâneo com o game “Rock Band” fez do Mötley a primeira banda a disponibilizar um single por tal meio. De acordo com dados divulgados pelo management, “Saints of Los Angeles” foi baixada mais de 47 mil vezes por meio do jogo na plataforma Xbox em seus primeiros sete dias online.

“Saints”, a música, ainda rendeu em 2009 uma indicação ao Grammy na categoria Melhor Performance de Hard Rock. Contudo, o prêmio ficou com “Wax Simulacra”, do The Mars Volta.

Na estrada, a divulgação teve como carros-chefes o Crüe Fest — giro de mais de 40 datas pela América do Norte que gerou US$ 40 milhões de receita e virou um DVD, homônimo, lançado em 2009 — e o show no Download Festival, para um público de cerca de 120 mil pessoas, na Inglaterra.

Às vésperas dos compromissos acima, Nikki Sixx verbalizou em poucas palavras seu sentimento em relação a “Saints” para o MetalMonthly.com:

“Acho que é um dos melhores discos que já fizemos!”

Sem dúvida, Frank. Sem dúvida.

Mötley Crüe — “Saints of Los Angeles”

  • Lançado em 24 de junho de 2008 pela Mötley Records / Eleven Seven Music
  • Produzido por James Michael, Nikki Sixx e DJ Ashba (Sixx:A.M.)

Faixas:

  1. L.A.M.F.
  2. Face Down in the Dirt
  3. What’s It Gonna Take
  4. Down at the Whisky
  5. Saints of Los Angeles
  6. Mutherfucker of the Year
  7. The Animal in Me
  8. Welcome to the Machine
  9. Just Another Psycho
  10. Chicks = Trouble
  11. This Ain’t a Love Song
  12. White Trash Circus
  13. Goin’ Out Swingin’

Músicos:

  • Vince Neil (vocal)
  • Mick Mars (guitarra)
  • Nikki Sixx (baixo)
  • Tommy Lee (bateria)

Músicos adicionais:

  • James Michael (teclados, backing vocals)
  • Marti Frederiksen, Melissa Harding (backing vocals)
  • Josh Todd, Jacoby Shaddix, James Michael, Chris Taylor Brown (backing vocals na versão gang vocal de “Saints of Los Angeles”)
  • DJ Ashba (guitarra rítmica, não creditado)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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