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Ritchie celebra “Voo de Coração” e mais com show carismático e impecável em SP

Apresentação para um Cine Joia lotado trouxe álbum best-seller quase na íntegra e revisitou diversos outros momentos da trajetória do inglês

O tempo parece ter feito justiça a Ritchie. Definido tantas vezes como um “mero” one-hit wonder – por aqueles que ignoraram a história – cuja obra estaria relegada ao contexto da década de 1980, o inglês mais brasileiro de todos os tempos provou o oposto disso na noite da última quinta-feira (25), no Cine Joia, em São Paulo.

Para início de conversa, dificilmente um one-hit wonder conseguiria lotar uma casa para 1,5 mil pessoas em uma gélida quinta-feira – o clima sequer faria diferença, já que 95% dos ingressos já estavam vendidos antecipadamente. Nem reuniria um público que, embora majoritariamente mais velho, trazia fãs em idades variadas. Muitos deles pareciam ter a mesma ou menor idade que “Voo de Coração”, álbum cujos 40 anos seriam celebrados naquela ocasião.

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Mesmo que o próprio Ritchie tenha brincado em dado momento da apresentação que “Voo de Coração” seja seu único disco que as pessoas presentes teriam em suas casas, canções de outros trabalhos também fizeram a plateia cantar junto, dançar, acompanhar nas palmas e tudo o mais. Até o artista, no alto de seus 71 anos, parecia impressionado com isso.

*Fotos de Andre Santos / @andresantos_mnp. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Começando mais cedo

Ritchie, aliás, provocou um fenômeno que nunca vi até hoje na agora pontual São Paulo: começou seu show mais cedo que o planejado; 20 minutos, especificamente. É verdade que o anúncio da apresentação enganou muita gente: flyer e link de vendas online indicavam o horário das 20h30, sem especificar que era para abertura dos portões, não o início da apresentação, agendado de fato para 22h. Ainda assim, impressionou o fato de o Cine Joia estar lotado às 21h e o público gritar “começa, começa” a cada intervalo entre músicas da discotecagem.

Às 21h40, o artista subiu ao palco com sua banda formada por Hugo Hori (sax e flautas), Eron Guarnieri (teclados e direção musical), Renato Galozzi (guitarra), Igor Pimenta (baixo) e Luis Capano (bateria) – os três primeiros vinculados ao Funk Como Le Gusta. “No Olhar” abriu os trabalhos trazendo o frontman de capuz e mostrando de forma vívida como essa canção poderia se tornar um clássico do AOR se cantada em inglês e lançada nos Estados Unidos no mesmo ano de 1983.

Foto: Andre Santos

A sequência com “A Vida Tem Dessas Coisas”, em uma versão de instrumental mais delicado que a original, até fez pensar que o álbum “Voo de Coração” seria executado integralmente e na ordem. Porém, Ritchie – já sem capuz desde o início da segunda canção – tratou de deixar claro: embora estivesse celebrando os 40 anos do disco e de sua própria carreira, não iria cantar apenas as faixas dele. Seria um voo mais longo e de mais conexões, no fim das contas.

As quatro canções seguintes seriam a prova disso. “Lágrimas Demais”, de veia mais pop rock século 21, foi trazida do álbum “Auto-Fidelidade”, que marcou o retorno do artista após um hiato. Um som de chuva introduziu a funky “A Mulher Invisível”, faixa de “E a Vida Continua” (1984) que botou todo mundo pra dançar. “Loucura e Mágica”, do trabalho homônimo de 1987, foi talvez a primeira grande baladona da noite e provou como a voz do britânico segue preservada.

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Storytelling

Antes de “Shy Moon”, o protagonista apresentou sua outra faceta: a de contador de histórias. Levou alguns minutos para contar, de forma divertida, como a música em questão foi gravada com Caetano Veloso durante uma madrugada (o inferno para um sujeito diurno como ele), com Elza Soares e Regina Casé no estúdio, e transformou-se em hit. A releitura executada foi marcada por uma abordagem ligeiramente mais progressiva e climática. Ritchie deu show de fôlego, já que alternava entre vocais e flauta praticamente sem intervalos.

Foto: Andre Santos

“Voo de Coração” voltou a ser homenageado com a faixa-título, gravada originalmente com Steve Hackett (Genesis) na guitarra e dona de um fraseado inicial que inspirou muitas duplas sertanejas nos anos seguintes. E vamos de história novamente: o inglês relembrou de quando se apresentou em Crato (CE), junto de Léo Jaime, improvisando com apenas um violão porque uma tempestade derrubou o palco do evento. Desde sua chegada à cidade, perguntavam se ele iria executar “Telenotícias”, canção do álbum “Circular” (1985) que, segundo relatos, “superou ‘Menina Veneno’” nas rádios locais. Resgatada para aquela noite, a canção tem uma pegada tão deliciosamente brega a ponto de arrancar risadas do próprio artista.

Também datada, mas nem tanto, a carismática “Preço do Prazer” contou com reações mais entusiasmadas da plateia, ainda que backing vocals mais presentes tenham feito falta – quando apareceram, pareciam ser oriundos de material pré-gravado. Mais uma história: Ritchie relembrou a formação do Tigres de Bengala, projeto ativo entre 1993 e 1994 com Cláudio Zoli, Vinícius Cantuária, Billy Forghieri (Blitz), Mú e Dadi (ambos A Cor do Som). Do único álbum do grupo, ele apresentou “Agora ou Jamais”, trilha da novela “Olho no Olho” (1993) e talvez a canção mais inegavelmente brasileira do set.

Outro causo, vai… antes de interpretar sua versão para “Mercy Street”, foi a vez do artista revelar, com inserções bem-humoradas à parte, ter sido procurado pela gravadora Som Livre para regravar a faixa de Peter Gabriel, trilha da minissérie “O Sorriso do Lagarto” (1991) de forma mais idêntica possível. O motivo? O ex-Genesis havia colocado em contrato que sua voz não poderia ser usada em coletâneas. De volta a 2023, a execução se destacou por ter se tornado ainda mais climática, além da fidelidade na parte percussiva, com direito a Luis Capano usando baquetas com ponta em feltro para reproduzir o efeito original.

Hit atrás de hit

O terço final do show ficou reservado aos grandes hits. Carro-chefe do álbum “E a Vida Continua”, “Só Prá o Vento” voltou a contradizer Ritchie com relação ao público conhecer (ou ter comprado) apenas “Voo de Coração”: a ensolarada canção foi devidamente acompanhada pela plateia e ainda trouxe o protagonista com um chapéu praiano. Só não combinou o vinho degustado em meio às passagens instrumentais, mas exigir que ele tomasse cerveja ou água de coco seria um pouco demais.

Talvez a melhor da noite, “Casanova” voltou a ter um show na parte instrumental – aliás, a banda do inglês se mostrou muito competente não só em execução, como também em escolha de timbres. Até mesmo a breguinha “Pelo Interfone” não ficou tão datada nas mãos do quinteto – e mesmo que soasse de tal forma, o público estava totalmente entregue à diversão proporcionada pela música e pelo carisma de Ritchie, que, com a ajuda de efeitos, até emulava uma voz sob efeito de interfone.

Passado mais um longo relato, agora com histórias da década de 1970 sobre como veio parar no Brasil – e como nada disso seria possível sem a presente Lucinha Turnbull –, o artista partiu para os números finais do set regular, devidamente emendados: “Transas”, surpreendentemente aclamada, e “Menina Veneno”, que, em roupagem um pouco mais atualizada e num tom mais grave que o original, colocou abaixo o Cine Joia. Por mais que todo o repertório tenha sido bem recebido, a impressão era de que se Ritchie decidisse cantar seu maior hit outras cinco vezes naquela noite, provocaria o mesmo efeito em todas as ocasiões.

O britânico e seu quinteto deixaram o palco imediatamente após o fim da canção, às 23h10. Sob pedidos de “mais um”, retornaram pouco mais de um minuto depois para um bis de três músicas: “Elefante Branco”, original do Tigres de Bengala; “You’ve Lost That Lovin’ Feeling”, baladaça do Righteous Brothers dedicada ao músico e jornalista Rodrigo Rodrigues – “uma homenagem a um amigo que, como tantos outros, perdeu a vida desnecessariamente durante a pandemia”, reflete o artista –; e, após agradecimentos a todos da produção e equipe técnica citados nominalmente um a um, “Um Homem em Volta do Mundo”, outra lentinha que talvez só não servisse como encerramento, mas não desagradou.

Para a felicidade de quem não pôde estar presente, este showzaço também poderá ser conferido em outras datas a partir de agosto. Há compromissos marcados em várias outras cidades (clique aqui), um deles abrindo para o parceiro musical Steve Hackett em Niterói. De coração, vale a pena pegar esse voo.

*Fotos de Andre Santos / @andresantos_mnp. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.

Ritchie – ao vivo em São Paulo

  • Local: Cine Joia
  • Data: 25 de maio de 2023

Repertório:

  1. No Olhar
  2. A Vida Tem Dessas Coisas
  3. Lágrimas Demais
  4. A Mulher Invisível
  5. Loucura e Mágica
  6. Shy Moon (gravada com Caetano Veloso)
  7. Voo de Coração
  8. Telenotícias
  9. Preço do Prazer
  10. Agora ou Jamais (gravada com Tigres de Bengala)
  11. Mercy Street (gravada originalmente por Peter Gabriel)
  12. Só Prá o Vento
  13. Casanova
  14. Pelo Interfone
  15. Transas
  16. Menina Veneno

Bis:

  1. Elefante Branco (gravada com Tigres de Bengala)
  2. You’ve Lost That Lovin’ Feeling (gravada originalmente pelo Righteous Brothers)
  3. Um Homem em Volta do Mundo

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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