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A ascensão solo de Rita Lee com o álbum “Fruto Proibido”

Ela não era habilidosa o suficiente para Os Mutantes, era rock demais para a MPB e não se adequava aos padrões de cantoras brasileiras, mas era mais legal que todo mundo

Rita Lee se foi na última segunda-feira (8), mas Rita Lee nunca nos deixará. A marca deixada pela cantora na música brasileira é eterna, através de seu trabalho n’Os Mutantes e carreira solo. Foi capaz de antecipar modas de rock, disco e pop, se mantendo não só relevante como também vital por mais de 50 anos na cultura do país.

Entretanto, teve uma época que muita gente cometeu o erro de não acreditar no seu talento. Ela foi dispensada d’Os Mutantes e relegada a segundo escalão na indústria musical por não se adequar a padrões de MPB.

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A resposta dela? Montou sua própria banda de apoio e lançou “Fruto Proibido”, um dos discos mais importantes da história do rock brasileiro.

Mutações

Existem várias histórias conflitantes sobre a saída de Rita Lee d’Os Mutantes. A cantora já havia lançado o disco solo “Build Up” em 1970, baseado no repertório de uma apresentação exclusiva para uma feira de moda em São Paulo, que continha parcerias de composição dela com seu então marido, Arnaldo Baptista. 

Em 1972, Os Mutantes lançaram “Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets”, tecnicamente o último disco de Rita na banda. Essa denominação existe porque “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida”, segundo álbum solo da cantora, lançado no mesmo ano, foi na verdade gravado pela banda inteira e apenas lançado sob o nome dela devido a questões com a Polydor.

A realidade era que André Midani, todo-poderoso da Phillips, gravadora dona do selo, não queria investir em dois discos d’Os Mutantes em um ano. Assim, preferiu apostar no carisma de Rita Lee como artista solo.

Nesse período, o casamento de Rita com Arnaldo Baptista havia chegado ao fim. As tensões entre os dois se manifestavam não somente na dimensão de um casal se separando, mas também de colaboradores querendo ir por caminhos diferentes.

Arnaldo e seu irmão, Sérgio Dias, queriam levar o grupo para um caminho mais progressivo, influenciado por bandas como Yes e Emerson, Lake & Palmer. Em “Rita Lee: Uma autobiografia”, a cantora alega que foi vítima dessa ambição: 

“Voltando aos finalmentes dos Mutas: minha saída do grupo aconteceu bem nos moldes de ‘o noivo é o último a saber’, no caso, a noiva. Depois de passar o dia fora, chego ao ensaio e me deparo com um clima tenso/denso. Era um tal de um desviar a cara pra lá, o outro olhar para o teto, firular um instrumento e coisa e tal. Até que Arnaldo quebra o gelo, toma a palavra e me comunica – não nessas palavras, mas o sentido era o mesmo – que naquele velório o defunto era eu. ‘A gente resolveu que a partir de agora você está fora dos Mutantes porque nós resolvemos seguir na linha progressiva-virtuose e você não tem calibre como instrumentista’.”

Faixa de “Tudo Foi Feito pelo Sol”, primeiro álbum d’Os Mutantes sem Rita Lee

A saída de Rita Lee d’Os Mutantes foi alvo de muitos relatos conflitantes ao longo dos anos, com certas pessoas alegando ela ter pulado fora do barco por vontade própria. Porém, em 2007, Arnaldo admitiu ao Whiplash:

“Mandei a Rita embora dos Mutantes. Ela era uma banana!”

Numa entrevista para Bruna Lombardi no programa “Gente de Expressão” em 1992 (transcrição via Whiplash), Rita deu uma análise mais profunda sobre as razões de sua demissão:

“O grupo rompeu por vários motivos. O Gil e o Caetano tinham sido exilados. Nossos gurus tinham ido embora. Eu falei para nós fazermos nosso som. Afinal, eles tinham nos ensinado tudo. Ensinaram a compor em português, fazer arranjo, cantar o Brasil. Mas o pessoal da banda decidiu ir para outro lado. Decidiram fazer música progressiva tipo Yes, Emerson, Lake & Palmer. Eles eram ótimos músicos e eu era a intuitiva da coisa. Eu achava que podia tocar por intuição. Comprava meus tecladinhos e tudo. Mas aí não podia. Tinha que ser uma coisa mais técnica. Aí de repente eles me convidaram para me retirar dos Mutantes. Comigo, acho que saiu o humor.”

Recuperando a confiança

Expulsa d’Os Mutantes, Rita voltou a morar com os pais. Em “Rita Lee: Uma autobiografia”, ela detalhou um plano de dizer aos pais uma história mirabolante para justificar seu retorno, mas no fim a vulnerabilidade falou mais alto e ela disse a eles:

“Me expulsaram da banda e antes que a solidão me atirasse embaixo de um caminhão, lembrei que vocês talvez pudessem me acolher de volta. Juro que é por pouco tempo.”

Rita se estabeleceu no porão da casa da família, onde se pôs a lamber as feridas. Com o tempo, canções começaram a aparecer aos poucos, mas ainda não parecia aparecer a oportunidade ou a ideia certa de como apresentá-las.

Isso mudou em maio de 1973, quando ela recebeu o convite de abrir o show d’Os Mutantes no festival Phono 73, organizado pela gravadora Phonogram. Rita, contudo, não parecia inclinada a fazer uma estreia solo de fato, como escreveu em “Rita Lee: Uma autobiografia”:

“Minha primeira ideia foi formar uma dupla de bufões, eu e Bellonzi, ensaiaríamos uma coreografia surreal para dublar Frank Zappa. Mick [Killingbeck, então empresário d’Os Mutantes] lembrou a tempo: ‘não se trata de festival de teatro, é um evento musical. Se vira!’.”

A solução foi recrutar a guitarrista Lúcia Turnbull, amiga sua desde os tempos d’Os Mutantes. O nome escolhido para o projeto foi Cilibrinas do Éden e as duas se apresentaram no festival para uma apatia inicial do público que deu lugar a vaias, segundo “Rita Lee: Uma autobiografia”:

“Composições minhas, como ‘Mamãe natureza’, ‘Bad trip’ (que tempos depois virou ‘Shangrilá’), ‘Jardim do Éden’ (metida a gospel lisérgico), uma e outra de Seals & Crofts, enfim, um repertório fofinho e tolinho. Para completar, inventamos de nos vestir a caráter, Lúcia num violão usando asinhas de anjo, eu no outro com antenas de joaninha. Em ‘Mamãe natureza’ rolou uma chuvinha de papel no palco, uma vaia aqui e acolá. Aguentamos firmes. Na segunda música, as vaias se transformaram em trovão e, antes que um raio caísse sobre nossas cabeças, recolhemos os cacos da insignificância e saímos rapidinho de cena. Sucesso catastrófico. Convenhamos, quem aguentaria ouvir duas fadinhas enfadonhas cantando tchururus antes de uma banda de rock progressivo?”

Apesar de tentativas de viabilizar o projeto, as Cilibrinas não deram certo. Violão não era o caminho, mas sim a guitarra. Rita e Turnbull recrutaram os roqueiros do Coqueiro Verde – formado pelo guitarrista Luis Sérgio Carlini, o baixista Lee Marcucci e o baterista Emilson Colantonio – e os renomearam Tutti Frutti em homenagem ao espetáculo idealizado pela cantora para lançar sua carreira solo.

Ela assinou um contrato com a Phillips para lançar sua estreia pós-Os Mutantes. Uma tentativa de gravar inicialmente não deu certo, como ela detalha em “Rita Lee: Uma autobiografia”

“Nas três semanas que passamos lá a rotina era a mesma; ácido no café da manhã, à tarde gravar viajandando no estúdio da PolyGram e à noite capotar exaustos no hotel. Contando assim parece que eu lembro tudinho o que aconteceu, dessa aventura nenhuma polaroide sobrou, tomei todas. O disco-Titanic, que se chamava apenas ‘Tutti Frutti’, naufragou antes mesmo de zarpar. A trip da ‘cantora queridinha do boss’ resultou num sonoro cemitério psicodélico e foi sumariamente recusado pela gravadora. Pudera! Gravar um disco inteiro viajando de ácido dá nisso. A rotação do tempo é de outro mundo, tipo Darth Vader se afogando na areia movediça. Não recomendo misturar as experiências.

Ainda tive a cara de pau de ir troncha até a sala de André Midani cobrar satisfação pelo cancelamento. Como não estava, sentei bufando na sala de espera. Nesse momento, quem entra lá também espumando à procura do boss? Tim Maia (sempre ele). Foi orientado pela secretária a pegar senha e sentar junto comigo. Papo vai, papo vem, soube que ele estava puto porque a foto da capa do seu novo disco não foi a de sua escolha. A cena seguinte entrou para o folclore: Tim & Rita indignados + Tim & Rita mal-educados + Tim & Rita com pavio curto = Tim & Rita passaram batidos pela mesa da secretária, invadiram a sala do patrão e alopraram o lugar. Tim, mais forte, atirou as cadeiras na parede e virou a mesa, enquanto eu passava o rodo nas prateleiras. Dois caubóis destruindo o saloon quando o xerife estava ausente.”

Uma segunda tentativa rendeu o álbum “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”, lançado em 1974. Apesar do disco conter um hit na forma de “Mamãe Natureza”, constantes problemas na forma de lançamento de material sem autorização e a remixagem de “Menino Bonito” sem o conhecimento da banda fadaram a relação entre Rita e a Phillips ao fracasso.

Liberdade criativa

Rita Lee e o Tutti Frutti saíram da Phillips, mas logo encontraram um lar na Som Livre, com liberdade criativa total, cortesia de João Araújo, presidente da gravadora.

Contudo, nisso o grupo estava passando por um período conturbado nos bastidores. Lúcia Turnbull saiu em meio a brigas constantes com Luis Sérgio Carlini e um senso geral de machismo relacionado a uma mulher tocar guitarra numa banda de rock. Emilson Colantonio, por sua vez, foi substituído na bateria por Franklin Paolillo.

Rita e a banda se enfurnaram numa casa à beira da represa de Ibiúna para os ensaios. O inglês Andy Mills, ex-técnico de som de Alice Cooper, também morava com eles e pilotou a produção do disco, que a cantora discute em “Rita Lee: Uma autobiografia”:

“O disco ‘Fruto Proibido’ foi gravado no estúdio Eldorado na rua Major Quedinho, centrão de Sampa. Boas parcerias com Paulo Coelho (recém-separado de Raul) como ‘Esse tal de roquenrou’, descrevendo a cena engraçada da mãe que confessa ao psiquiatra as esquisitices da filha com um tal de “roque sei lá das quantas’. São nossas também o blues ‘Cartão-postal’, uma das letras que mais gosto de Paulinho, e ‘O toque’, de inspiração cósmica. Promissoras parcerias com os Fruttis em ‘Agora só falta você’ (com Luis) e ‘Pirataria’ (com Lee). E composições minhas como ‘Dançar pra não dançar’, ‘Luz del Fuego’, ‘Fruto proibido’ e ‘Ovelha negra’. Um disquinho bacaninha, lá estava eu botando minhas asinhas pra fora num ambiente mezzo machista, ma non troppo. Gosto muito desse trabalho, considerado por muitos como um divisor de águas do rock brazuquês, apesar da breguice do nome ‘Fruto proibido’.”

“Fruto Proibido” era basicamente Rita Lee seguindo os ensinamentos de Caetano e Gil citados anteriormente. Pode ser rock influenciado por blues e música americana, mas é indiscutivelmente brasileiro. 

Quando saiu, em junho de 1975, “Fruto Proibido” marcou uma volta por cima gigantesca de Rita, após anos de sofrer sendo preterida pelos Mutantes e com as interferências de executivos de gravadoras tentando moldá-la numa artista feminina mais tradicional. Quando ela pôde ser si mesma, vendeu 150 mil cópias, um recorde para rock no país.

“Ovelha Negra”, “Agora Só Falta Você” e “Esse Tal de Roqu Enrow” se tornaram não somente hits, mas canções onipresentes na época, deixando uma marca profunda na cultura brasileira, a ponto de “Fruto Proibido” ser reconhecido como o 16º melhor disco brasileiro de todos os tempos pela Rolling Stone Brasil.

E mesmo assim, era apenas o começo. Ao longo dos 48 anos seguintes, Rita parecia estar sempre na crista da onda pop, capaz de perceber onde ir antes de qualquer um, se mantendo não só bem sucedida comercialmente, mas com uma reputação irretocável.

Mesmo tendo se retirado da vida pública, ela continuou sendo uma figura adorada pelos brasileiros, pois ela era um símbolo da rebeldia e do bom humor que nós gostamos de celebrar no nosso povo.

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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