O C6 Fest, novo festival de música realizado em São Paulo e Rio de Janeiro, apostou alto logo em sua primeira noite em território paulistano. Bancou a presença de artistas que estão renovando gêneros como o rock, o pop e o jazz, mas que ainda não são tão conhecidos.
Apesar do risco, a qualidade falou mais alto. Mesmo sem um grande público no Parque Ibirapuera, o pontapé inicial do evento foi com performances de excelência.
Expoentes da nova geração britânica, como Dry Cleaning (indie / art rock), Arlo Parks (pop / neo soul / R&B) e Nubya Garcia (jazz), além do guitarrista californiano Julian Lage, um prodígio do instrumento no campo jazzístico, foram os destaques da sexta-feira (19) e deram o tom que deve prevalecer no festival: o da renovação e mescla de estilos.
No sábado e domingo ainda se apresentam no C6 Fest bandas como The War on Drugs, Mdou Moctar, Weyes Blood, Black Country, New Road e Samara Joy, assim como Caetano Veloso e os veteranos do eletrônico alemão, Kraftwerk.
Dry Cleaning
O show que inaugurou, de fato, o C6 Fest em São Paulo foi da cantora baiana Xênia França (foto abaixo), às 17h. O horário não era dos mais propícios, mesmo se tratando de uma sexta-feira.
Desta forma, a primeira apresentação a que assistimos foi do Dry Cleaning, banda inglesa mezzo indie, mezzo art rock, passando pelo pós-punk.
Formado em 2018, o quarteto oriundo do sul de Londres teve aclamado seu álbum de estreia, “New Long Leg” (2021), e no ano passado lançou o sucessor “Stumpwork”, também bastante elogiado. Às 18h15 o grupo subiu ao palco para um show marcado, sobretudo, pelas caras e bocas da vocalista Florence Shaw.
Toda de preto, com trejeitos calculados e praticamente imóvel no centro do palco, a não ser para ajeitar o enorme cabelo e tomar alguma coisinha, Florence atrai as atenções com facilidade. O olhar de soslaio dá um ar de mistério, e é inevitável não lembrar da bruxona da capa do primeiro disco do Black Sabbath.
Em contrapartida, o guitarrista Tom Dowse tem um visu completamente oposto. Ele toca de bermuda, animadão e agitando muito no palco, como se estivesse numa banda da ensolarada Califórnia. O contraste é bacana.
A única coisa que tirou Dowse do sério foi um problema técnico em sua guitarra já na última música, “Scratchcard Lanyard”. Ele abandonou o instrumento antes do fim da canção e saiu de cena pedindo desculpas. Mesmo num cenário ideal, provavelmente a banda não retornaria para um bis devido ao tempo, limitado a 45 minutos.
Como a vocalista Florence Shaw mais declama do que canta as letras, numa espécie de spoken word que remete tanto a Patti Smith como a Kim Gordon em algumas músicas do Sonic Youth, o som do Dry Cleaning não cresce tanto ao vivo. Tende a ficar monótono no decorrer da apresentação para quem busca espetáculo.
Para quem aprecia a proposta e as texturas criadas, é ótimo. Músicas dinâmicas como “Gary Ashby” e “Swampy” funcionaram bem, embora, no geral, a banda ainda soe mais interessante em estúdio, o que nunca é bom sinal.
*Fotos de Gabriel Gonçalves / @dgfotografia.show. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Dry Cleaning:
1. Viking Hair
2. Gary Ashby
3. Kwenchy Kups
4. Hot Penny Day
5. Her Hippo
6. Swampy
7. No Decent Shoes for Rain
8. Stumpwork
9. Strong Feelings
10. Liberty Log
11. Goodnight
12. Don’t Press Me
13. Driver’s Story
14. Unsmart Lady
15. Scratchcard Lanyard
Arlo Parks
Com capacidade para cerca de 5 mil pessoas, a tenda Heineken não chegou a lotar em momento algum no primeiro dia do C6 Fest, mas já estava bem mais ocupada quando Arlo Parks entrou em cena, às 19h30. Nascida em Londres, mas com ascendência nigeriana e francesa, a jovem de apenas 22 anos é apontada como um dos talentos mais promissores da música britânica.
Seu disco de estreia, “Collapsed in Sunbeams” (2021), ganhou inúmeros prêmios, incluindo um Grammy na categoria de Melhor Àlbum de Música Alternativa. E o segundo está prestes a sair do forno. No próximo dia 26 de maio, ela lança o aguardado “My Soft Machine” e aproveitou para apresentar seis músicas dele ao público brasileiro: “Bruiseless”, “Weightless”, “Blades”, “Pegasus”, “Impurities” e Devotion”.
Por conta desse certo ineditismo, as cancões mais celebradas acabaram sendo as já conhecidas pelos fãs, casos de “Black Dog”, “Too Good” e, principalmente, “Softly”, quando Arlo Parks encerrou a apresentação com a plateia completamente nas mãos e interagindo bastante.
De cabelo curto rosa e vestindo uma camisa larga com estampa de Bob Dylan, Arlo Parks percorreu o palco durante todo o show, completamente à vontade. Ela ressaltou várias vezes a felicidade de estar tocando no Brasil pela primeira vez, com uma sinceridade rara de se ver. A voz doce e suave cativou e fez dançar até quem não estava tão familiarizado com o som da cantora britânica.
Em “Sophie” e “Devotion”, ela também tocou guitarra. Ao contrário da música do Dry Cleaning, que desafia o ouvinte/espectador a todo instante, a de Arlo Parks se mostrou extremamente acessível, às vezes até demais, transitando de forma previsível pelo pop, R&B e neo soul. Mas pouca gente se importou com isso.
*Fotos de Gabriel Gonçalves / @dgfotografia.show. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Arlo Parks:
1. Bruiseless
2. Weightless
3. Blades
4. Caroline
5. Eugene
6. Pegasus
7. Black Dog
8. Too Good
9. Impurities
10. Sophie
11. Devotion
12. Hope
13. Softly
Tributo Zuza Homem de Mello (Orquestra Ouro Negro e convidados)
Terminado o show de Arlo Parks, restava apenas mais uma atração na tenda Heineken: Christine and the Queens. No entanto, a notícia de que o acesso ao Auditório do Ibirapuera estava liberado para a imprensa – até então, o credenciamento no local havia sido negado por conta do “número extremamente limitado de assentos disponíveis” – nos fez rumar para as apresentações de Nubya Garcia e Julian Lage.
Por conta de um atraso considerável (mas que acabou sendo agradável), quem havia acabado de subir ao palco eram os músicos da Orquestra Ouro Negro, comandada pelo violonista e arranjador Mario Adnet. No repertório, homenagens aos saudosos Zuza Homem de Mello e Moacir Santos.
Ao longo da apresentação, chamaram ao palco três convidados: o gaitista Gabriel Grossi (“instrumentista que vem numa curva ascendente incrível”, ressaltou Adnet) e as cantoras Fabiana Cozza e Mônica Salmaso. Destaque para a execução de “Caravan”, de Duke Ellington, dedicada a Zuza, e de “Ciranda”, composição de Gilberto Gil e Moacir Santos.
*Fotos de Gabriel Gonçalves / @dgfotografia.show. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Nubya Garcia
Previsto para 21h, o show da também londrina (filha de imigrantes caribenhos) Nubya Garcia foi começar quase 22h, mas a espera valeu a pena. E muito! Um dos principais nomes do jazz contemporâneo, ela segue colhendo os frutos do incrível álbum “Source”, lançado em 2020.
Nubya vem contribuindo com a expansão com jazz ao incorporar cumbia, reggae, dub e outros ritmos ao estilo e logo no início do show avisou que, quem quisesse, poderia se levantar para dançar no Auditório do Ibirapuera. E alguns, literalmente, o fizeram. Ela, inclusive, rouba a cena não só tocando seu saxofone de forma esplêndida, mas deixando o corpo se mover lentamente ao som do jazz, de um jeito hipnótico.
Nubya esteve acompanhada por uma banda impecável, com destaque para o jovem baixista Daniel Casimer. A apresentação durou cerca de 50 minutos, e o ponto alto foi o encerramento com “Pace”, com um groove pesadíssimo!
*Fotos de Gabriel Gonçalves / @dgfotografia.show. Role para o lado para ver todas. Caso as imagens apareçam pequenas, atualize a página.
Repertório – Nubya Garcia:
1. Source
2. The Message Continues
3. New Tune
4. La Cumbia Me Esta Llamando
5. Lost Kingdoms
6. Pace
Julian Lage
A surpresa da noite. Não conhecia o trabalho do guitarrista Julian Lage, logo, não estava nos planos acompanhar seu show num primeiro momento. Mas boas referências e o ótimo clima no Auditório do Ibirapuera me convenceram a permanecer para a apresentação, que teve início às 23h10.
Prodígio da guitarra, Julian tem formação acadêmica impressionante no instrumento, mas em momento algum perde tempo se gabando dela. No palco conciso e intimista, são apenas ele, o baixista Jorge Roeder e o baterista David King. O trio parte do jazz, mas não fica preso a ele e deixa todo mundo de queixo caído com a execução primorosa de músicas como “Twilight Surfer”, “Word for Word” e “Auditorium”.
Os holofotes recaem sobre Julian Lage, naturalmente, mas David King também é um monstro na bateria. Ele toca de um jeito até esquisito, pouco convencional, mas que impressiona pela capacidade de alternar ritmos e cadências.
Belíssimo show, com momentos de explosão instrumental, partes sutis e muito bom gosto, como fica claro no encerramento com “Temple Steps”. Caberia ao armênio Tigran Hamasyan fechar a primeira noite do C6 Fest, mas eu já estava mais do que satisfeito com o que presenciara ali.
Repertório – Julian Lage:
1. Twilight Surfer
2. Word for a Word
3. Castle Park
4. Auditorium
5. Temple Steps
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