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Entrevista: Hansi Kürsch conceitualiza novo álbum do Blind Guardian e mais

Em bate-papo exclusivo com o site, vocalista revisita trabalhos de outras épocas da banda e reafirma que Demons & Wizards, projeto com Jon Schaffer (Iced Earth), é página virada

Aos 56 anos — 38 dos quais dedicados ao Blind Guardian —, Hansi Kürsch é figura das mais conceituadas no nicho que sua banda ajudou a estabelecer, o power metal.

A maneira como ele inseriu a literatura de fantasia — sobretudo o universo de “O Senhor dos Anéis”, do sul-africano J.R.R. Tolkien — e as culturas celta e medieval nas suas letras mostrou que era possível, sim, fazer som técnico e pesado de alto teor cult e entrópico. Como resultado disso, o Blind se tornou uma verdadeira instituição e cada trabalho que anuncia gera enorme expectativa.

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Não foi diferente quando da divulgação de “The God Machine”, seu álbum mais recente. Mas logo nas primeiras prévias os fãs puderam notar acenos a um passado remoto, frequentemente esquecido, no qual a crueza no instrumental imperava.

Os mais saudosistas vibraram; os que já haviam se acostumado aos pomposos devaneios orquestrais provavelmente sentiram falta. Mas todos, sem exceção, reconheceram a legitimidade da proposta, que Kürsch explica em detalhes na entrevista abaixo.

Entrevista com Hansi Kürsch (Blind Guardian)

A “máquina divina” do Blind Guardian

Em entrevistas, você deixou claro que “The God Machine” se basearia em características do passado mais distante da banda. Era um desejo seu ou foi mais para atender ao que pediam os fãs dos quatro primeiros álbuns?

Sempre entregamos as qualidades desse passado, não importa se estamos falando de “A Twist in the Myth” (2006), “At the Edge of Time” (2010) ou “Beyond the Red Mirror” (2015), mas esses álbuns também continham muito elementos adicionais que culminaram no lançamento de “Legacy of the Dark Lands” (2019) como um álbum puramente orquestral. Carregamos essa ideia conosco por quase vinte anos e ela teve um impacto nos álbuns do Blind Guardian. Então, depois de lançar o “Legacy”, nos vimos livres para seguir noutra direção. E por termos tido a experiência com a orquestra, não houve necessidade de repeti-la. Por isso, nos livramos de todos os ornamentos a mais e focamos apenas nas principais qualidades dos protagonistas da banda, e, com isso, as qualidades dos anos 1990 e até dos anos 1980 ganham destaque.

De fato, “The God Machine” soa mais direto e menos “ornamentado” em comparação com os álbuns mais recentes. Pode-se dizer que, em razão disso, ele foi mais fácil de fazer?

Foi mais fácil de fazer porque tínhamos uma visão clara e compartilhada de onde queríamos chegar. Em cada álbum, os membros da banda têm uma visão – e nem sempre essa visão é compartilhada entre todos. Não foi o caso com “The God Machine”. Tivemos um ponto de partida muito bom e, a partir disso, seguimos, então foi meio que um acordo às cegas entre os membros e os demais envolvidos. Aqui nos apegamos às ideias originais e apenas adicionamos coisas se realmente sentíssemos que era necessário. O álbum é muito rico e complexo, mas, como todas as músicas seguem em uma direção, não soa elaborado como os anteriores.

A pandemia, de alguma forma, influenciou a escrita e a produção?

Nos deu um pouco mais de tempo para compor, porque estávamos entrando em estúdio quando ela começou. Nesse ínterim, criamos a música “Damnation”, que se encaixa no contexto do álbum. Mas, claro, a situação era tão frustrante que acho que deu [ao disco] uma agressividade extra, uma urgência. Para onde quer que olhasse, lá estava a pandemia, então certamente teve um impacto na minha performance individual, também. [Risos.]

Outro aspecto que chama a atenção é a arte da capa. Como ela se relaciona com o título “The God Machine” e o conteúdo?

Peter Mohrbacher é conhecido suas ilustrações de anjos e guardiões e eles são todos etéreos, divinos de alguma forma. É aqui que a primeira conexão com o título e as letras se dá. “The God Machine” representa minha visão do processo da criação; do medo da criação e da criação a partir do nada. Isso também se aplica à música do Blind Guardian. Existe aquele momento particular onde uma ideia ocorre e precisa ser expressa. Não tenho ideia de onde ela vem, a sua origem, então eu sou o “deus” disso… ou sou apenas a máquina entregando a peça musical divina. Portanto, o processo de criação da música é a própria máquina divina [“The God Machine”]. Há sempre uma força superior com a qual aquilo que crio está relacionado. É disso que se trata a máquina divina. “Life Beyond the Spheres”, por exemplo, é sobre a criação em geral; meio que aborda a teoria do Big Bang, mas de uma forma religiosa, como é o Gênese [livro da Bíblia]. Apenas conta o momento da criação e os aspectos relacionados a ela.

Referências históricas e literárias

“Deliver Us from Evil” cita nominalmente Abigail, Sarah, Bridget, Alice, Martha… são algumas das bruxas de Salém, né?

Isso mesmo, são figuras históricas dos julgamentos das bruxas de Salém, no século 17. A letra e a música são inspiradas na peça “As Bruxas de Salém” (1953), de Arthur Miller, mas também tem uma abordagem ideológica, filosófica e indicativa de que essa caça às bruxas se deu por motivos políticos ou sexuais.

Em “Damnation”, o “Chandrian” que aparece na letra é uma referência à trilogia “A Crônica do Matador do Rei”, de Patrick Rothfuss?

Exatamente. É sobre a história contada por Kote [o personagem principal].

Por fim, “Secrets of the American Gods” fala sobre “Deuses Americanos”, de Neil Gaiman, certo?

Certo. E provavelmente está relacionada a uma ideia que tive enquanto lia o livro. Fiquei boquiaberto com a ideia de deuses se tornando objetos físicos, as pessoas os levando consigo para um determinado lugar. E no caso de “Secrets of the American Gods”, se trata principalmente de Odin, que está a observar a primeira chegada de Jesus Cristo aos territórios norte-americanos. Também me cativa a ideia não apenas da encarnação de um deus, mas também de seu destino de estar conectado diretamente ao da Terra.

Esse aspecto literário é algo muito presente no trabalho do Blind Guardian desde os primeiros álbuns. Você se considera um leitor ávido?

Gosto de ler. Não é nada pelo qual eu tenha obsessão, até porque sempre estou fazendo um monte de coisas. Acho que tenho um bom faro quando se trata de histórias que me atraem e que também podem ser adequadas para o Blind Guardian. Pensando bem, pode-se dizer que sou um leitor ávido, sim. [Risos.]

Tolkien e fim do Demons & Wizards

Qual foi o livro que mudou sua vida?

Acho que foi “O Senhor dos Anéis”. É, com certeza foi “O Senhor dos Anéis”.

Já faz um tempo desde a última vez que você abordou o universo de J.R.R. Tolkien nas suas letras. A última, se não me engano, foi “Lunar Lament”, do segundo álbum do Demons & Wizards, “Touched by the Crimson King”, certo?

Naquele álbum também tem “Seize the Day”, que é parcialmente relacionada ao Tolkien. Contém muitas referências a muitas histórias, não exatamente “O Senhor dos Anéis”. Mas sim, houve um quê de “O Senhor dos Anéis” no “Touched by the Crimson King”.

Teremos mais letras relacionadas a Tolkien no futuro?

Nada é impossível, mas as coisas são diferentes hoje e eu ficaria surpreso se fizesse um álbum com aquela pegada celta e medieval em todas as músicas.

Sobre o Demons & Wizards, é página virada?

Demons & Wizards é página virada.

Contribuições e objetivos não alcançados

Para você, qual foi — e é — a grande contribuição do Blind Guardian para o heavy metal?

Acho que isso é um processo contínuo. Mostramos sempre que é possível entregar qualidade e que não há limites. O heavy metal é amplo, não precisa ser apenas relacionado à perspectiva dos anos 1980 e às qualidades trazidas por aquela época; e o Blind Guardian também. Também acredito que a pegada celta e o caráter narrativo que trouxemos com a música e as letras nos diferencia de todas as outras bandas e têm sido uma inspiração para algumas bandas que estão indo em uma direção um pouco diferente, mas semelhante. Acho que ainda somos capazes de trazer uma vibe muito positiva para o heavy metal. Acho que nossos shows são momentos únicos na vida das pessoas e estamos inspirando-as a olharem com otimismo para o futuro.

Pode-se dizer que, enquanto banda, vocês alcançaram muito mais do que um dia sonharam?

Não. [Risos.] Realmente esperávamos que fôssemos nos tornar superastros em 1988 e que isso acontecesse em no máximo um ano. Esperávamos ser do tamanho do Metallica ou do Guns N’ Roses e nunca conseguimos. Sou muito grato por todo o carinho que recebemos e pelo sucesso que fazemos, mas ainda estamos buscando mais.

Aniversários e recomendações de Hansi Kürsch

2022 marca os trinta anos do “Somewhere Far Beyond” e os vinte anos do “A Night at the Opera”. Você poderia falar um pouco sobre esses dois álbuns?

“Somewhere Far Beyond” é muito querido pela maioria dos fãs. Comemoramos esses trinta anos esse ano com uma turnê e foi um grande prazer tocar o álbum na íntegra. Como o “Imaginations from the Other Side”, este é um álbum marcante para a banda e atraiu muito o público. Éramos uma banda em ascensão em 1992 e demos os primeiros passos internacionais em relação à nossa carreira e, depois de tocar este álbum tantas vezes, devo dizer que entendo por que ele é tão amado pelos fãs. Ele certamente pertence aos anos 1990; é muito divertido e narrativo com alta qualidade, mas ainda assim fácil de ouvir. Essa é a diferença do “A Night at the Opera”.

“A Night at the Opera” é mais ousado, tem maior qualidade. “Somewhere Far Beyond” foi feito por jovens, para jovens [Risos.] “A Night at the Opera” foi feito por adultos, para adultos. É um álbum incrível. Foi uma produção muito difícil porque as expectativas depois de “Nightfall in Middle-Earth” eram muito grandes. Tínhamos tantas ideias para o álbum e todas elas precisavam ser realizadas no tempo dado. Foi uma luta fazer esse álbum tão progressivo e impressionante. Acho que as pessoas têm que ouvir o álbum com atenção para abraçá-lo completamente. “Somewhere Far Beyond” fala uma linguagem de fã, enquanto “A Night at the Opera” fala uma linguagem mais sofisticada.

“A Night at the Opera” é um dos três melhores álbuns do Blind Guardian. É muito mais pesado em comparação a “Somewhere Far Beyond” e à maioria dos nossos outros álbuns. Temos que comemorar um aniversário dele; vamos para o de vinte e cinco anos já que negligenciamos o de vinte! [Risos.] O problema é que a maioria das músicas é muito difícil de tocar. Teríamos que fazer muitos ensaios e contar com muitas ajudinhas para que isso acontecesse.

Se uma pessoa quer ouvir Blind Guardian, mas não sabe por qual disco ou música começar, qual seria sua recomendação?

[A música] “Time Stands Still (at the Iron Hill)” e [o álbum] “Nightfall in Middle-Earth”.

O “quente” público brasileiro do Blind Guardian

O Blind Guardian veio ao Brasil sete vezes. A primeira foi em 1998 e a última em 2015. Em todas essas visitas, foi possível traçar um perfil do fã brasileiro?

Vocês são quentes. [Risos.] Há muita dedicação ao Blind Guardian e à nossa música onde quer que toquemos. Lembro do show em 2002 em São Paulo quando subimos ao palco com Alex Holzwarth na bateria. O público cantava tão alto que não dava para ouvir nada nos monitores [auriculares], então isso sempre vai ficar na minha mente. [Risos.] Sempre fomos recebidos muito bem e calorosamente. Todos os promoters não apenas promoveram os shows e os organizaram, mas também garantiram que víssemos algo no país, então pudemos conhecer um pouco do Brasil. Como você sabe, o Marcus [Siepen] é casado com uma brasileira, então, sim, existe uma ligação muito forte.

Algum recado para os fãs brasileiros?

Sua espera e paciência serão compensadas em breve. Ano que vem o Blind Guardian voltará ao Brasil e à América do Sul!

Em abril, né?

Sim, em abril e, pelo que vi, em novembro também!

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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