Crítica: “Argentina, 1985” prima pela naturalidade e já é um clássico político

Filme que retrata o julgamento de militares da ditadura argentina é uma aula de cinema educacional e se coloca como forte candidato ao Oscar internacional em 2023

Tratar de temas políticos no cinema, ainda que com total fundamentação a realidade histórica, é algo ao mesmo tempo irresistível e perigoso. Trata-se de um tema forte e sensível, com camadas muito delicadas. Qualquer passo em falso pode se tornar uma bomba.

Com méritos de sobra por entender isso, o filme “Argentina, 1985”, do Amazon Prime Vídeo, faz a lição de casa com maestria. Um assunto tão importante para a história do país citado no título é abordado com uma naturalidade e segurança raramente vista. Esta obra certamente levará nossos “hermanos” ao Oscar 2023.

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“Argentina, 1985” e a real justiça

“Argentina, 1985” acompanhamos os acontecimentos após o fim da ditadura argentina. Decidiu-se levar a julgamento os militares do topo da pirâmide, diretamente envolvidos com o sórdido regime.

O promotor público Julio Strassera (interpretado Ricardo Darín) e seu adjunto, o jovem advogado Luis Moreno Ocampo (Juan Pedro Lanzani) têm a missão de reunir um grupo de jovens e corajosos advogados para investigar todos os crimes durante a ditadura e levá-los ao sol da justiça.

O filme, dirigido pelo voraz Santiago Mitre, é muito inteligente e sensível ao retratar esse acontecimento histórico com precisão absoluta e leveza e naturalidade no que é mostrado em tela. A obra de 140 minutos não opta por chocar ou sensacionalizar os ocorridos –inclusive pelos personagens tão humanos e verdadeiros como, provavelmente, foram os envolvidos reais.

Já é um clássico argentino

Todo país tem suas histórias e problemas que, colocados no papel com a fonte Courier New e algumas devidas formatações, podem sim se transformar em belíssimos clássicos políticos. Acredito que até hoje as faculdades de jornalismo usem o filme “Todos os Homens do Presidente” como fonte de ensinamento, só para ficar em um exemplo mais famoso.

Obviamente que algumas obras se tornam cansativas, maçantes ou difíceis demais de entender, mas é belo quando o cinema consegue atingir a perfeição dentro de uma história política e contar o fato de forma direta e simples, para todos. Este é o grande mérito de “Argentina, 1985”,

Além de acessível, o longa traz um roteiro charmoso escrito por Santiago Mitre e Mariano Llinás. Sagaz e instigante, te faz ir querer além e pesquisar mais a respeito, inclusive sobre o que ocorreu depois do período abordado na obra.

Junte isso à afiada direção que transforma tudo isso em um thriller político frenético, atraente e carismático. O peso da verdade não tira a naturalidade – e isso tem sido frisado neste texto porque a ideia de contar histórias do tipo no cinema sempre trazem consigo um excesso de drama ou de pinceladas que fogem da realidade. Não é o caso por aqui.

O saboroso cinema argentino

A ocasião permite ainda que seja deixado um convite para que se conheça mais do cinema argentino – de longe, o melhor da América Latina. “Argentina, 1985” representa um grande salto de qualidade e reforça a ideia de que a cultura precisa ser internacionalizada. É algo urgente desde a explosão cultural da Coreia do Sul, que se reflete também no cinema e culminou em quatro prêmios a “Parasita” no Oscar de 2020.

Além da Coreia do Sul, países como Dinamarca, Espanha, Japão e Alemanha entenderam como internacionalizar suas produções ao direcionar seus trabalhos a públicos estrangeiros. Quando se assiste a séries como “La Casa de Papel” ou “Round 6” dubladas em inglês, é inegável a sensação de que aquilo parece ser feito por Hollywood.

Como as outras obras citadas, “Argentina, 1985” impressiona nos aspectos técnicos. É bem filmado e capricha ao recriar a época. Os diálogos são pensados para a internacionalização, sem ficar preso a uma formatação cultural que só permitiria conexão com o público argentino.

Para efeito de comparação, filmes brasileiros pecam nesse sentido porque sempre se aproximam das novelas. A forma de se escrever diálogos, cores, ângulos, direção de atores, palavreados utilizados… sempre em um longa nacional haverá alguma cena noturna com aquela câmera nervosa, uma música de MPB por cima que acompanha todo o drama do personagem, que vai caminhar sozinho em algum momento seja no viaduto do chá em São Paulo ou nas areias de Copacabana no Rio de Janeiro.

“Argentina, 1985” supera tudo isso. Como resultado, certamente obterá reconhecimento até do Oscar, de modo provável na categoria de melhor filme internacional. Com um pouco de sorte, pode ir até além e garantir ao ator Ricardo Darín uma vaga entre os indicados a melhor ator – o que seria justo, já que este é é considerado o maior intérprete da história argentina.

Nossos hermanos têm um “Todos os Homens do Presidente” para chamar de seu. Que levem o Oscar e deixem a Copa do Mundo para nós. “Argentina, 1985” está disponível no Amazon Prime Video.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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