Antes de ouvir “Rescue”, é importante ter em mente que o Shaman, hoje, é uma banda diferente. E não é demérito nenhum para os músicos que permaneceram no grupo após a morte do saudoso vocalista Andre Matos em 2019. É praticamente impossível substituir alguém de identidade artística tão definida quanto o “Maestro”, que também era compositor e pianista, sem alterar um pouco da premissa e da sonoridade do projeto.
Vale lembrar que esta não é a primeira vez que a vaga de Andre é ocupada por outro músico em uma banda – ainda que, obviamente, as razões tenham sido diferentes nas outras situações. No ano 2000, Matos deixou o Angra junto do baixista Luís Mariutti e do baterista Ricardo Confessori em uma iniciativa que fez nascer o próprio Shaman, com a adição do guitarrista Hugo Mariutti e do tecladista Fabio Ribeiro. Em 2006, o “Maestro” deixou o relativamente novo projeto e levou consigo Luís e Hugo para trabalhar em carreira solo.
Nos dois casos, Andre teve sua vaga ocupada por outros vocalistas: Edu Falaschi, no Angra, e Thiago Bianchi, no Shaman. E nos dois casos a sonoridade precisou ser ajustada, com destaque a Falaschi, que deu, junto de outros colegas, uma nova cara à banda da qual participou entre 2000 e 2012.
A situação de agora não é muito diferente. Alírio Netto é vocalista de competência atestada em vários projetos – do Age of Artemis ao Queen Extravaganza, passando por carreira solo e tudo o mais –, contudo, pegou uma das gigs mais complicadas de sua trajetória ao ocupar a vaga deixada por Andre. Ele parece saber disso. Dessa forma, embora respeite o legado deixado por seu antecessor (e ídolo), o cantor não parece disposto a soar como um cover. Os remanescentes também não querem algo do tipo.
Ainda bem. A postura de renovação adotada em “Rescue” engrandeceu o resultado final. Quem ouvir com mente aberta, sem comparações “automáticas”, vai se surpreender, seja por performances individuais, química coletiva, caminhos escolhidos nas composições ou produção sempre caprichada de Sascha Paeth, repetindo a parceria em “Ritual” (2002) e “Reason” (2005), os dois primeiros álbuns do Shaman.
Passado, presente e futuro
O elo com o passado, obviamente, existe – até porque quatro dos cinco integrantes clássicos do grupo ainda estão ali. A sempre presente influência do Helloween é notada, por exemplo, na genuinamente power “Time is Running Out” e em “The Spirit”, cujo solo de teclado é um dos pontos altos. A balada “Don’t Let It Rain”, com show de interpretação de Alírio, apresenta elementos da chamada world music típicos de “Ritual”, bem como a cadenciada “Brand New Me”, primeiro single do trabalho. Já “The Boundaries of Heaven”, que surpreende quando o ritmo é reduzido em seu miolo, poderia estar na tracklist de “Reason” sem problemas.
Mas é quando há busca pelo novo que saem os melhores momentos do disco. Um dos exemplos é “The ‘I’ Inside”, que mescla os grooves típicos de “Ritual” com elementos novos, incluindo certa dramaticidade que parece vir do também ator Alírio. “Where Are You Now”, por sua vez, traz uma abordagem contemporânea que a torna quase um hard rock melódico. A grandiosa “What If”, uma das minhas prediletas, soa densa e diferenciada por ter um pé bem fincado no progressivo. E por mais que transite por caminhos não tão surpreendentes, a emocionante “Gone Too Soon”, que presta tributo a Andre e a outros gigantes da música que nos deixaram cedo demais, carrega uma série de referências ao Queen – das dobras de guitarra à interpretação vocal.
A própria formação atual parece dividir suas responsabilidades entre passado e futuro. A cozinha de Luís Mariutti e Ricardo Confessori, com a mesma competência de décadas passadas, parece estabelecer as bases do que conhecemos como Shaman. Já Alírio Netto e Hugo Mariutti incorporam seus diferentes backgrounds à banda – o vocalista com seu trânsito natural por vertentes do hard rock e o guitarrista, veja só, ao incorporar aprendizados que parecem ter vindo de sua paixão pelo rock alternativo britânico, especialmente ao construir boas camadas de seu instrumento e mostrar que solos incríveis nem sempre precisam ter várias notas. A presença maior de Fabio Ribeiro no trabalho reforça a busca por algo diferente.
Acima, de tudo, “Rescue” é um recomeço para uma das grandes bandas de heavy metal que existiram/existem no Brasil. É um trabalho caprichado, repleto de significados, momentos e, sobretudo, emoções. Que o “resgate” promovido pela formação atual seja o início de uma longa e produtiva trajetória.
Ouça “Rescue” a seguir, via Spotify. O trabalho também está em outras plataformas digitais. A edição em CD pode ser adquirida no site Shaman Loja Integrada.
O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!
Shaman – “Rescue”
- Tribute (Intro)
- Time Is Running Out
- The “I” Inside
- Don’t Let It Rain
- Where Are You Now
- The Spirit
- Gone Too Soon
- The Boundaries Of Heaven
- Brand New Me
- What If
- The Final Rescue (Outro)
- Resillience (faixa bônus da edição japonesa)
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Assista a entrevistas com Alírio Netto e Luís Mariutti nos players abaixo.