O álbum de estreia do Rage Against the Machine, homônimo, é o tipo de trabalho que impressiona em todos os aspectos. A começar pela capa, com a famosa imagem do monge vietnamita em chamas que rodou o mundo nos anos 60.
O conteúdo musical é ainda mais forte. A mistura única de funk, hip hop e heavy metal apresentada por Zack de la Rocha (voz), Tom Morello (guitarra), Brad Wilk (bateria) e Tim Commerford (baixo) é carregada de ira – também refletida nas intensas letras.
A união dos ideais dos músicos foi traduzida perfeitamente pelos versos das canções, criados em maioria por de la Rocha. O vocalista é filho de imigrantes mexicanos que se estabeleceram nos Estados Unidos e sofreu muita discriminação por conta disso na juventude.
Ele não era o único a lidar com isso: Tom Morello é negro e descendente de quicuios, grupo étnico do Quênia. O guitarrista descreveu por diversas vezes o preconceito que enfrentava quando garoto, mas acabou por ter uma abordagem ainda mais aprofundada sobre os problemas da sociedade ao estudar ciências políticas na prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Acidez política do Rage Against the Machine
É claro que a reunião de músicos com visões bem definidas resultaria em um conjunto de letras cheias de mensagens de tom político e social como um todo. É isso que temos no álbum “Rage Against the Machine”, lançado em 3 de novembro de 1992.
O disco já abre com um dos singles, “Bombtrack”, onde de la Rocha direciona suas críticas sobre “os senhores de terra e as p*tas do poder”, e conclama a “observá-los queimar”. No clipe da música, a banda apoia o Sendero Luminoso, partido comunista do Peru.
“Com os pensamentos de uma mente militante
Trecho de “Bombtrack”, música do Rage Against the Machine; tradução via Letras.mus.br
Linha-dura, linha-dura depois de mais linha-dura
Senhores de terra e p*tas do poder acabaram com o meu povo
Dispute os ternos que eu acendo e então veja-os queimarem”
A clássica “Killing in the Name”, por sua vez, apresenta uma crítica à indústria da guerra, que fala sobre a “morte justificada dos brancos escolhidos que usavam insígnias” – uma clara alusão aos soldados falecidos.
“Alguns dos que estão no poder
Trecho de “Killing in the Name”; tradução via Letras.mus.br
São os mesmos que queimam cruzes
[…]
Aqueles que morreram estão justificados
Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos
Você justifica aqueles que morreram
Usando o distintivo, eles controlam sua vida”
“Bullet in the Head” segue por um caminho parecido, mas com outro alvo: a mídia, por dar apoio ao nacionalismo americano e a todos os problemas que ele traz.
“Acreditando em todas as mentiras que eles te contam
Trecho de “Bullet in the Head”; tradução via Letras.mus.br
Comprando todos os produtos que eles te vendem
Eles dizem: ‘pule’, e você diz: ‘de qual altura?’
Seu cérebro está morto, você tem a p*rra de uma bala na cabeça”
Merecem destaque ainda “Know Your Enemy”, que traz participação de Maynard James Keenan (Tool), e o single “Freedom”, que fecha o álbum, ambas contendo mensagens antiguerra, anti-imperialismo e defesa de minorias. “Wake Up” se sobressai nesse último ponto, ao criticar casos de racismo explícito no alto escalão do serviço de inteligência dos Estados Unidos e atribuir a essas corporações a morte de lideranças étnicas, como Malcolm X e Martin Luther King Jr.
“Movimentos vêm e movimentos vão
Líderes falam, movimentos terminam
Quando suas cabeças rolam
Porque todos esses otários
Têm balas nas suas cabeça
Departamentos de polícia (o quê?), os juízes (o quê?), os agentes federaisRedes de comunicações trabalhando para manter as pessoas calmas
Trecho de “Wake Up”; tradução via Letras.mus.br
Você sabe que eles foram atrás do Martin Luther King
Quando ele discursou sobre o Vietnã
Ele deu poder para os que não tinham
E então, veio o tiro”
A mensagem é clara e forte mesmo em músicas não tão lembradas, como “Fistful of Steel”, “Take the Power Back” e “Township Rebellion”, que convocam o público a agir.
“O professor fica em pé na frente da classe
Mas a lição, ele não consegue se lembrar
E os olhos dos estudantes não percebem as mentiras
Rebatendo em cada maldita paredeA compostura dele é bem mantida
Eu acho que ele tem medo de bancar o bobo
Os estudantes complacentes sentam
E escutam as baboseiras que ele aprendeu na escola[…]
A gente tem que retomar o poder
Trecho de “Take the Power Back”; tradução via Letras.mus.br
Chega de mentiras”
Colhendo o que plantou
Não há dúvidas: o Rage Against the Machine meteu o “pé na porta” com seu álbum de estreia. Até hoje o posicionamento político claro do grupo causa controvérsias – e os músicos não mudaram praticamente nada com relação a essas ideias.
Polêmicas à parte, o disco provocou um verdadeiro rebuliço na época. Como reflexo, as vendas foram impactantes: mais de 3 milhões de cópias foram vendidas somente nos Estados Unidos, além de números de destaque no Reino Unido (600 mil), França (400 mil), Austrália (350 mil) e Alemanha (250 mil).
A música de maior sucesso foi “Killing in the Name”, que chegou ao topo das paradas do Reino Unido e obteve certificação de platina dupla por lá. “Bullet in the Head” e “Bombtrack” também foram destaques individuais na época, ainda que quase todo o álbum tenha se tornado clássico e marcado presença em repertórios de shows da banda.
O estouro do Rage Against the Machine foi gradual, já que geralmente eles não contavam com apoio de rádios e outros veículos de mídia – em função das letras fortes. Já em 1996, com o álbum seguinte, “Evil Empire”, ficou difícil de segurar o fenômeno. E sempre com a divulgação dos ideais dos músicos, sem medo de qualquer crítica ou represália.
* Texto redigido por André Luiz Fernandes, com pauta e edição por Igor Miranda.