A escolha do Pearl Jam por colocar uma foto de uma ovelha – ou cabra – na capa de “Vs.” não foi por acaso. Lançado em 19 de outubro de 1993, o segundo álbum de estúdio da banda trazia uma mensagem logo na arte que o estampa: os músicos sentiam que haviam se tornado escravos do sistema. Eram guiados como se fossem animais em uma fazenda.
Tal impressão surgiu ainda no ciclo de divulgação de “Ten” (1991). O disco de estreia do grupo de Seattle bateu recordes de venda, ainda que tenha demorado um pouco para conquistar notoriedade, e logo trouxe um dilema para os músicos: a fama repentina.
Com dificuldade para lidar com essa situação, o vocalista Eddie Vedder, os guitarristas Mike McCready e Stone Gossard, o baixista Jeff Ament e o baterista Dave Abbruzzese, estreante em estúdio com o grupo, decidiram reduzir a ênfase comercial de seu próximo álbum. A ideia era focar apenas na música, então, os caras preferiram não produzir videoclipes, deram pouquíssimas entrevistas e não lançaram nenhum single antes do disco chegar às lojas.
Autossabotagem bem-sucedida
Naquela época, qualquer banda que tentasse se “autossabotar” como o Pearl Jam fez, com certeza, fracassaria. Curiosamente, porém, a banda não sentiu esse efeito e “Vs.” também bateu recordes de vendas.
Ao todo, foram mais de 950 mil cópias comercializadas em apenas cinco dias e 1,3 milhão em uma semana. Como resultado, o trabalho permaneceu no topo da Billboard 200, principal parada de discos dos Estados Unidos, por cinco semanas – feito que o grupo não conseguiu repetir em outros momentos da carreira.
Personalidade musical
Mas o que fez “Vs.”, um álbum tão pouco divulgado por seus criadores, dar tão certo? A personalidade musical melhor estabelecida, em comparação a “Ten”, pode ser uma das respostas para essa pergunta.
Em antiga entrevista ao jornalista Alan Light, para o MSN Music, Jeff Ament contou que quando fizeram o “Vs.”, pensou que era assim que gostaria que o primeiro álbum soasse.
“Quando fizemos ‘Vs.’, lembro-me de ter pensado: ‘cara, gostaria que nosso primeiro álbum soasse assim’. Achei que soava mais direto, mais poderoso. Sei que Stone Gossard sentiu que o reverb em ‘Ten’ estava encobrindo nossa própria incapacidade de tocar na época, mas quando eu encontrei uma fita com as mixagens brutas, soava matador. Isso me fez insistir para que Brendan (O’Brien, produtor) considerasse fazer isso.”
Vale lembrar que os integrantes do Pearl Jam nunca gostaram muito da ambiência sonora de “Ten”, mais inclinada ao rock clássico e ao hard rock do que ao alternativo. Não à toa, em 2009, eles lançaram uma versão remixada do disco, intitulada “Ten (Redux)”. Nesta edição do material, vários efeitos são removidos, o que dá um caráter mais visceral à pegada da banda.
De volta a “Vs.”: o segundo álbum do Pearl Jam aposta não só em uma sonoridade crua, como, também, em letras de temáticas mais ligadas a questões sociais e políticas. “Daughter”, por exemplo, traz reflexões sobre abuso infantil, enquanto “Glorified G” apresenta uma sátira em direção aos entusiastas das armas de fogo (com inspiração em revólveres comprados por Dave Abbruzzese) e “W.M.A.”, por sua vez, discute o racismo policial nos Estados Unidos.
É importante destacar, ainda, que “Vs.” foi o primeiro álbum do Pearl Jam com produção de Brendan O’Brien. O profissional havia atuado na mixagem de “Ten” e, a partir do disco de 1993, trabalhou em quase todos os projetos em estúdio da banda.
Five Against One
Para sintetizar o conceito de “Pearl Jam contra o mundo”, “Vs.” teria, originalmente, o título “Five Against One” (“cinco contra um”, em tradução livre para o português). Nos dias finais do prazo para fechamento da mixagem, acabou por ter seu nome alterado.
À Rolling Stone, Stone Gossard refletiu sobre esse título:
“Para mim, aquele título representou uma série de lutas pelas quais você passa tentando fazer um disco […]. Sua própria independência – sua própria alma – contra a de todo mundo.”
“Vs.” nas paradas
Ainda que “Vs.” tenha registrado boas vendas enquanto álbum, seus singles não obtiveram grande repercussão. Muito disso estava ligado não necessariamente à qualidade das músicas, mas pela forma de divulgação: sem videoclipes e com poucas entrevistas, os compactos eram mais notados nas rádios e paradas dedicadas ao rock, sem “furar a bolha” do estilo.
“Go”, “Daughter“, “Animal” e “Dissident“ foram as quatro faixas escolhidas para serem promovidas como singles. Todas elas entraram nas paradas Mainstream Rock e Modern Rock, rankings de canções da Billboard mais tocadas nas rádios mainstream. “Daughter”, em especial, foi a que conquistou melhor repercussão: foi a única a entrar para a Hot 100, chart de singles de todos os estilos, na 97ª colocação.
Em outros países, a repercussão dos singles também foi menos consistente: “Go” atingiu o segundo lugar das paradas da Nova Zelândia, enquanto “Daughter” e “Dissident” chegaram ao top 20 do Reino Unido.
O disco como um todo, por sua vez, chegou ao topo das paradas de oito países, incluindo Austrália, Canadá, Suécia e os já mencionados Estados Unidos. No Reino Unido, atingiu a segunda posição. Era evidente: a estratégia era promover “Vs.” como uma obra completa em vez de focar nos singles, a ponto de descartar uma música como “Better Man” (lançada no álbum seguinte, “Vitalogy”, de 1994), porque ela soava como um hit.
Stone Gossard, em entrevista à Guitar World, parece confirmar esse ponto de vista. O guitarrista destacou, em especial, que o Pearl Jam adotou um desenvolvimento mais orgânico e coletivo para esse álbum – o que, inegavelmente, deu certo.
“Acho que permitimos que as coisas se desenvolvessem de uma maneira mais natural, orientada para a banda, ao invés de eu trazer um monte de coisas que já estavam arranjadas.”
* Texto desenvolvido em parceria por Juliana Tancler e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação e apuração adicional por Juliana Tancler.