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Em “Blue & Lonesome”, Rolling Stones fazem tributo rústico ao blues

Rolling Stones – “Blue & Lonesome” (2016)

Geralmente, bandas de rock que decidem gravar canções blues costumam descaracterizá-las. Não sei se é algo natural ou se há a intenção de adaptar (e modificar tanto) músicas que se destacam, justamente, por sua rusticidade.

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Não foi o caso dos Rolling Stones. A lendária banda inglesa resolveu prestar tributo aos ídolos do blues em “Blue & Lonesome” – e fez direitinho. O álbum, com 12 canções do gênero, foi gravado em apenas três dias (11, 14 e 15 de dezembro de 2015) em um caráter de jam. Quase tudo soa como se tivesse sido gravado ao vivo, em pouquíssimos takes.

O cuidado com os timbres é a principal característica musical se destacar em “Blue & Lonesome”. Cada textura instrumental parece ter sido escolhida de modo que a pegada fosse 100% vintage. E afirmo com clareza que não é fácil soar tão rústico com tantas tecnologias facilitadoras disponíveis.

A banda em si dispensa comentários, entretanto, há alguns pontos que me chamam a atenção. Um deles é Mick Jagger. Fala-se que Keith Richards é imortal, mas desconfio é que Mick Jagger seja o dono desse posto. O cantor de 73 anos demonstrou fôlego e potência vocal ao longo de todo o registro. Além disso, simplesmente arrebentou em suas passagens na gaita. Deixa trintões no bolso.

O restante do grupo soa afiado. Keith Richards e Ronnie Wood demonstram entrosamento nos arranjos, apesar de eu esperar mais destaque a eles neste disco. O baixista Darryl Jones e o baterista Charlie Watts se entendem bem – e Watts soa incrível tocando blues.

O repertório foi feito com base, especialmente, em clássicos do Chicago blues. Little Walter e Howlin’ Wolf foram os mais homenageados, com, respectivamente, quatro e duas canções no setlist. Gostaria de vê-los explorando outras vertentes, como o guitarrístico Texas blues e até o pré-histórico Delta blues, entretanto, entendo que a escolha das canções seja algo pessoal, dos próprios músicos.

A curta “Just Your Fool” (Little Walter) abre o disco com uma gaita classuda. Divertida, mas sem muitas surpresas na releitura. “Commit A Crime” (Howlin’ Wolf) destaca o instrumental e parece ter sido gravada em uma jam. Dá para sentir a autenticidade.

Mais arrastada, a faixa que dá nome ao disco (Little Walter) evidencia a capacidade de interpretação de Mick Jagger. De levada gostosa, “All Of Your Love” (Magic Sam) volta a evidenciar a pegada jam do disco. Mick Jagger se mostra inteiraço em quesitos vocais.

A enérgica “I Gotta Go” (Little Walter) é quase um rockabilly e volta a destacar Mick Jagger – agora, na gaita. Com Eric Clapton na slide guitar, “Everybody Knows About My Good Thing” (Little Johnny Taylor) diminui os ânimos em uma pegada levemente soul. Enfim, há (ótimos) solos de guitarra. E, curiosamente, a partir daqui, a produção está melhor, com uma sonoridade mais aberta.

Mais animada, “Ride ‘Em On Down” (Eddie Taylor) não foi escolhida à toa como o segundo single: é de fácil assimilação e gostosa de ser ouvida. “Hate To See You Go” (Little Walter) retoma a pegada rústica notável na primeira metade do disco, com gaita na linha de frente e cozinha tímida.

“Hoo Doo Blues” (Lightnin’ Slim) traz as guitarras em uma pegada totalmente jam. Cheira a mofo – o que é ótimo em um registro do tipo. A lenta “Little Rain” (Jimmy Reed) cativa, especialmente, pelo seu início guiado apenas por voz e guitarras. O solo de gaita ao fim também é de arrepiar.

O híbrido blues/rockabilly “Just Like I Treat You” (Howlin’ Wolf) aposta no básico e convence de primeira. O encerramento com “I Can’t Quit You Baby” (Otis Rush) é o momento de destaque do álbum. Mick Jagger brilha em sua interpretação e as guitarras de Keith Richards e Ronnie Wood se entrelaçam perfeitamente com a do convidado Eric Clapton.

No geral, “Blue & Lonesome” é um disco divertido e despretensioso, apesar de notáveis cuidados com timbragens. Em alguns momentos, poderiam, sim, ter sido mais inventivos, entretanto, creio que isso descaracterizaria a ideia que a banda teve neste disco.

O álbum, definitivamente, não mostra a aura de superbanda que os Rolling Stones adotaram em seus lançamentos das últimas décadas – o que, para mim, é fantástico. As origens blues dos Stones, enfim, voltaram a ser escancaradas em um disco deles. E eu gosto disso.

Nota 9

Mick Jagger (vocais, harmônica)
Keith Richards (guitarra)
Ronnie Wood (guitarra)
Charlie Watts (bateria)

Músicos adicionais:
Darryl Jones (baixo)
Eric Clapton (slide guitar em 6 e guitarra em 12)
Matt Clifford (teclados)
Chuck Leavell (teclados)
Jim Keltner (percussão)

01. Just Your Fool (Little Walter)
02. Commit A Crime (Howlin’ Wolf)
03. Blue and Lonesome (Little Walter)
04. All of Your Love (Magic Sam)
05. I Gotta Go (Little Walter)
06. Everybody Knows About My Good Thing (Little Johnny Taylor)
07. Ride ‘Em On Down (Eddie Taylor)
08. Hate to See You Go (Little Walter)
09. Hoo Doo Blues (Lightnin’ Slim)
10. Little Rain (Jimmy Reed)
11. Just Like I Treat You (Howlin’ Wolf)
12. I Can’t Quit You Baby (Otis Rush)

Veja também:
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– De bobó a vodka: as exigências de camarim dos Rolling Stones

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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