Ex-baixista morto detona integrantes da Legião Urbana em entrevista de 2002

Encontrado morto em um hotel no litoral de São Paulo na manhã deste domingo (22), o músico Renato Rocha, ex-baixista da Legião Urbana, não integrava a banda que o consagrou desde o fim da década de 1980. 
De acordo com entrevistas anteriores concedidas pelo guitarrista Dado Villa-Lobos e pelo baterista Marcelo Bonfá, Renato Rocha teria sido convidado a se retirar da banda em função dos abusos químicos, que estariam comprometendo o cumprimento da agenda profissional da Legião Urbana. O vício teria sido o principal motivo pelo qual Rocha passou parte de seus últimos anos como morador de rua. Antes de falecer, o baixista estava em tratamento, em uma clínica de reabilitação de Cotia, São Paulo. 
A relação entre Renato Rocha e os demais integrantes da Legião Urbana não era boa. Ao menos é o que mostra a entrevista que Luiz Cesar Pimentel fez com o músico em 2002, quando ele ainda tinha uma boa situação financeira. Rocha criticou todos os integrantes e até mesmo o cenário rock/punk da década de 1980. “(Ele) estava realmente doidão, mas menos do que quando foi morar na rua, uns 9, 10 anos depois”, disse o jornalista, antes de reproduzir o bate-papo com o ex-baixista em seu blog
Confira a entrevista de Luiz Cesar Pimentel com Renato Rocha, feita para a revista Zero, em 2002 (aviso: alguns trechos podem conter falas subversivas): 
ZERO: Você era da turma dos Skinheads, não? 

RENATO ROCHA: Quando o punk começou a acabar, sobrou muito gayzola, muito playboy que se dizia punk. Eram aqueles caras que compravam calças Fiorucci, desfiavam e falavam que eram punks. Aí resolvemos ser cabeça raspada. A gente era uma equipe do terror, pra diferenciar dos punkzinhos gays. 

ZERO: Quem eram punkzinho gay? 

R.R: Os lambe-lambes (risos) 

ZERO: Que a gente conhece, quem era? 

R.R: Os dois lá, o Dado e o Bonfá, o Dinho [Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial], Philipe Seabra [vocalista e guitarrista do Plebe Rude], essa turma. 

ZERO: Por que lambe-lambes? 

R.R: Porque não faziam nada. Chegavam nas festas e ficavam bodeados num canto. Gostavam de Bauhaus e PIL. Eram fracassados. Os carecas chegavam chutando o teto. 

ZERO: Qual foi seu primeiro contato com o Renato e o resto da banda? 

R.R: Ah, a gente andava numa turma, ia pras festas. Tinha uma época que tinha umas cinco festas por noite. Festas de detonar, de barão. Pó, maconha à vontade. E não aparecia ninguém pra encher o saco. O mais fraco ali tinha seis Rolls Royces na garagem. Quem ia ter coragem de entrar pra dar uma geral? 

ZERO: Como você entrou para a Legião? 

R.R: Renato tinha cortado os pulsos em Brasília, estava na pré-produção do primeiro disco. Como ele tocava baixo, precisava de alguém para o lugar dele. Eu sabia todas as músicas, as letras. Entrei quatro dias antes do início das gravações. Acabamos virando a maior banda do Brasil. 
Mas quando ficou cheio de grana, o Renato não queria fazer mais nada. Ficou muito chato, alcoólatra. Aí ele começou a chutar todo mundo, tratava todo mundo muito mal. 

ZERO: Quando foi isso? 

R.R: Foi no final dos 80. Ele tava inacreditável, tomou varias overdoses. 

ZERO: Ele já não gostava de fazer shows? 

R.R: Depois de encher o c* de grana, só gostava de encher a cara. 

ZERO: Vocês eram amigos? 

R.R: Não. A gente era conhecido. Amigo, não. A partir do momento em que o cara só se preocupa com ele mesmo… só ele tem dor de cabeça, só ele tem exaqueca, só ele tem problemas… 

ZERO: Qual era o seu papel na banda? Você era apaziguador ou só chegava e tocava? 

R.R : Eu fumava meu baseado inocente, tomava minha dose de uísque e ficava pensando: “cara, eu estou fazendo a melhor coisa do mundo: ganhando grana pra fazer música, e neguinho fica aí se lamentando à toa, reclamando do bife”. Eu aproveitei minha fase rock. Os caras não tinham atitude roqueira, não falava com a galera, esnobavam os fãs. Pra mim ficar na Legião era um sacrificio. 

ZERO: Por que você acha que eles se sustentaram como banda tanto tempo? 

R.R: O Renato gostava de homem bonitinho e chamou o Marcelo Bonfá e o Dado pra tocar. O Dado só entrou porque o Renato queria o nome Villa-Lobos na banda. Aí ele ensinou o Dado a tocar. E o Bonfá era um pilha fraca, não aguentava tocar um show inteiro, não ensaiava, não treinava, não malhava, não comia, era um merda. Saía com a namorada, não queria pagar a conta e a menina pagava. Queria fumar um baseado mas não apertava, eu é que tinha que apertar. Folgado e mão-de-vaca. É um cara muito babaca, nem a mulher dele aguenta ele. Era uma agonia, pois o cara não sabia tocar nada. 

ZERO: E como foi sua vida depois da banda? 

R.R: Eu tive uma fase ruim, fiquei em baixa. Namorei uma mulher errada e minha vida degringolou. Era uma mulher que só queria sacanear. Tipo Cleopatra. Fiquei muito alcoólatra, muito louco, tomava tudo. 

ZERO: Mas o Dado dizia que você já detonava antes de sair da banda. 

R.R: O problema do Dado é que ele não sabe nem escolher a roupa que vai vestir. A mulher dele é quem escolhe. Ele não sabe tocar, não tem personalidade própria. Ele é tão bundão que podia ter impedido minha saída. A gente ia para o mundo inteiro. Iamos pra Europa, ele bundou pra mulher dele. A mulher queria ter um filho e prendeu ele aqui. Ele botou pilha pra gente não gravar fora. 

ZERO: Foi depois do terceiro disco? 

R.R: Foi. A gente ia gravar em Portugal. Estava tudo certo. A Legião ia arrebentar e ele bundou. Ficou com medo da Fernanda. A mulher amarrava um lacinho no pescoço dele e ele saia na rua assim. Não representa nada para o rock brasileiro. Representa o gosto do Renato. E aí? Vai dizer que uma bicha daquelas era roqueiro? Em vez de comprar uma moto comprava uma lambreta. E ainda andava de lencinho. Como um cara desses pode dizer que é punk? Eu saía, ia nas favelas, cheirava pó, ficava nas quebradas, pegava as putas. Ai o cara dizia que eu estava aloprando. Ele é que não aguentava a pressão. Eu pegava as gatas e passava na frente dele, o cara ficava com aquela carinha de bunda. 

ZERO: Desde sempre eles tiveram essa atitude na banda? 

R.R: Eu fiquei puto porque era um bando de cuzão com uma oportunidade de ouro nas mãos. Todo mundo falando bem pra caralho. Minha maior frustração é isso cara. Um cara do gabarito do David Byrne falando das possibilidades de sermos o maior sucesso do mundo e dois playboyzinhos babacas sacaneando. 

ZERO: Foi o David Byrne que ofereceu a oportunidade de vocês gravarem lá fora? 

R.R: Não, foi a gente que conseguiu. Éramos a melhor banda de rock n’ roll do Brasil. Éramos. 

ZERO: E você achava isso na época? 

R.R: Eu achava uma das melhores do mundo. O Renato sabia cantar todas aquelas letras maravilhosas em inglês. O disco ia arrebentar. A gente ia ser o U2 e o Dado não deixou. Ou melhor, a mulher do Dado. 

ZERO: Ele (R. Russo) tinha uma atitude homosexual dentro da banda? 

R.R: Tinha. Sempre teve. Pirava, ia lá e dava para o roadie Mas é aquela história. Se o cara tem muito poder, ninguém fala a verdade. 

ZERO: A Legião perdeu a atitude rock com a sua saída? 

R.R: Cara, rock exige uma certa agressividade. Rock não é para playboyzinho pasmo, tchutchuquinha. Dado tomava um copo de uisque e ficava bêbado. A Cracatoa Vermelha nem bebe. 

ZERO: Quem é a Cracatoa Vermelha? 

R.R: Bonfá (risos). 

ZERO: Quando foi a última vez que você falou com ele? 

R.R:Foi na gravação de Uma outra estação. Ele virou pra mim e disse: “eu estou igual a você”. Pensei: “puta m*rda, f*deu” (risos). 

ZERO: E o Dado? 

R.R: Foi uma vez no ATL Hall. ELE pegou meu braço e disse: “Não fala mal de mim na imprensa não”. Eu fiquei só rindo, porque o filho dele tava todo preocupado, com medo de eu dar porrada nele. O moleque ficava falando “pai, vamos embora”. 

ZERO: Você ainda voltou pra gravar esse disco póstumo (R. Rocha participou da faixa da gravação instrumental da faixa Riding Song, que foi sobre posta a uma gravação dos 4 integrantes feitas durante as gravações do disco Dois). 

R.R: Gravei cara. Infelizmente eu grave. Ganhei um barão [R$ 1000]. Aquele cara me ridicularizou. Mas eu estava precisando de grana. 

ZERO: Você gastou toda a grana que ganhou na Legião? 

R.R: Não, eu comprei carro, moto. Depois vendi tudo. E eu não ganhei tanta grana assim. 

ZERO: Você foi ao enterro do Renato? 

R.R: Não fui porque não sou cretino. Mas um dia passei com a minha namorada e a mãe do Renato estava no Burle Marx pra jogar as cinzas. Aí o pneu da moto furou bem na frente. Eu falei: “c*r*lho, Manfredo (Renato Russo), solta do meu pé”. Mas eu sempre gostei do Manfredo, ele sempre foi uma pessoa muito sincera, só que ele se f*deu, cara, porque ficou com dois babacas. 

ZERO: Quando você falou com Renato Russo pela última vez? 

R.R: Falei pelo interfone. Ele não quís me atender. Toquei na casa dele e ele respondeu que estava de ressaca. 

ZERO: O que você queria com ele? 

R.R: Ah, sei lá. Perguntar como ele tava. Ele alucinava, tomava todas e subia na mesa, (…)Cansei de levar ele doidaço, babando no taxi. Mas aí como ele era mentor da banda e da juventude brasileira, mascaravam esse comportamento. (…) 

ZERO: Como foi que você saiu da banda? 

R.R: O Renato Russo saiu do elevador e falou: “Você está fora da minha banda”. A gente ia assinar o contrato do Quatro Estações. Estavamos no prédio da EMI. Aí eu falei pra ele: “Cara, se você me apontar o dedo eu torço seu braço”. Fiquei na minha, puto, mas sabia que não era uma coisa do Renato. que era coisa dos dois perobinhas. O maior castigo é ter grana e não ser feliz. Eu tenho e sou feliz. 

ZERO: Parou com as drogas? 

R.R: Fumo meu baseado, tomo umas bebidas. 

ZERO: E a Legião ainda dá grana? 

R.R: Não, dá uma miséria. Menos de mil reais por mês. Só que conversar com eles é tentar tirar leite de pedra. Eles são brancos, eu sou pele-vermelha. 

ZERO: Já pensou em se candidatar a algum cargo público? 

R.R: Opa, já. Prefeito de Mendes. O grande lance é entrar no esquema e não ser corrompido por ele. Como eu entrei na Legião e não fui corrompido. 
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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