No início dos anos 1980, uma reportagem sobre a fome na Etiópia impressionou Bob Geldof, então vocalista da banda Boomtown Rats. Em resposta, ele idealizou o Band Aid, projeto que reuniu músicos britânicos para a gravação do compacto “Do They Know It’s Christmas?”. Milhares de cópias foram vendidas e toda a arrecadação foi destinada à África.
Mas Geldof não se deu por satisfeito e levou sua iniciativa humanitária adiante. Em 13 de julho de 1985, ele organizou o Live Aid, festival simultâneo nos estádios de Wembley, em Londres, e John F. Kennedy, na Filadélfia. Os shows foram transmitidos em tempo real para mais de 1,5 bilhão de pessoas em 150 países.
O lineup repleto de estrelas e um “esculacho” televisivo de Geldof — pedindo doações com palavrões — impulsionaram os valores arrecadados, que chegaram perto dos 300 milhões de dólares. Não surpreende que o dia 13 de julho tenha se consolidado como o Dia Mundial do Rock — ainda que somente no Brasil — em decorrência direta do Live Aid.
Mas o que surpreende é pensar que, em meio a tantos nomes consagrados, o heavy metal tenha sido representado apenas por Black Sabbath e Judas Priest.
Convocados nas Bahamas
O Judas Priest estava em Nassau, capital das Bahamas, gravando o álbum “Turbo” (1986), quando seu empresário, Bill Curbishley, ligou de Londres com uma notícia importante.
Na autobiografia “Confesso” (Belas Letras, 2021), o vocalista Rob Halford relembra:
“Bob Geldof nos queria no palco dos EUA (…) De início, ficamos ranzinzas (…) Felizmente, logo vimos sentido naquilo tudo. A fome na Etiópia era a barbárie. Se podíamos mexer nossas bundas preguiçosas e sair daquele nirvana para tocar algumas músicas e, nisso, fazer algum bem, é claro que deveríamos topar, porra! Além disso, alguns camaradas, como o Ozzy, estariam lá. Poderia ser divertido.”
Foi só ao chegar ao John F. Kennedy Stadium, na Filadélfia, que o Priest se deu conta da proporção gigantesca do evento.
Um encontro com Joan Baez no café da manhã
Segundo Halford, a banda teve de chegar ao estádio ainda de madrugada — e, às 9h, já assistia à abertura do evento com Joan Baez cantando “Amazing Grace”. Dez minutos depois, veio a surpresa:
“Recebi um recado no backstage: ‘A Sra. Baez quer ter uma palavrinha com você’. Como um aluno arteiro que foi pego no pulo na escola, minha primeira reação foi: ‘Ah, m#rda!’.”
Temendo levar uma bronca da cantora pelo Priest ter “estragado” “Diamonds and Rust” ao transformá-la em heavy metal, Rob antecipou o pior. Só que ele não poderia estar mais equivocado.
“Mas lá estava Joan, vindo em minha direção, sorrindo e acenando. ‘Ei, Rob! Só queria vir até aqui te dizer que a versão de ‘Diamonds and Rust’ que vocês fizeram… é a versão favorita do meu filho. Ele acha demais que a música da mãe tenha sido regravada por uma banda de metal!’. ‘Ah, isso é muito legal!’, falei. E falei sério. Joan foi muito simpática e graciosa.”
Metal sob o sol
O Judas Priest subiu ao palco às 11h, entre Crosby, Stills & Nash e Bryan Adams. O set de três músicas — “Living After Midnight”, “The Green Manalishi (With the Two Prong Crown)” e “You’ve Got Another Thing Comin’” — passou, nas palavras de Halford, “num piscar de olhos”.
Mas, no final do dia, o vocalista ainda voltaria ao palco para o encerramento, juntando-se ao coro liderado por Lionel Richie em “uns três mil refrões de ‘We Are the World’”, como ele próprio ironiza:
“‘O dia foi incrível’, pensei. ‘E a causa é fantástica, mas não é hora de dar um chega pra lá nessa música não? Sério?’”
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