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Como “Dressed to Kill” levou o Kiss ao status de ícones

Lançado às pressas e com “Rock and Roll All Nite” como hino em construção, disco pavimentou caminho para “Alive!” e marcou nova era para a banda

Apesar de todo o progresso aparente, as vendas de Hotter Than Hell (outubro de 1974) minguaram rapidamente. O segundo álbum de estúdio do Kiss estagnou em apenas 90 mil cópias – 30 mil a mais do que seu antecessor, Kiss, lançado meses antes, em fevereiro. Além dos números decepcionantes, nenhum dos singles – a saber, “Nothin’ to Lose”, “Kissin’ Time”, “Strutter” e “Let Me Go, Rock ‘N’ Roll” – fez qualquer sucesso nas rádios.

Era 1º de fevereiro de 1975. O Kiss tinha acabado de tocar no Santa Monica Civic Center, na Califórnia, como convidado especial do Jo Jo Gunne, quando o presidente da Casablanca Records, Neil Bogart, pediu que eles voltassem para Nova York para gravar aquele que seria o terceiro álbum de músicas inéditas da banda em menos de 13 meses.

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O vocalista e guitarrista Paul Stanley relembra o episódio em sua autobiografia, “Uma Vida Sem Máscaras” (Belas Letras, 2015):

“Ele [Bogart] foi aos camarins e nos disse: ‘O disco de vocês [‘Hotter Than Hell’] não tá mais vendendo. Já era. Vocês têm que encerrar a turnê e voltar a Nova York para gravar outro álbum’.”

O guitarrista Ace Frehley ficou surpreso ao saber que Bogart queria que o Kiss voltasse ao estúdio apenas alguns meses após o lançamento de “Hotter Than Hell”, como ele revela em “Não Me Arrependo” (Belas Letras, 2020):

“Eu conhecia o suficiente sobre a indústria da música para saber que não fazia muito sentido produzirmos um terceiro disco tão rápido. A menos, claro, que as coisas estivessem indo muito bem… ou muito mal.”

Assim começa a história de “Dressed to Kill”.

Criando sob pressão

O Kiss voou para Nova York no início de fevereiro de 1975 para trabalhar em seu terceiro álbum no lendário Electric Lady Studios. Havia apenas um problema: praticamente não havia material novo. Paul afirma:

“Não tínhamos composto nada durante a turnê [de ‘Hotter Than Hell’]. Quando precisávamos escolher entre dedilhar a guitarra ou pegar mulher, não havia muito o que pensar.”

Fazendo jus ao ditado “a necessidade é a mãe da invenção”, em poucos dias Stanley, Frehley e o vocalista e baixista Gene Simmons compuseram “Room Service”, “Two Timer”, “Ladies in Waiting”, “Getaway”, “Rock Bottom” e “Anything for My Baby”.

Apesar da pressa, para Ace, todo o processo foi mais agradável do que em “Hotter Than Hell”. Ele relata:

“Neil sabia que odiávamos ficar em Los Angeles [onde ‘Hotter Than Hell’ foi gravado] (…) Portanto, estávamos em casa [em Nova York], o que melhorava bastante o nosso humor.”

Esse bom humor deu o tom para “Room Service”, descrita por Paul como “um diário musical”.

“Eu estava totalmente imerso naquela vida. Contar vantagem por pegar muitas mulheres já não era uma fantasia como na época do primeiro álbum. A vida na estrada era tudo o que eu havia imaginado, e ainda mais (…) A alegria nos vocais de ‘Room Service’ é legítima – eu estava celebrando a vida que vivia. Eu me divertia com ela.”

Além das faixas mencionadas, “Love Her All I Can” e “She”, músicas que Stanley e Simmons haviam originalmente gravado com sua banda anterior, Wicked Lester, foram regravadas.

Mas o álbum ainda carecia de um ingrediente final.

O hino nacional do rock ‘n’ roll

Responsável por muitos sucessos pop ao longo de sua carreira como dono de gravadora, Neil Bogart decidiu coproduzir o próximo trabalho do Kiss, na esperança de que sua contribuição gerasse o primeiro grande hit da banda. “Vocês precisam de uma música que seja capaz de unir seus fãs… que defenda a sua causa. Vocês têm que fazer com que as pessoas ergam as mãos e se juntem a vocês.” Essas palavras de Bogart levaram Gene e Paul a colocar mãos à obra.

Simmons relembra em sua autobiografia, “Por Trás da Maquiagem” (Belas Letras, 2021):

“Paul tinha uma música inacabada, que ele vinha compondo há meses, e eu tinha um pedaço de uma música que também não havia terminado. Juntamos as duas e surgiu uma música nova, que virou ‘Rock and Roll All Nite’.”

Ace soube que “Rock and Roll All Nite” era especial desde o primeiro ensaio.

“Quando gravamos a faixa, tive a sensação de que seria algo especial. Para simular o efeito de milhares de espectadores cantando junto o refrão, convidamos nossos amigos para o estúdio. Foi louco – Neil e Joyce [esposa] estavam lá, grudados no microfone. Bill Aucoin [empresário do Kiss], a esposa de Peter, Lydia, e outras pessoas da nossa equipe, todos gritando com os caras da banda: ‘I WANNA ROCK AND ROLL ALL NIGHT! AND PARTY EVERY DAY!’.”

Paul concorda:

“Depois que trabalhamos e terminamos a música, eu era capaz de imaginar as pessoas erguendo as mãos e cantando junto. ‘Esse podia ser o hino nacional do rock ‘n’ roll’.”

Para o lacônico baterista Peter Criss, “Rock and Roll All Nite” é uma das melhores canções do Kiss. Ele exemplifica a importância da música em sua autobiografia, “Makeup to Breakup” (Editora Lafonte, 2013):

“Você pode escutá-la hoje em dia em quase todos os eventos esportivos do mundo.”

Produção no vapor

É justo e necessário salientar que Neil Bogart nunca havia produzido um álbum antes. Apesar de ter obtido algum sucesso como cantor na juventude, isso não o qualificava como produtor.

Paul relembra que, durante as gravações, Bogart tinha como principal preocupação cortar custos. O músico diz:

“Ele sentava na sala e tentava impedir que gravássemos muitos takes. Não porque achasse que fosse captar algo especial nos primeiros takes, mas apenas para economizar dinheiro ao terminar o álbum mais rápido.”

Gene complementa a visão:

“Neil era mais um líder de torcida do que um produtor, de fato. Ele não assumia responsabilidades nem se preocupava em explorar o ponto de vista das músicas. Mas sabia que queria capturar mais da energia que via em nossos shows ao vivo do que o resultado que obtínhamos em estúdio. Tudo foi feito muito rápido.”

De fato, a rapidez marcou o processo: o Kiss gravou o álbum em cerca de dez dias. Além disso, um aspecto peculiar das sessões foi destacado por Peter e Ace. O baterista lembra:

“A primeira decisão de Neil como produtor foi trazer meio quilo de maconha. Era impossível andar naquele espaço sem ficar chapado. Passei aquelas sessões sentindo vertigens o tempo todo. Gene e Paul nem percebiam que estavam de barato. Gene chegava a pedir quatro dúzias de donuts e os devorava constantemente.”

O guitarrista, por sua vez, observa:

“Neil fumava maconha o tempo todo, e Gene e Paul, que eram tão contra drogas, simplesmente fingiam que não viam. Vai entender…”

Cara, cadê meu terno?

Bob Gruen trabalhava para a revista Creem quando seus editores vieram com a ideia de uma fotonovela do Kiss – uma história em quadrinhos, mas com fotografias. Nela, antes de salvarem o mundo com o rock ‘n’ roll, os membros da banda começam como repórteres polidos em suas identidades secretas, usando terno e gravata.

Enquanto estavam fotografando, Gruen fez o Kiss posar para alguns cliques na esquina da Oitava Avenida com a Rua 23, em Manhattan. Os quatro gostaram tanto do resultado que decidiram chamar o álbum de “Dressed to Kill” (“Vestidos para Matar”) e usaram a foto de terno na capa. O fotógrafo explica:

“Acho que é uma foto ótima, porque atrai as pessoas por ser incomum e engraçada. Ver o Kiss sem as fantasias humanizou a banda de alguma forma.”

Curiosamente, apenas Peter tinha um terno próprio. Gene relembra:

“Pegamos ternos emprestados de outras pessoas, mas nenhum servia direito. Se você olhar com atenção, vai ver que as pernas da minha calça e as mangas do meu paletó estão curtas e apertadas demais.”

Gruen também destaca outro detalhe inusitado:

“Na capa do álbum, Gene está usando os tamancos da minha ex-mulher [risos], e a banda também usou minhas gravatas.”

Decepção nas rádios, consagração nos palcos

“Dressed to Kill” foi lançado às pressas em 19 de março de 1975. Com cerca de 28 minutos de duração, o espaço entre as faixas no vinil original foi ampliado para que o álbum parecesse mais longo. Ele alcançou a 32ª posição na parada americana.

“Rock and Roll All Nite” foi lançada como single em 2 de abril e se tornou o primeiro “hit” do Kiss, chegando à 68ª posição nas paradas. Para Gene, no entanto, o desempenho foi decepcionante:

“Não foi terrível, mas achamos que poderia nos levar a outro nível nas rádios. E isso não aconteceu.”

Foi apenas quando a banda começou a tocar a música ao vivo que ela se transformou no hino esperado. Ace celebra:

“Os fãs adoraram, e rapidamente ela se tornou uma das nossas músicas mais conhecidas, perfeita para encerrar os shows.”

A turnê que preparou o Kiss para fazer história

Poucos dias após o lançamento de “Dressed to Kill”, o Kiss voltou à estrada com novos figurinos e efeitos de palco. Um momento marcante dessa turnê de 66 datas foi lembrado por Paul:

“Menos de dois meses depois de abrirmos para o Jo Jo Gunne em Santa Mônica e ouvirmos que precisávamos de um álbum novo, eles abriram para nós no Beacon Theatre, em Manhattan.”

Os ingressos para esse show esgotaram tão rapidamente que uma segunda apresentação foi marcada. No total, mais de 6 mil ingressos foram vendidos – um número impressionante para uma banda que ainda não tinha um álbum de grande sucesso.

Apesar da crescente base de fãs, as vendas de discos ainda não refletiam o impacto dos shows. Com 120 mil cópias vendidas, “Dressed to Kill” superou “Hotter Than Hell” e “Kiss”, mas ainda não representou o alcance desejado.

Essas limitações levaram à ideia de lançar um álbum ao vivo, algo que capturasse o poder da banda no palco. A próxima empreitada do Kiss, “Alive!”, se tornaria o lançamento mais importante da carreira do grupo.

Kiss – “Dressed to Kill”

Capa do álbum "Dressed to Kill", do Kiss
  • Lançado em 19 de março de 1975 pela Casablanca Records
  • Produzido por Neil Bogart e Kiss

Faixas:

  1. Room Service
  2. Two Timer
  3. Ladies in Waiting
  4. Getaway
  5. Rock Bottom
  6. C’mon and Love Me
  7. Anything for My Baby
  8. She
  9. Love Her All I Can
  10. Rock and Roll All Nite

Músicos:

  • Gene Simmons – vocais e baixo; guitarra base em “Ladies in Waiting”
  • Paul Stanley – vocais e guitarra base; guitarra solo na introdução de “C’mon and Love Me”
  • Peter Criss – bateria e vocais
  • Ace Frehley – guitarra solo, violão e backing vocals; guitarra base e baixo em “Getaway” e “Rock Bottom”

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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