“Vamos tentar tocar uma música agora, mas não temos violino aqui. Então vocês serão o nosso violino”. Assim começou o bis do New Model Army, evidenciando a sinergia entre o público que encheu a pista do Carioca Club e o lendário grupo inglês. Os coros do público ao emular o instrumento ausente em “Vagabonds”, clássico do disco “Thunder and Consolation” (1989), foram um dos auges de uma noite cheia de altos em São Paulo — neste domingo (9), vale lembrar, eles concluem a atual turnê nacional com apresentação no Rio de Janeiro.
O show de sábado (8) encerrou a quinta passagem por São Paulo do New Model Army, grupo inglês que faz um rock pesado e difícil de rotular. Ao longo dos mais de quarenta anos de carreira, a influência decrescente de pós-punk ainda segue presente com as linhas de baixo predominantes do “novato” Ceri Monger, desde 2013 no posto. O icônico Justin Sullivan, vocalista, líder e único membro desde o início da “banda mais feia do rock’n’roll”, cada vez mais incluiu folk rock em suas composições, tanto na temática das letras quanto em sua alternância do uso de violão e guitarra.
Abertura pontual, banda principal atrasada
O New Model Army atrasou 25 minutos para subir ao palco em relação ao horário anunciado. Por quase o mesmo tempo, o grupo paulista Os Brutus, este sim, exatamente na hora combinada, divertiu o ainda pequeno público presente no Carioca Club.
O trio tocou mais de dez temas de surf rock instrumental em menos de meia hora, todos com suas máscaras de lutadores mexicanos — até o roadie, que chegou a dançar no palco —, apoiado por um telão alternando animações e filmes icônicos. Se não chegou a efetivamente aquecer os presentes para a atração principal, deixou certamente menos morosa a espera.
Ao se abrirem as cortinas do Carioca Club, sob o apropriado som mecânico de “Magic Mountain” (Eric Burdon & War), não foi só a pontualidade britânica que o New Model Army passou por cima em sua segunda apresentação paulistana, como tradição nas passagens do grupo pela cidade.
Dias depois de executar um repertório acústico na Fabrique, o grupo inglês voltou à capital paulista como um rolo compressor, evidenciado pela atuação precisa do baterista Michael Dean, substituto do falecido Robert Heaton, que saiu doente da banda em 1998 numa relação já conturbada com Sullivan e veio a falecer de câncer pancreático em 2004.
Oficialmente como um quarteto, completado pelo correto Dean White, tecladista desde 1994 que após a pandemia de covid-19 assumiu oficialmente a guitarra no grupo inglês, o New Model Army contou com o auxílio de Nguyen Green às sombras no cantinho do palco, tocando o instrumento deixado por White e vez ou outra dando uma mão na percussão. Assim como o baixista Ceri Monger, também são responsáveis pelos vocais de suporte a Justin Sullivan.
Início com material recente em set equilibrado
Se havia expectativa de um repertório cheio de clássicos, o grupo inglês não a atendeu plenamente. O disco de estreia “Vengeance”, que completa 40 anos em 2024, não teve uma música representada, nem seu primeiro trabalho por uma grande gravadora, “No Rest for the Wicked” (1985).
Os primeiros quarenta minutos da apresentação do início da agradável noite de sábado em São Paulo focaram-se no repertório dos álbuns dos últimos quinze anos. Em especial, “Unbroken”, disco lançado em janeiro deste ano, representado por cinco músicas neste show, já desde o início com a frenética “Coming or Going”.
A julgar pela reação a “First Summer After”, primeira vez que Sullivan empunhou um violão no palco, a “família” — como são conhecidos os fãs do New Model Army — presente no show de São Paulo fez sua lição de casa e já cantava quase como clássico o single inaugural do trabalho mais recente.
Após a bela “Winter”, faixa-título do álbum de 2016, Monger largou seu baixo e auxiliou Dean ao sentar a mão na percussão em “Stormclouds”, do álbum “Between Dog and Wolf” (2013). O público ovacionou a banda em um dos momentos mais pesados da noite.
Clássicos em show com vários auges
Ao final da melancólica “Never Arriving”, música do penúltimo álbum “From Here” (2019), finalmente o New Model Army resolveu colocar para jogo seu material clássico. E começou pela pesada “Here Comes the War”, de “The Love of Hopeless Causes” (1993). Se até então o público reagia de forma empolgada, o refrão com o nome da música gritado em uníssono foi o primeiro auge da noite.
A catarse se manteria na dupla de “Thunder and Consolation” executada na sequência. A pesada “225” abriu caminho para a icônica “Green and Grey”, com Sullivan reconhecendo certa semelhança com São Paulo na letra sobre a jornada de um inglês em êxodo rural, numa espécie de adaptação reflexiva num ônibus britânico para a saga Springsteeniana de botar o carro na estrada atrás do sonho americano. Outro auge da noite.
Após a bela “Idumea” — com Sullivan no baixo e Monger na percussão — dar destaque a faixas pré-gravadas dos cânticos executados ao seu final da faixa do disco novo, o vocalista se desculpou ao público por não falar português. O motivo: “51st State”, a apropriação do New Model Army sobre uma canção do obscuro grupo punk inglês The Shakes.
Gravada em “Ghost of Cain” (1986) e lançada como single, ficou tão conhecida no Brasil que faz até hoje a banda parecer one-hit wonder no país. Por isso, sua letra protestando contra a submissão thatcherista ao modelo neoliberal dos reaganomics oitentista foi cantada a plenos pulmões no Carioca Club, quase encobrindo os vocais de Sullivan.
Após o protesto ambientalista e pesado de “Angry Planet”, de “Between Wine and Blood” (2014), mais um auge veio com a reação efusiva a “Purity”. Sullivan apresentou a única faixa tocada do disco “Impurity” (1990) como uma das mais verdadeiras músicas que a banda já escreveu, ainda mais num tempo de líderes nacionalistas e religiosos prometendo ter as soluções.
Único retorno para público ansioso por bis
Após o New Model Army encerrar a primeira parte com a animada “Wonderful Way to Go”, faixa de “Strange Brotherhood” (1998), último disco a contar com Robert Heaton nas baquetas, a espera pelo bis foi daquelas em que o público efetivamente queria a banda de volta. Por quase cinco minutos, palmas, gritos, assovios e coros tomaram conta do Carioca Club.
Não dava para superar a frenesi do público com a já citada “Vagabonds”, a música executada no retorno ao palco, mas “The Hunt” veio praticamente emendada e conseguiu chegar num patamar parecido. A faixa do disco “Ghost of Cain” (1986) tem uma relação especial com o Brasil após ter sido regravada pelo Sepultura em “Chaos A.D.” (1993) e foi acompanhada por gritos raivosos dos presentes no Carioca Club.
A apocalíptica “I Love the World”, de “Thunder and Consolation”, encerrou às nove da noite os quase cem minutos nos quais o New Model Army comandou o público do Carioca Club. Talvez devido ao atraso para o início do show, a espera do público por mais um retorno da banda ao palco — uma tradição na cidade — foi logo enterrada quando os ruídos dos instrumentos cessaram para o som mecânico de “I’m Not Your Stepping Stone”, do The Flies. As luzes se acenderam e deixaram claro: era hora de ir embora.
Desta vez, o retorno ficou mesmo na promessa de Sullivan para daqui a alguns anos. A julgar pela forma do quase septuagenário vocalista, a atuação energética do New Model Army e a reação sempre empolgada do público a uma noite de rock daquelas do Carioca Club, não há como desconfiar de que será cumprida.
*Mais fotos ao fim da página.
New Model Army — ao vivo em São Paulo
- Local: Carioca Club
- Data: 8 de junho de 2024
- Turnê: Unbroken — Latin America Tour 2024
- Produção: Liberation MC
Repertório:
- Coming or Going
- States Radio
- First Summer After
- Language
- Winter
- Stormclouds
- Do You Really Want to Go There?
- Never Arriving
- Here Comes the War
- 225
- Green and Grey
- Idumea
- 51st state
- Angry Planet
- Purity
- Wonderful Way to Go
Bis:
- Vagabonds
- The Hunt
- I Love the World
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Cópia de SP que pena kkkk cantamos “Vagabonds” “A Capela” antes do rio de janeiro”