O Kool Metal Fest já está no calendário de shows no Brasil há alguns anos, tendo realizado eventos consistentes e que vão do metal ao punk mesclando nomes como Belphegor, Ratos de Porão, Krisiun, D.R.I., Vio-lence, Brujeria, Violator e outros. No último domingo (9), porém, o festival simplesmente mudou de patamar ao vivenciar sua edição mais contundente e bem-sucedida – assim como a mais extrema.
Desde o anúncio em março, com Possessed e Venom Inc. como headliners, o clamor já era grande. Somada a eles, veio a ótima curadoria de bandas nacionais — Vulcano, Velho, Cemitério e Facada —, que, no fim das contas, praticamente fez passar despercebido o cancelamento misterioso do Necrodemon, do Chile, às vésperas.
Com apresentações intensas e memoráveis numa abarrotada Vip Station, em São Paulo, as seis bandas — pioneiras e/ou atuais representantes fiéis do death metal, black metal e grindcore — fizeram do evento um marco underground a ser lembrado por muito tempo. Tanto pela forte identificação com o público como pela música em si.
Facada: deixa o caos entrar
Poucas vezes se viu uma atração de abertura em festival ser tão prestigiada. Às 15h, a presença de adeptos ao grindcore do Facada já era excelente no interior da casa, com muitas pessoas ansiosas pelo breve, mas esmagador show do trio cearense.
James (baixo/vocal), Danyel (guitarra) e o relativamente novato baterista Vicente, que entrou em 2022, começaram com o clássico “Tu Vai Cair” e logo abriram as primeiras de muitas rodas que tomariam conta da Vip Station ao longo do domingo.
“É o Napalm Death brasileiro” foi uma das elogiosas comparações entreouvidas mais atrás na pista, por quem preferiu não se arriscar no mosh pit. Só que o Carcass também é uma influência inegável no Facada, a começar pelo backdrop estampado no fundo do palco: “…bloody sickness music for death”.
“Nadir”, “Apocalipse Agora” e “O Cobrador” foram outros sons de destaque numa apresentação de quase 30 minutos, que precisou ter algumas músicas do último bloco cortadas (“Instagrinder”, “Sarcófago”, “Amanhã Vai Ser Pior”, por exemplo) para cumprir o horário, seguido à risco durante todo o evento.
Mesmo assim, foram 16 “singelas” canções executadas e que deixaram o caos entrar, com a sugestiva “Guarda Esse Mantra Pra Ti” encerrando o baile.
Repertório – Facada:
- Intro/Tu Vai Cair
- Socorro
- O Joio
- Playing With Souls
- Descendo Sangue Igual Torneira
- 9mm de Redenção
- Tudo me Faltará
- Feliz Ano Novo
- Nadir
- Emptier
- Apocalipse Agora
- Cidade Morta
- Falta Excesso
- Podem Vir
- O Cobrador
- Guarda Esse Mantra Pra Ti
Cemitério: trilha sonora do terror
Mais um power trio, desta vez totalmente orientado ao death metal raiz, tendo bebido diretamente na fonte de um dos protagonistas da noite, o Possessed. Isso sem falar no Vulcano, que inclusive estampava a camiseta do baixista e vocalista Hugo Golon.
Na ativa há uma década, o Cemitério tem nome consolidado e um disco de estreia que pode ser considerado clássico cult do estilo no Brasil. Ao subir no palco emendando com velocidade músicas como “A Volta dos Mortos Vivos”, “A Vingança de Cropsy” e “Quadrilha de Sádicos”, a banda provou estar em grande forma.
Mesmo ao vivo, Hugo, que começou o projeto como uma one man band, se sai muito bem na arte de cantar as letras em português que versam sobre filmes de terror. “Tara Diabólica” e “Natal Sangrento”, por exemplo, têm uma métrica vocal que não é fácil de encaixar, mas o resultado foi mais do que satisfatório.
O guitarrista Douglas Gatuso também entregou uma performance precisa e insana, agitando a todo instante. No encerramento triunfal, uma versão com tempero brasileiro para “Infernal Death” (“Morte Infernal), do Death, e um aperitivo da instrumental “Transylvania”, do Iron Maiden, que ficou somente nos primeiros riffs.
Há anos o público cobra um novo disco de estúdio do Cemitério. Que a banda paulista possa em breve satisfazer esse desejo de seus apreciadores.
Repertório – Cemitério:
- A Volta dos Mortos Vivos
- A Vingança de Cropsy
- Quadrilha de Sádicos
- Massacre no Texas
- Tara Diabólica
- Oãxiac Odèz
- O Dia de Satã
- A Sentinela dos Malditos
- Sexta-Feira 13
- Holocausto Canibal
- Natal Sangrento
- Morte Infernal (cover de “Infernal Death”, do Death)
Velho: culto cada vez mais poderoso
Sem redes sociais, sem discurso panfletário – apesar de ser uma das bandas mais políticas de sua geração – e tocando black metal cru, o Velho conseguiu criar em torno de si um dos cultos mais poderosos da cena nacional. E que só aumenta a cada dia.
Quando o quarteto do Rio de Janeiro deu as caras para fazer os primeiros ajustes antes de tocar, o público já começou a entoar gritos de “Velho!, Velho!, Velho!”. Respondidos com as batidas iniciais de Thiago Splatter na bateria. E em questão de instantes, o que era passagem de som logo virou a levada que abre “Mais um Ano Esfria”.
É impossível, no entanto, dissociar o fenômeno Velho do carisma de Thiago Caronte (guitarra/vocal). E de sua poesia, lírica e musical, que não encontra precedentes no black metal feito no Brasil. Extremamente hábil com as palavras, ele tem o público nas mãos durante a apresentação e uma capacidade única de incitar a todos.
“Cadáveres e Arte”, “Coma Induzido” e “Perto dos Portais da Loucura“, com letras profundas, mas fáceis de cantar junto, viraram hinos catárticos que corroboram a mensagem de alerta feita por Caronte ao fim da segunda delas: “Nunca se deixem cair nesse coma induzido; sejam sempre um indivíduo!”.
“Satã, Apareça!”, dedicada a Cavalo Bathory, vocalista do Amazarak, e “O Único Caminho” encerraram o que foi, provavelmente, o melhor dentre os shows nacionais dessa edição do Kool Metal, mesmo durando não mais do que 25 minutos.
Repertório – Velho:
- Mais um Ano Esfria
- Senhor de Tudo
- Cadáveres e Arte
- Coma Induzido
- A Mesma Velha História
- Perto dos Portais da Loucura
- Satã, Apareça!
- O Único Caminho
Vulcano: nunca perde a majestade
Até o show do Velho, que terminou pouco antes das 17h, ainda era possível transitar com certa facilidade pelas dependências da Vip Station. Quando chegou a vez do Vulcano entrar em ação, a casa, cuja capacidade total (incluindo camarotes e demais espaços) é de 3.800 pessoas, já estava entupida de gente.
Unanimidade quando o assunto é metal no Brasil, o Vulcano tem mais de 40 anos de história. Fundada por Zhema Rodero em 1981, a banda de Santos ajudou a pavimentar o estilo no país e até hoje é cultuada. Não à toa, a pista estava completamente tomada quando Angel, vocalista original, subiu ao palco para a tradicional introdução: “Os portais do inferno se abrem…”.
Porém, ao contrário da expectativa criada com esse prelúdio, Angel não permaneceu para cantar “Holocaust”, que abriu o set, tampouco retornou depois. O ex-vocalista vinha participando de alguns shows como convidado, mas desta vez coube ao atual titular, Luiz Carlos Louzada, assumir o microfone do início ao fim.
O repertório recheado de clássicos, seja do ao vivo “Live” (1985) ou do aclamado “Bloody Vengeance” (1986), teve problemas com o som de guitarra nas primeiras músicas. Nada que comprometesse, mas levou um tempo para ficar tudo redondinho.
Como havia certa folga em termos de horário, chegaram a acrescentar “The Signals” na metade do show, mas no fim foram informados pela produção de que teriam que cortar uma música. Sobrou para “Legiões Satânicas”, que acabou limada. Felizmente, “Guerreiros de Satã” já havia levado todos os headbangers ao êxtase.
Repertório – Vulcano:
- Holocaust
- Dominios of Death
- Spirits of Evil
- Witches’ Sabbath
- The Signals
- Ready to Explode
- Death Metal
- Incubus
- Total Destruição
- Guerreiros de Satã
Venom Inc.: melhor que a encomenda
A ausência de Mantas, único membro mais relevante do Venom a tocar no Venom Inc. hoje em dia, gerou preocupação. O guitarrista sofreu um infarto em abril e não pôde fazer parte da turnê pela América do Sul, que incluiu o show no Kool Metal Fest.
O norte-americano Curran Murphy (ex-Annihilator e Nevermore) foi recrutado às pressas, dando a impressão de que a apresentação acabaria sendo uma espécie de cover de uma banda que… convenhamos, já é cover. E, tecnicamente, foi isso mesmo. Mas, é preciso reconhecer: saiu bem melhor que a encomenda.
Murphy não só executou as músicas de forma irretocável como demonstrou uma presença de palco muito acima da média. O próprio Tony “Demolition Man” Dolan, que gravou apenas álbuns considerados “menores” na discografia do Venom, surpreendeu ao incorporar uma performance digna de Cronos (baixista e vocalista fundador), algo que talvez nem o verdadeiro Cronos consiga mais atualmente.
Além disso, o Venom Inc. conseguiu tirar o melhor som do evento. A qualidade de áudio durante a apresentação do trio – completo com o baterista Marc Jackson – impressionou em clássicos como “Witching Hour”, “Welcome to Hell”, “Live Like an Angel (Die Like a Devil)”, “Black Metal” e “Countess Bathory”.
E pela quantidade não só de rodas, mas também de stage dives durante todo o show, pode-se dizer que o Venom Inc. passou no crivo popular. Que o diga a equipe de roadies, que teve trabalho para “proteger” o palco. No fim, todo mundo se divertiu.
Repertório – Venom Inc.:
- Witching Hour
- Bloodlust
- Come to Me
- War
- Welcome to Hell
- Inferno
- Live Like an Angel (Die Like a Devil)
- Blackened Are the Priests
- Carnivorous
- In Nomine Satanas
- There’s Only Black
- Black Metal
- In League With Satan
- Countess Bathory
- Sons of Satan
Possessed: fidelidade ao metal
Não há dúvidas de que o Possessed era a atração mais aguardada deste Kool Metal Fest. A simbologia que envolve Jeff Becerra e sua lealdade ao heavy metal se confundem com a própria devoção que cada fã, em especial os da América do Sul, nutre pela banda californiana e pelo estilo que criaram. Afinal, fidelidade gera fidelidade.
Um pacto duradouro, firmado em 1985 quando o Possessed lançou “Seven Churches” e inventou uma variante chamada death metal. Desde então, essa relação jamais se abalou. E, especificamente aqui no Brasil, se renova pela terceira vez (2008, 2013 e agora em 2024) com seu grande progenitor vindo revisitar tal espólio.
Acompanhado de uma formação afiadíssima e que comunga dessa paixão – Daniel Gonzalez e Claudeous Creamer nas guitarras, Robert Cardenas no baixo e Chris Aguirre II na bateria -, Jeff honrou o legado com hinos do quilate de “Pentagram”, “The Exorcist”, “Tribulation”, “Storm in My Mind”, “Death Metal” e “Burning in Hell” – as duas últimas sendo o grand finale.
Seis faixas do disco de retorno, “Revelations of Oblivion” (2019), também se fizeram presente e foram muito bem recebidas, em especial “Demon”, “Graven”, “The Word” e “Damned”. Em geral, o som esteve um pouco mais grave e baixo que o das demais bandas, o que pode ter gerado certo estranhamento, mas evitou o risco de soar estridente demais e embolar as guitarras com a voz áspera de Jeff.
Paraplégico desde 1989 ao ser baleado vítima de um assalto, ele se emocionou em diversos momentos. Como se a energia do show gerasse uma descarga de sentimentos, tanto pela intensidade de se sentir vivo como pela frustração de não poder se livrar da cadeira de rodas e agitar ainda mais. Ao término, o eterno líder do Possessed circulou entre o público e atendeu diversos fãs com fotos e autógrafos, sempre com largo sorriso no rosto, reciprocidade e o pertencimento de estar entre os seus.
Repertório – Possessed:
- No More Room in Hell
- Damned
- Pentagram
- Seance
- The Word
- Storm in My Mind
- Dominion
- The Eyes of Horror
- Tribulation
- Graven
- The Exorcist
- Demon
- Fallen Angel
- Death Metal
- Burning in Hell
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