Mick Mars vem trabalhando em seu primeiro álbum solo de maneira intermitente há uns bons anos. Em 2016, teasers de material com John Corabi chegaram a ser divulgados, para absoluto deleite dos fãs do pesado disco homônimo que o Mötley Crüe lançou com o vocalista três décadas atrás.
Hoje, a realidade é outra. “The Other Side of Mars” chega trazendo não Corabi, recém-reintegrado ao The Dead Daisies, mas o novato Jacob Bunton, que Mick descobriu por indicação do amigo e tecladista Paul Taylor (Winger), seu braço direito na empreitada. O baterista do Korn, Ray Luzier, e o baixista Chris Collier completam a banda que acompanha o guitarrista de 72 anos nas 10 faixas que compõem o play cuja camada de verniz coube ao a princípio aposentado Michael Wagener.
Valendo-se do que a tecnologia tem de melhor a oferecer e mostrando-se antenado aos sons do momento, Mars apresenta um repertório que na forma — timbragens modernas, muita sobreposição de camadas e um caminhão de texturas — contradiz sua idade e até mesmo seu passado como ícone do tal hair metal. Porém, no conteúdo, entrega que ele veio de longe, pois nunca alguém que não tenha comido o pão que o diabo amassou seria capaz de escrever sobre as agruras da vida de maneira tão convincente.
A mais recente dessas — sua saída nada amigável do Mötley e toda a briga que vem se desenrolando nos tribunais — parece ter inspirado ao menos partes da abertura “Loyal to the Lie”, cujos título e versos, embora baseados no suicídio coletivo liderado por Jim Jones em 1978, podem ser lidos como uma indireta aos ex-colegas Vince Neil, Nikki Sixx e Tommy Lee. Já em “Ain’t Going Back”, a mensagem parece ser clara: o Crüe é página virada, descartada do folhetim do guitarrista.
Sua saúde frágil — Mick foi diagnosticado ainda jovem com espondilite anquilosante, séria condição degenerativa que atrofia e inflama articulações e ligamentos da coluna vertebral — também fornece pano de fundo para toadas mais reflexivas, como em “Broken on the Inside” e “Undone”; o tipo de letras que jamais entrariam num disco do Crüe. Curiosamente, esta última é uma das duas faixas descritas por Mars como “angustiada e desesperada” — a outra sendo “Killing Breed” — cantadas por Brion Gamboa em vez de Bunton.
E, ao contrário de seus contemporâneos no hard que vêm um a um dando declarações polêmicas — para não dizer infelizes — sobre as dores do mundo, Mick inclina-se para o lado certo; inquietude, questionamento, consciência de que a música, conforme dizia Henri Pousseur, é sobretudo um veículo de uma mensagem. Certo que neste terceiro ponto a interpretação se entrelaça com a especulação, mas “Right Side of Wrong” — a melhor entre as faixas mais pesadas, com baita refrão e solo curto e efetivo — soa combativa demais para cenários de ficção.
Restam ainda o piano como coadjuvante na cadenciada “Alone” e protagonizando o momento mais surpreendente do disco em “Memories”, uma canção de amor daquelas bem dilacerantes. Nos sulcos finais, um número instrumental blueseiro-pedrada-canastrão com título que é quase de game: “L.A. Noir”.
Terminada a audição, fica evidente que Mick Mars não tem como objetivo abrir concorrência a sua ex-banda, composta por adolescentes de 60 anos. Tampouco quer se refestelar nos louros de outrora ou ser lembrado como uma figuraça gasta. A proposta de “The Other Side of Mars” faz jus ao título: eis aqui o outro lado — por que não, a verdadeira face — do artista. E que baita artista é este senhor.
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Veja também:
Mick Mars — “The Other Side of Mars”
- Loyal to the Lie
- Broken on the Inside
- Alone
- Killing Breed
- Memories
- Right Side of Wrong
- Ready to Roll
- Undone
- Ain’t Going Back
- LA Noir
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