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O fracassado experimento AOR de Glenn Hughes e Pat Thrall

Disco único da parceria é detentor de inegável status de cult; caso de esposa de Hughes com irmão de Thrall afetou continuidade do projeto

“Car#lho – esse é o novo Tommy Bolin!”, pensou Glenn Hughes quando viu Pat Thrall no palco pela primeira vez. O guitarrista integrava a banda de outro Pat, o Travers, quando Hughes o conheceu em 1980.

Na mesma noite, uma jovem banda chamada Def Leppard fez o show de abertura. “Ninguém sabia quem eles eram, mas eu sabia que eles seriam grandes”, escreve Glenn em sua autobiografia. Mas isso é outra história.

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Após o show, Hughes disse a Thrall que algum dia os dois tinham que tocar juntos. Grande fã do Trapeze – grupo do qual Glenn fez parte antes de se juntar ao Deep Purple nos anos 1970 –, o guitarrista não pensou duas vezes: “Adoraria fazer algo um dia”.

Quatro ou cinco meses depois, Pat Thrall deixou a Pat Travers Band.

Procura-se um baterista… ou três

Ao tomar ciência das boas novas, Glenn Hughes convidou Pat Thrall para ficar em sua casa em São Francisco, Califórnia. Bastou um mês movido a muita cocaína para que músicas começassem a ser escritas, as bases do que se tornaria o LP “Hughes/Thrall” fossem estabelecidas e possíveis bateristas fossem cogitados para a empreitada.

No topo de uma lista de mais de cem nomes estava Richie Hayward. Como havia quebrado a perna no ano anterior, o integrante do Little Feat não estava em sua melhor forma e optou por dizer não à dupla.

Frankie Banali, do Quiet Riot, foi o escolhido para a vaga, mas em estúdio acabou sendo preterido em favor de Gary Ferguson (professor da Academia de Música Los Angeles) e Gary Mallaber, da Steve Miller Band, em algumas músicas.

Um método curioso

A casa de Glenn Hughes foi promovida a quartel-general da dupla. Os ensaios aconteciam em meio a um vai e vem de traficantes e amigos-serrote.

Extremos-opostos no que diz respeito ao modo de trabalhar, Hughes e Pat Thrall acabaram desenvolvendo um método de composição que funcionou. O primeiro, movido pela espontaneidade, dava o pontapé inicial nas músicas; o segundo, metódico até dizer chega, se encarregava de lapidá-las.

Embora relate que houve, sim, dificuldades, Hughes reconhece em sua autobiografia que ele e Thrall formaram uma ótima equipe:

“Como em todas as grandes parcerias – [Mick] Jagger e [Keith] Richards, ou quem quer que seja –, foram as diferentes personalidades que nos tornaram ótimos. No fim das contas, foi incrível, e teria continuado a ser se as drogas não tivessem entrado no meio do caminho.”

Baita orçamento e baita produtor

A notícia de um LP de Glenn Hughes com Pat Thrall logo se espalhou por toda a Califórnia. A Atlantic Records — lar de nomes como Foreigner e Genesis — foi a primeira a demonstrar interesse, mas a melhor proposta veio de um novo selo subsidiário da Epic chamado Boulevard Records, com o qual a dupla assinou.

A conta final foi enorme: 250 mil dólares. Mas pudera: além do tempo de estúdio e da
quantidade exorbitante de cocaína consumida, quem produziu o álbum foi ninguém menos
que Andy Johns.

Morto em 2013 aos 62 anos, o irmão mais novo do igualmente renomado Glyn Johns trazia na bagagem discos de bandas do porte de Led Zeppelin e Rolling Stones. Era conhecido por pegar no pé de quem quer que fosse para obter o resultado esperado.

Também era alcoólatra, mas do tipo funcional. Em sua autobiografia, Hughes o descreve:

“Era um inglês de 1,80m, mãos do tamanho de pás, chapéu de caubói e às vezes carregava um [revólver] .44 Magnum num coldre. Era um amigo querido, mas quando bebia ou cheirava, enlouquecia completamente. Nunca o vi bater em ninguém, mas quem ousaria encher o saco daquele sujeito enorme?”

Caindo na estrada

Quando “Hughes/Thrall” foi lançado em agosto de 1982, a dupla embarcou para o Japão para uma turnê promocional feita à base de coca durante a qual videoclipes para as músicas “I Got Your Number” e “Muscle and Blood” foram filmados.

De volta para os Estados Unidos em outubro, com Tommy Aldridge na bateria e Jesse Harms nos teclados, o Hughes/Thrall abriu uma série de shows do Santana. O grupo ficou na estrada por dois meses, tocando apenas na Costa Oeste.

No repertório dos shows, sete das nove faixas do LP — “Where Did the Time Go” e “Coast to Coast”, originalmente gravada pelo Trapeze, ficavam de fora —, o famoso solo de bateria sem baquetas de Aldridge e “Highway Star”, do Deep Purple, num bis que não fazia lá muito sentido.

Rolou um adultério

Menos sentido ainda fez a baixíssima vendagem do LP, que, não obstante consista em uma verdadeira aula de AOR e melodic rock, naufragou. Mas não foi só isso que estremeceu a relação entre Glenn e Pat. Em sua autobiografia, Hughes relata um episódio que, sem dúvida, gerou desconforto:

“Voltei para casa, e Karen [namorada de Glenn na época] não estava. As portas estavam
trancadas, então chutei a porta da garagem e entrei. Notei em um dos banheiros que havia um par de sapatos e uma cueca. Ao chegar no quarto, havia um cara deitado na minha cama! E era Preston Thrall, o irmão do Pat! Ele estava nu, então joguei suas coisas pela janela e mandei ele se f#der. Quando Karen chegou em casa, eu estava dormindo na cama exatamente onde ele estava. Claro, as coisas nunca mais poderiam ser as mesmas depois disso.”

O próprio Thrall comenta o episódio no supracitado livro:

“Fiquei com muita raiva do meu irmão. Tipo: ‘Por que você fez isso? De todas as mulheres de Los Angeles tinha que ser logo ela?’. Até onde sei, foi apenas uma noite, e ele [Preston] se sentiu muito mal por isso. Por outro lado, o Glenn estava traindo a Karen também. A situação era muito estranha.”

Preteou o caqui

Apesar da inexpressão em vendas, a Boulevard quis dar ao Hughes/Thrall outra oportunidade. A essa altura, porém, a magia havia sido quebrada: além do envolvimento do irmão de Pat Thrall com a esposa de Glenn Hughes, os dois estavam tomando direções musicais opostas. Glenn comenta:

“Acho que estava mais inclinado a um funk mais pesado, e ele [Pat] estava indo em uma direção mais eletrônica.”

Depois de, a duras penas, escreverem três ou quatro músicas, eles se deram conta de que o material não era tão bom como o presente no primeiro LP e optaram por arquivar o projeto. Mas não era só isso. De acordo com Pat:

“Tentar fazer o Glenn trabalhar era impossível. Ele ficava por meia hora e depois se dirigia para alguma casa noturna pelo resto da noite. Acho que ele estava usando o trabalho como uma desculpa para sair de casa, ficar longe de sua esposa. Era terrível.”

Alimentando esperanças

Duas músicas, “You Were Always There” e “Devil in You”, escritas por Glenn Hughes e Pat Thrall para seu segundo LP acabariam vendo a luz do dia em “From Now On…”, álbum solo de Glenn lançado em 1994 — o primeiro de sua carreira que gravou totalmente sóbrio.

Outra composição da dupla que data da mesma época de nome “Still the Night” seria gravada pelo supergrupo Phenomena no disco homônimo de 1985 e por John Norum em “Face the Truth” (1992). Ambas as versões contam com Hughes nos vocais.

No início dos anos 2000, especulou-se que a dupla finalmente tiraria o segundo disco do papel. Contudo, a lentidão metódica de Thrall fez o colega sepultar de vez o projeto. Em 2009, Hughes afirmou:

“Abandonei oficialmente o projeto ‘Hughes/Thrall 2’… Começamos [a gravar] o álbum em 1997 e Pat quis produzi-lo sozinho. Mais de uma década para produzir um álbum? Geralmente não levo mais de seis meses. Vamos cada um para um lado e vida que segue.”

Até o dia em que Glenn Hughes e Pat Thrall decidirem dar nova chance à parceria, a última colaboração do dupla que se terá notícia é a participação de Thrall em oito faixas de “Feel”, disco solo de Hughes lançado em 1995.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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