A quinta passagem do Apocalyptica, grupo que se autodenomina “cello metal”, pelo Brasil ocorre pouco menos de um ano após a anterior, para apresentação no Summer Breeze, em abril de 2023. É a segunda turnê extensa que sucede o festival – o Blind Guardian, um dos headliners, voltou a São Paulo e estendeu a nova visita a outras seis cidades ainda em 2023.
Se antes o receio era de que o Summer Breeze fosse monopolizar os shows de metal, está se provando que ele serve até como amostra do que o povo terá como opção posteriormente.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox.
Após Porto Alegre (terça, 16) e Curitiba (quarta, 17), foi a vez dos paulistas receberem o Apocalyptica. Antes, a banda local Allen Key subiu ao palco do Carioca Club, por volta das 20h45. Eles têm se apresentado com regularidade, inclusive abrindo a estreia da turnê do Angra no Tokio Marine Hall, em novembro último.
O som é um meio termo entre Cranberries e Halestorm, uma gama de baladas e pauladas que permitem à vocalista Karina Menascé se destacar não apenas com a presença de palco carismática, reforçada por seus (chuto) quase dois metros de altura: ela vai do zero ao dez, dos tons mais sutis e graves, como em “Illusionism”, à agressividade rasgada de “Apathy”. Quanto mais alto o tom ou mais drive ela precisa usar, chegando ao gutural, mais à vontade ela parece ficar.
Os backing vocals eventuais do baixista William Moura são bem-feitos, bem escolhidos e bem-vindos – o timbre dos dois combina demais. Os aplausos crescentes sinalizaram que o público também teve essa sensação — e uma série de balões voando pela pista coroaram a sintonia estabelecida com um público a princípio indiferente. É sempre muito legal quando isso acontece. Pedro Fornari e Victor Anselmo nas guitarras e Felipe Bonomo na bateria completam o time.
Pontualmente às 22h, com a casa quase cheia, Eicca Toppinen, Perttu Kivilaakso e Paavo Lötjönen sobem ao palco após o excelente baterista Mikko Kaakkuriniemi, substituto do titular Mikko Siren, ter assumido o kit. Spoiler: nenhuma explicação foi dada por essa troca, embora o “Mikko oficial” tenha até participado do vídeo de divulgação desta turnê brasileira.
Com “Ashes of the Modern World” eles dizem a que vieram: muita agitação, simpatia que não parece forçada e precisão na execução de um instrumento em que é muito fácil desafinar. Não à toa em orquestras o silêncio por parte da plateia é absoluto, a fim de que a concentração do músico seja preservada.
A segunda música é “For Whom the Bell Tolls” e aí todos os elementos da noite estavam entregues. Era de se esperar que tocassem cover do Metallica, afinal, foi o que os deixaram famosos. Aqui, constata-se: é um erro supor que o Apocalyptica simplesmente substitui as tradicionais guitarras. O que eles fazem é expandir as possibilidades de som do violoncelo, mas quando tentam soar pesado com ele, ficam num limbo insolúvel: não é pesado para ser metal, não encanta como a sinfonia. Funciona da mesma maneira que “My Heart Will Go On” (Céline Dion) tocada na zamponha não é música tradicional boliviana nem pop, ou Sambô tocando “Sunday Bloody Sunday” nem honra o original do U2, nem é o tradicional samba.
Para piorar, o povo não sabia a letra, só timidamente a balbuciou e assim foi também com “Seek and Destroy” (também do Metallica) e “Refuse/Resist” (Sepultura); ou seja, enquanto um vocalista não apareceu. Era, aliás, difícil estipular qualquer outro denominador comum entre o público. Antes dos shows começarem, uma discotecagem de respeito que incluiu “Holy Thunderforce” (Rhapsody), “Tears of Mandrake” (Edguy), “Here I Am” (Shaman) e “The Curse of Feanor” (Blind Guardian) não obteve qualquer reação. Aí o DJ apelou: “I Want Out”, segunda do Helloween, depois de “If I Could Fly”. Nada. As pessoas de roupa social (possivelmente por terem ido direto do trabalho), os clássicos headbangers e os típicos góticos realmente tinham apenas a banda principal em comum.
E com ela ficaram felizes. Todas as reações mais entusiasmadas foram com quando aparecia material autoral e ficava bom mesmo quando o vocalista mexicano Erik Canales (da banda Allison) assumia os vocais, como em “I’m Not Jesus” e “I Don’t Care”, originalmente cantadas por Corey Taylor (Slipknot); “Not Strong Enough”, gravada por Brent Smith (Shinedown); e “Shadowmaker”, cantada por Franky Perez (ex-guitarrista do Scars on Broadway e músico convidado nas turnês do Apocalyptica). Além de ter a voz perfeita para interpretar cantores tão distintos, ele soube agitar na mesma medida que os finlandeses. Ainda arriscou um português na comunicação com a plateia, o que também ajudou a levantar o ânimo dos presentes.
Na sequência voltam os covers e o contentamento do povo é explícito, embora a participação desande. “Nothing Else Matters” faz com que quase todos tirem o celular para filmar, mas as vozes, que cantaram as autorais em uníssono, voltam a parecer murmúrio de conversas paralelas. O show perde em ânimo, mas ninguém fica triste.
Pausa para apresentar a banda, Perttu Kivilaasko chama um por um de volta ao palco, e tocam “Seek and Destroy”, a última antes do bis. Voltam com a delicada “Farewell” e encerram com a confusa, mas performática “Peikko”.
É difícil de entender o sucesso de uma apresentação com tantos altos e baixos que poderiam ser evitados, mas não há o que se ensinar ao Apocalyptica. Praticamente 20 anos depois de estrear no Brasil, abrindo o show do Megadeth no Credicard Hall (atual Vibra), turnê do “The System Has Failed” em 2005, eles não só mantiveram o eclético público — ele cresceu. A atual turnê nacional prova isso. Seja com covers ou material próprio, eles voltarão, como prometeu Eicca Toppinen, o fundador da banda, antes de deixar o palco.
*O Apocalyptica se apresenta ainda em Brasília (20/01) e Rio de Janeiro (21/01). Ingressos podem ser adquiridos ao clicar no nome de cada cidade.
**Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Mais imagens ao fim da página.
Apocalyptica — ao vivo em São Paulo
- Local: Carioca Club
- Data: 19 de janeiro de 2024
- Turnê: The Cell-O Tour
Repertório — Allen Key:
- Granted
- Straw House
- Illusionism
- Sleepless
- Goodbye
- Apathy
- Mr. Whiny
- The Last Rhino
Repertório — Apocalyptica:
- Ashes of the Modern World
- For Whom The Bell Tolls (cover de Metallica)
- Grace
- Refuse/Resist (cover de Sepultura)
- I’m Not Jesus (com Erik Canales)
- Not Strong Enough (com Erik Canales)
- Rise
- En Route to Mayhem
- Shadowmaker (com Erik Canales)
- I Don’t Care (com Erik Canales)
- Nothing Else Matters (cover de Metallica)
- Inquisition Symphony (cover de Sepultura)
- Seek and Destroy (cover de Metallica)
Bis:
- Farewell
- Peikko
Mais fotos — Allen Key:
Mais fotos — Apocalyptica:
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