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Entrevista: Mick Box fala sobre longevidade do Uriah Heep, Brasil e álbuns clássicos

Guitarrista da lendária banda comenta ainda adaptação às mudanças na indústria musical e aponta única releitura de suas canções que o impressionou

“Eu me sinto ótimo! Por que não me sentiria?”, responde o guitarrista e membro fundador Mick Box, logo no início de nossa conversa, ao ser questionado sobre como ele se sente em relação às próximas datas do Uriah Heep no Brasil.

Já se passaram mais de nove anos desde a última vez que a banda esteve por aqui, durante a turnê Latin America Heepsteria, quando tocaram em sete cidades. Agora, na estrada celebrando tardiamente seu 50º aniversário, os veteranos do hard rock se apresentarão apenas em Curitiba (9/12) e São Paulo (10/12).

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Esses são os temas da conversa que você está prestes a ler:

  • A visão de Box sobre o Brasil e os fãs brasileiros;
  • O mais recente trabalho do Heep, “Chaos & Colour”, lançado em janeiro;
  • A adaptação às mudanças na indústria musical;
  • Reflexões sobre o 50º aniversário de “Sweet Freedom” (1973) e o 40º aniversário de “Head First” (1983);
  • A longevidade do grupo e as reinterpretações de suas canções feitas por outros artistas.

De volta aos palcos brasileiros

Apesar de a etapa brasileira da 50th Anniversary Tour consistir apenas em duas datas, Box, 76 anos, afirma que mal pode esperar para encontrar os fãs brasileiros, visto que esses shows estavam originalmente programados para novembro de 2019. “Eu gostaria de poder explicar por que foram cancelados inicialmente. Não faço ideia. Algo relacionado ao produtor local, talvez?”, especula. “Coisas como cancelamentos estão fora do meu controle. Recebi a mesma informação que você: ‘os shows foram cancelados’”.

No entanto, esse cancelamento machucou Mick, que exalta a dedicada base de fãs do Uriah Heep no Brasil por seu “amor óbvio pela música”:

“Isso fica evidente, ao olhar para os rostos e ver a reação que nos dão. E é simplesmente incrível. Existem plateias ao redor do mundo que são fantásticas, mas as plateias brasileiras são ainda mais. É maravilhoso, é uma sensação realmente ótima.”

A próxima vinda será a sexta da banda ao país. Ao falar sobre lembranças das turnês passadas aqui, Box deixa claro:

“Se você julga um país de alguma forma, julgue pelas pessoas. E as pessoas no Brasil são simplesmente fantásticas. Todos que conhecemos são fantásticos. São fãs de música. A música faz parte de suas vidas, provavelmente mais do que em muitas outras regiões do mundo. E acho que é isso que o torna [o Brasil] tão especial.”

Só que ser especial não se traduzirá em vantagens quando se trata do repertório, já que não há surpresas planejadas para os shows, mas “todas as músicas que as pessoas adoram ouvir estarão no set”, assegura, mencionando “July Morning”, “Easy Livin’” e “Gypsy”.

Os segredos por trás de “Chaos & Colour”

Vigésimo quinto e mais recente álbum de estúdio do Uriah Heep, “Chaos & Colour” chegou às lojas em janeiro com uma recepção muito positiva, inclusive no Brasil, onde foi lançado por meio de uma parceria entre os selos Heavy Metal Rock e Rock Brigade Records.

Box diz que o processo criativo e de gravação para este álbum foi o mesmo em comparação com os anteriores: compor as músicas, fazer um pouco de pré-produção e, em seguida, “entrarmos em estúdio todos juntos e gravarmos como uma banda”. Para ele, esse expediente é muito importante, pois “há muito separatismo na música hoje em dia, com envio de arquivos para cá e para lá”.

“Acho que trabalhar como uma banda é a coisa mais importante de todas. E acho que isso transparece nos sulcos, na pegada e no clima geral do álbum, provavelmente porque estávamos todos na mesma sala tocando juntos, curtindo. Estávamos curtindo a produção do álbum tanto quanto as pessoas estão curtindo ouvi-lo agora.”

“Chaos & Colour” foi gravado nos Chapel Studios em Lincolnshire, condado situado na região leste da Inglaterra. “Uma antiga igreja convertida que possui uma ótima sonoridade. Nada de equipamentos modernos”, assegura o guitarrista, que acredita que gravações digitais deixam o som muito estéril. “A melhor forma de incorporar a tecnologia é usá-la somente quando necessário; do contrário, mantenha-se no analógico e faça o que normalmente faz”, acrescenta.

Apesar de manter raízes no som clássico da banda, algumas influências musicais mais contemporâneas podem ser percebidas em “Chaos & Colour”. O responsável por isso tem nome e sobrenome: Jay Ruston, que, segundo Mick, “é um produtor muito antenado”.

“Ele compreende nossa tradição, de onde viemos. Ele compreende o que a banda representa com o órgão Hammond, as harmonias vocais de cinco partes e as guitarras com wah-wah. E ele pega todos esses elementos e tem uma maneira de fazê-los soar revigorantes e envolventes, tirando ótimos sons de cada instrumento separadamente; ele os mixa de forma que você ainda ouve cada um individualmente, mas ainda soa completo como uma banda.”

Em uma entrevista recente, Box afirmou que, enquanto estiver lá, a banda soará como Uriah Heep. Com a chance de desenvolver essa fala ainda mais, ele assegura: de forma alguma quer expressar que é o único responsável pelo som característico da banda, nem o detentor do controle total sobre a direção criativa. “É mais o fato de que eu estive lá desde o começo”, explica.

“Eu formei a banda. E encontramos um modelo musical que seguimos fielmente ao longo de toda a trajetória. O órgão Hammond, a guitarra com wah-wah, as harmonias vocais de cinco partes; junte tudo isso em boas músicas, e acho que você tem a essência [do Uriah Heep] ali.”

Além disso, a banda não tem medo de misturar um pouco os gêneros; de arriscar números acústicos ou até explorar o lado mais progressivo do rock. Um dos destaques de “Chaos & Colour”, “One Nation, One Sun” é citada como prova disso. “Sempre tivemos essa carta na manga, desde o primeiro álbum [‘…Very ‘Eavy Very ‘Umble…’ (1970)] até agora”.

Embora Mick seja o único remanescente da formação original, ele incentiva os colegas de banda — o vocalista Bernie Shaw, o baixista Dave Rimmer, o baterista Russell Gilbrook e o tecladista Phil Lanzon — a contribuir, desde que não frustrem as expectativas dos fãs.

“O mesmo que falei do Jay vale para os músicos. Eles estão cientes do que veio antes e do que foi bem-sucedido, e operam dentro desses parâmetros. Mas trazem sua própria contribuição, têm sua própria voz.”

Box aproveita também para elogiar a formação atual, que ele diz estar “insuflando nova vida em músicas antigas quando as tocamos ao vivo”. “É exatamente o que queremos”, diz ele.

Adaptações e enfrentamentos na encruzilhada digital

A transição para o digital foi uma das mudanças mais significativas na história da indústria fonográfica. Grupos veteranos como o Uriah Heep, que surgiram na era do vinil e testemunharam o nascimento e a morte de outros formatos — quem se lembra do 8-track? Ou do LD? — precisaram se adaptar a essas mudanças, mesmo que tenham “retirado muitos ganhos dos músicos”, como destaca Mick Box.

“É uma pena como a indústria evoluiu porque está ficando mais difícil para as pessoas viverem disso. Antes, elas saíam em turnê, trabalhavam, tocavam e construíam seu público para depois lançar um álbum, esperando que as pessoas o comprassem. Agora, é uma questão de ir para o YouTube e conseguir cliques suficientes para obter alguma publicidade, porque o lance do Spotify, onde todos conseguem [ouvir] tudo quase de graça, é terrível, realmente. É como se estivessem roubando os artistas. Mas, você sabe, as coisas são como são, então você tem que abraçá-las da melhor maneira possível, como fizemos.”

Essa nova dinâmica impactou o processo criativo e a frequência com que o Heep produz música, e Box acha incrível como “agora você pega seu iPhone e grava em casa”.

“Por esse lado, as coisas melhoraram tremendamente. Então, houve alguns avanços, sim. Mas, como em tudo na era digital, sempre há aspectos bons e ruins em tudo.”

Tendo tocado em 62 países ao redor do mundo numa era pré-internet, o Uriah Heep construiu uma boa reputação por meio das turnês. Não obstante, Mick também sente que a digitalização deu à banda uma audiência global ainda maior, aumentando o alcance e a interação com fãs de diferentes partes do mundo. Ele lembra que nos velhos tempos existiam fã-clubes e “você recebia uma carta a cada seis meses, mas agora, é tudo muito imediato”.

O grupo se beneficia das redes sociais para se conectar com o público de maneiras que não eram possíveis antes. Como elucida Box, “se temos algo a dizer, colocamos lá”. Mas ter plataformas como o Facebook, que permitem interagir com os fãs mais rapidamente, exige que a banda seja um pouco cuidadosa. “Antes de sair do palco e trocar de roupa ou tomar um banho, o que você tocou já está no YouTube”, diz ele.

Aniversariantes do Uriah Heep

Em setembro, o sexto álbum de estúdio do Uriah Heep, “Sweet Freedom”, celebrou seu 50º aniversário. Ao ser questionado sobre esse ponto na trajetória da banda, Mick Box compreende erroneamente a pergunta. “Eu vivi uma vida muito privilegiada”, ele começa.

“Quando eu nasci, tive muita sorte. Ganhei na loteria porque foi na época em que bandas como os Beatles e os Stones estavam surgindo. Depois vieram o Heep, o Deep Purple, o Black Sabbath, o Led Zeppelin. Para mim, foi a melhor época para a música.”

Embora “Sweet Freedom” seja conhecido por apresentar uma variedade de influências e experimentações, o guitarrista não vê esses elementos em primeiro plano nem contribuindo para a identidade musical do Heep durante essa fase específica e além.

“Acho que a identidade já estava estabelecida desde o nosso primeiro álbum, e nós apenas seguimos isso. Você sabe, contanto que tenha boas músicas com letras inteligentes que digam algo, que signifiquem algo para as pessoas e até as guiem pela vida às vezes, como nos dizem. Então, realmente seguimos o nosso próprio caminho em vez de nos desviarmos daqui para lá.”

É curioso ele fazer menção a desvios quando outro álbum que atingiu um marco em 2023 é “Head First”, lançado há quarenta anos. Box descreve a evolução musical da banda neste trabalho específico citando o que veio antes dele.

“Acho que tanto ‘Abominog’ (1982) quanto ‘Head First’ foram reféns de uma produção muito oitentista. Nos anos 1980, tudo referente à música mudou, e se a sua música não tivesse uma certa produção, ela nunca tocaria no rádio. Então, em outras palavras, não poderíamos permanecer fiéis à forma como fazíamos as coisas na década de 1970. Tivemos que entrar nos anos 1980 e abraçar isso; caso contrário, não conseguiríamos fazer com que nossa música fosse ouvida. Dito isso, fomos muito sortudos. Conseguimos que ‘Abominog’ entrasse no top 40 nos Estados Unidos e desse à banda toda uma nova vida. Portanto, esse comecinho da década de 1980 foi muito bom para nós.”

Sobre como essas novas abordagens foram recebidas pelos fãs na época, especialmente os de longa data, Mick lava as mãos: “Alguns virão com você na jornada e outros ficarão pelo caminho, presos à formação antiga ou aos álbuns antigos, e não há nada que eu possa fazer sobre isso”. Ele encerra o tópico garantindo: nenhum arrependimento em relação à fase oitentista da banda.

“Estou muito satisfeito por não termos aderido ao laquê nem usado maquiagem! [risos]”

Covers? Nem pensar!

Axel Rudi Pell, Blind Guardian, D.C. Cooper do Royal Hunt, W.A.S.P. Muitos são os que reconhecem o Uriah Heep como uma influência a ponto de regravar suas músicas. Mesmo grato pelas homenagens, Mick Box acha difícil apontar, entre os centenas de covers, quais considera os melhores. “Na verdade”, diz ele, “nenhum deles”.

“Todos [os artistas] dão seu toque pessoal e tudo mais. Mas sempre encontro algo de que não gosto totalmente. Nunca fiquei realmente impressionado, sabe?”

Apenas Ritchie Blackmore chegou perto de tal façanha.

“Qual é mesmo o nome da banda dele com toda aquela temática medieval? Blackmore’s Night? É isso? Eles fizeram uma versão de ‘Lady in Black’ que achei bem legal.”

Longevidade e legado

Cinquenta e quatro anos de estrada é um marco alcançado por poucas bandas. No entanto, segundo Mick Box, a longevidade do Uriah Heep não tem segredo.

“Somos apaixonados pelo que fazemos. E quando se tem paixão por algo, você não quer parar de fazê-lo. É por isso que ainda estamos aqui hoje.”

Mas e quando chegar o dia de parar?

“Vamos torcer e rezar para que nossas músicas sobrevivam ao teste do tempo. A música é um meio muito poderoso, e se ela toca o seu coração, é para a vida toda. Espero que nossa música continue tocando o coração de muitas pessoas quando não estivermos mais aqui.”

Serviço — Uriah Heep no Brasil

O Uriah Heep fará dois shows no Brasil, em Curitiba (9/12) e São Paulo (10/12). Para mais informações sobre locais e ingressos, clique aqui e aqui.

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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