O MITA Festival teve sua primeira edição no ano passado. Ao contrário do que acontece em 2023, na oportunidade, São Paulo recebeu os primeiros shows, e só então foi a vez do Rio de Janeiro. Após boa repercussão, a aposta foi dobrada com uma escalação de artistas mais ousada para o novo lineup.
Também apostaram num espaço maior que o anterior para a edição paulistana. A aconchegante, mas limitada Spark Arena (que fica na Av. Manuel Bandeira) sai de cena para o Novo Anhangabaú, mais precisamente na Praça Ramos de Azevedo, para receber os artistas e público.
Crises e ansiedade
Em 2022, organização e público foram pegos de surpresa com uma bomba: Alex Trimble, frontman do Two Door Cinema Club, não poderia comparecer aos shows por ordens médicas. Sem cancelamento, a banda veio ao Brasil com David Clemens em seu lugar e ainda assim entregou um bom show. Agora, justo a mudança de espaço – para uma região que enfrenta problemas sociais – é que havia colocado uma pulga atrás da orelha dos fãs.
Novamente, a organização do festival aposta na pluralidade, onde diferentes gerações e tribos possam se encontrar para celebrar a música. Desde o ano passado, numa agenda que misturou Gilberto Gil, Rüfüs du Sol, Marina Sena, Marcelo D2 e Gorillaz, essa parece ser uma das prioridades do MITA. Mais que reunir nomes de diferentes estilos e lugares do mundo, estabelecer uma sinergia onde a paixão pela música fala mais alto que qualquer diferença. Se essa proposta foi uma receita de sucesso no ano passado, não colou legal no primeiro dia de shows em São Paulo, já que Lana Del Rey detinha a maior parte das atenções.
O evento abriu os portões às 11h e correu de maneira tranquila, com segurança reforçada na região até a estação de metrô do Anhangabaú. Dentro do espaço, dividido em dois palcos (Centro, o principal, e Deezer) e com boa variedade na praça de alimentação, o pessoal parecia ter esquecido o clima de preocupação enquanto se preparavam para as atrações do dia – em especial, Lana, estrela da noite, num dia pouco atrativo para os mais roqueiros… Só que quem esteve no coração de São Paulo ainda assim testemunhou um bom festival, a ponto dos vizinhos que moram nos prédios ao redor da praça fazerem de suas janelas uma espécie de camarote.
Quanto à disposição da praça, quem foi ao festival para assistir bandas ou artistas que se dividiram entre os dois palcos acabou se complicando. Primeiro, em razão da distância. Apesar de ambos estarem visíveis e um extremo ao outro da pista, o trânsito entre eles era complexo – especialmente, para quem precisava deixar a pista premium para chegar ao Palco Deezer.
No show da cantora Duda Beat, quem esperava pela apresentação do Badbadnotgood conseguia acompanhar sua performance pelo telão com o som também chegando ao palco principal. Já no artista seguinte, o Djonga, isso não foi mais possível.
Chamo o local de pista, aliás, justamente por sua condição: estreita e plana. Como resultado, era inevitável ter que brigar contra a imensa quantidade de celulares erguidos pela tentativa de registrar Lana Del Rey em sua performance. O clima, cheio de árvores ao redor, ao menos deixou a noite mais amena.
Festa animada, mas estranha…
Misturando jazz e hip hop, o Badbadnotgood conquistou reverência no mundo artístico por ser mais que versátil. Matthew Tavares, Chester Hansen, Alexander Sowinski e Leland Whitty estão na ativa desde 2010 e já contribuíram com trabalhos de Frank Ocean, Rihanna e Kendrick Lamar… além da realização de “Sour Soul”, um bom álbum em parceria com Ghostface Killah, do Wu-Tang Clan.
Mesmo reconhecidos pelo primoroso trabalho instrumental, os canadenses fazem questão de exaltar essas referências para que sua música não soe alternativa nem estranha demais. No sábado anterior, dividiram o palco com o maestro e pianista carioca Arthur Verocai. Em São Paulo, o grupo faz questão de reverenciar o amor pela cultura, povos e ritmos brasileiros mais uma vez.
Mas será que um grupo instrumental, adicto a improvisos e sem medo de soar virtuoso, é capaz de aquecer uma plateia que espera uma explosão de pop para logo mais? Subindo ao palco com “War Pigs” (hino do Black Sabbath) no som mecânico, o grupo encarou uma situação complicada. Liderados por Sowinski, baterista que também agia como bandleader, a banda tentava arrancar reações do público que dificilmente respondia a seus chamados e só no fim acabou por se soltar.
Também fazia muito calor e a equipe da banda mesmo teve de distribuir água aleatoriamente. Inusitado. Os mais próximos do palco, até se sentiam confortáveis com os improvisos e inventividade do quarteto. Para uma banda afinadíssima e super entrosada, uma pena sofrer a indiferença de quem esperava outro espetáculo.
Pop para esquentar os motores
Flume é o nome do projeto que tem como frontman o DJ australiano Harley Streten. Ele tomou as rédeas do palco principal após a apresentação de Djonga no outro lado da praça.
Com estilo e influências diversas, Streten pode, a priori, soar familiar devido aos laços com outros artistas e estilos que vão desde o chillhop ao hyperpop. Esse destaque, conquistado desde seu homônimo álbum de estreia, rendeu ao produtor status de vanguardista e colaborações como nomes conhecidos para seus projetos, como: Toro Y Moi, Caroline Polachek e LAUREL.
Nessa passagem por São Paulo, Flume compareceu vestido de motoqueiro e já acelerando em sua apresentação. Acompanhado de Kučka (foto abaixo; pronuncia-se Kútca, é colaboradora recorrente de Flume, e já contribuiu com A$AP Rocky) e de Vera Blue, as duas cantoras também australianas que alternaram algumas músicas, o DJ demonstrou controle do público, mas que também pareceu insuficiente para conter a ansiedade de quem esperava a headliner. Nem mesmo um remix seu para hit “Tennis Court”, de Lorde, pareceu animar a galera, que tinha uma longa espera pela frente.
A recompensa após o atraso
O universo dos festivais é um pouco (bem) diferente de um show comum. Em especial, quando a estrela vem de outro continente se apresentar para uma multidão apaixonada.
Lana Del Rey lançou “Did You Know There’s a Tunnel Under Ocean Blvd” no final de março deste ano. É mais um álbum co-produzido por Jack Antonoff e cheio de ótimas canções… mas num festival, um bom álbum vira só detalhe. É preciso fazer valer os ingressos com maiores momentos de uma já extensa discografia para quem está ali só por sua presença. Dentro dessa previsão, “Born to Die”, o debut da cantora, dominou o setlist, que foi repartido entre outros hits no restante da apresentação.
A artista subiu ao palco com quase 50 minutos de atraso, deixando muita gente impaciente, mas precisou de poucos minutos para virar o jogo. A abertura com “A&W” foi enxuta, sem a performance de Marilyn Monroe. Apressada, até, num clima que permaneceu estranho.
A partir da terceira canção, “Bartender”, o show seguiu um rumo bem próximo ao que os fãs do Rio de Janeiro assistiram no MITA que aconteceu no Jockey Club de lá. Destaca-se o entorno de magia, que Lana sabe evocar em torno de sua voz.
A primeira diferença em comparação ao Rio foi um coro que ocorreu logo após “Summertime Sadness” (e imediatamente atendido pela cantora) para que cantasse “Get Free”, faixa do álbum “Lust for Life” que não estava nos planos. Ela convidou geral para acompanhá-la – então, se ouviu uma praça inteira em uníssono.
Mais tarde, foi a vez de insistirem para que ela executasse “Cinammon Girl”, pedido também atendido. Lana, graciosa, disse que poderia cantar a noite toda para um grupo tão querido de pessoas antes de deixar a plateia com seu primeiro grande hit: “Video Games”.
Setlist:
- A&W
- Young and Beautiful
- Bartender
- The Grants
- Flipside
- Cherry
- Pretty When You Cry
- Ride
- Born to Die
- Blue Jeans
- Norman F*ckin Rockwell
- Arcadia
- Ultraviolence
- White Mustang
- Candy Necklace
- Venice Beach
- Diet Mountain Dew
- Summertime Sadness
- Get Free
- Did You Know There’s a Tunner Under Oceans Blvd.
- Cinnamon Girl
- Video Games
*O MITA Festival continua neste domingo (4), com shows de Florence + The Machine, The Mars Volta, Haim, NX Zero, Capital Inicial, Sabrina Carpenter, Don L convida Tasha & Tracie e Far from Alaska convida Supercombo.
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