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A única música do Raimundos na qual Canisso via problema na letra

Curiosamente, baixista falecido nesta segunda-feira (13) aos 57 anos sequer participou da gravação da faixa mencionada por ele

Falecido nesta segunda-feira (13) aos 57 anos, o baixista Canisso, do Raimundos, mantinha uma postura bem acessível nas redes sociais. Especialmente no Twitter, o músico interagia com fãs de forma constante e não se furtava nem mesmo de abordar temas polêmicos.

Um deles, em junho de 2020, trouxe o baixista refletindo a respeito de uma discussão frequente sobre sua banda: as letras das músicas terem “envelhecido mal”, devido a expressões e até temáticas específicas não serem mais tão aceitas nos dias de hoje. Há quem diga que, por exemplo, canções como “Me Lambe” e “Esporrei na Manivela” incentivam pedofilia e assédio sexual, respectivamente.

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Com exceção do ex-vocalista Rodolfo Abrantes, que declara se arrepender das composições, os músicos da banda sempre defenderam as canções criadas no passado. Eles já disseram, em diferentes ocasiões, que as letras serviam como um “teste” para saber até onde ia a democracia do Brasil – até então, relativamente nova, uma década após o fim da ditadura militar.

Porém, na ocasião mencionada de 2020, Canisso reconheceu que uma das músicas do Raimundos tem um problema: “Me Lambe”. Composta por Rodolfo com o guitarrista (hoje também vocalista) Digão e o baterista Fred, a canção apresenta seu interlocutor apaixonado por uma moça mais jovem.

Trechos como “Eu acho que com a sua idade já dá pra brincar de fazer neném” e “Acho que ela viajou que eu era um picolé – me lambe” não geraram tanta controvérsia na época do lançamento. Porém, com o passar dos anos, os debates a respeito dessa canção em especial se intensificaram.

A música “problemática” do Raimundos

Ao responder um fã que disse que o Raimundos não deveria mudar seu repertório, nem deixar que “a chatice do mundo” os atingisse, Canisso disse:

“Algumas são besteiras inofensivas, todo mundo sabe e ‘perdoa’. O caso de ‘Me Lambe’ é diferente. Apesar de ser zoeira, ela toca num ponto bastante complicado. Pessoas se ofendem, não traz nada de bom… o mundo mudou, eu mudei também. F#da-se essa música.”

Outra internauta perguntou, então, de onde saiu a inspiração para “Me Lambe”. Canisso disse que não foi dele a ideia, já que não participou nem mesmo da gravação – o baixo foi tocado por Bi Ribeiro, d’Os Paralamas do Sucesso.

“Bom, minha não foi, nem o baixo eu gravei… Eu sempre achei essa música UM c*, pop demais, tentando ser radiofônica. Foi o começo de tudo de ruim, que culminou na saída do Rodolfo.”

Em outra mensagem, sem responder a nenhum seguidor, Canisso declarou que o Raimundos nunca quis ofender nenhuma pessoa:

“Raimundos é a minha vida, a trilha sonora do meu romance com a Dree, criei meus filhos e os sustento com ela, não sinto nada além de amor e orgulho por essa banda, sempre!!! Falamos merda em algumas letras pra chocar e divertir, NUNCA pra ofender ninguém.”

Mais tarde, o assunto voltou a ser abordado por Canisso, após um internauta citar que o álbum “Lapadas do Povo” não teria nenhuma letra problemática, mesmo nos dias de hoje. Ele comentou, em publicação já apagada:

“A única música que eu acho que tem algum problema, apesar de que na história o protagonista sai preso e algemado, é a b#sta de ‘Me Lambe’… envelheceu bem mal.”

Questionado se faria algo diferente com o Raimundos nos dias de hoje, Canisso foi categórico ao responder:

“Talvez maneirar na putaria. Fui meio contra desde o início. Sabia que nosso caminho seria mais difícil por causa da censura velada que sempre sofremos.”

A morte de Canisso

Canisso morreu nesta segunda-feira (13) aos 57 anos. A informação foi confirmada por familiares do músico e pelo empresário do grupo, Denis Porto, ao G1.

Uma mensagem na página do baixista no Facebook afirma que ele sofreu uma queda em decorrência de um desmaio. Ele foi hospitalizado em seguida. A causa do falecimento não foi confirmada.

Canisso fez parte do Raimundos da fundação da banda em 1987 até 2002, quando saiu pouco tempo após o vocalista Rodolfo Abrantes ter deixado a formação. Ele, que chegou a integrar o Rodox com Abrantes no período em sequência, retornou ao grupo que o consagrou em 2007, sendo um dos integrantes com maior tempo de permanência além do vocalista e guitarrista Digão.

Mais sobre o músico

José Henrique Campos Pereira, o Canisso, nasceu em 9 de dezembro de 1965, na cidade de São Paulo. Sua família se mudou para o Rio de Janeiro quando ele tinha 9 meses de idade, indo para Brasília em seguida quando o então garoto tinha 3 anos. Ele residiu na capital federal até a adolescência.

Após um período em São Paulo, retornou a Brasília, cidade onde o Raimundos foi criado em 1987. Com influências do punk rock e da música nordestina, o grupo se consolidou com Rodolfo Abrantes nos vocais, Digão na guitarra e Fred na bateria, além de Canisso no baixo.

Ao longo da década de 1990, o Raimundo se tornou uma das maiores bandas de rock do Brasil. Discos como a estreia homônima de 1994, “Lavô Tá Novo” (1995) e “Só no Forévis” (1999) venderam milhões de cópias, rendendo hits como “Mulher de Fases”, “A Mais Pedida”, “Me Lambe”, “Eu Quero Ver o Oco”, “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)”, “Selim” e “Puteiro em João Pessoa”.

Em 2001, Rodolfo Abrantes converteu-se religiosamente, deixando a banda no ano seguinte. Inicialmente, Canisso permaneceu, mas após o lançamento do álbum “Kavookavala” (2002), já com Digão nos vocais, optou por sair.

O cantor original do Raimundos e o baixista tocaram juntos no Rodox, banda de sonoridade até mais pesada que a do projeto anterior, mas com letras mais sérias. A iniciativa rendeu dois álbuns e foi encerrada em 2004, após Abrantes migrar de vez para a música gospel.

Em 2007, após um período com sua vaga sendo ocupada por Alf (Rumbora), Canisso voltou para o Raimundos. Desde então, a banda não produziu tanto material inédito (o único álbum desde seu retorno, “Cantigas de Roda”, saiu em 2014), mas rodou pelo Brasil com milhares de shows.

Nos últimos anos, o Raimundos tem sido alvo de críticas após posicionamentos políticos manifestados por Digão, que chegou a comparar a situação de pandemia no Brasil com “amostra grátis de comunismo”. Canisso chegou a dizer em entrevistas que a banda estava suspensa por toda a confusão, que também se desencadeou em provocações do frontman a outros músicos brasileiros como Tico Santa Cruz (Detonautas Roque Clube) e João Gordo (Ratos de Porão), mas também saiu em defesa do colega ao dizer que, apesar do erro, uma retratação foi publicada.

Nos últimos meses, o Raimundos seguiu fazendo shows. Uma das últimas apresentações aconteceu no último mês de janeiro ao lado do tributo ao Charlie Brown Jr, no Rio de Janeiro. Canisso também tinha compromissos solo, o último deles em um bar na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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