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Crítica: “Tár” é um espetáculo que infelizmente poucos entenderão – e com razão

Filme traz a melhor performance da carreira da atriz Cate Blanchett, mas roteiro com decisões equivocadas e surpreendentes pode afastar o público

Definitivamente, “Tár” era um dos filmes que eu mais aguardava para assistir nos últimos tempos. O trailer estrondoso como uma orquestra e as fortes imagens promocionais, que traziam a atriz Cate Blanchett entregue em seu papel de maestrina, o fazia parecer grandioso demais.

E é. “Tár” pode ser definido um espetáculo colossal, dirigido por alguém que também escreveu cada palavra do filme para que Blanchett entrasse para a história do cinema.

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Contudo, o longa se perde dentro da grandeza da atriz e se esquece de toda a história que construiu. Fora a surpreendente decisão de abrir mão da imagem gráfica que é Cate regendo uma orquestra. Tudo isso, infelizmente, pode afastar o grande público que, decepcionado, não se permitirá entender a grandeza desta obra.

Maestro e não maestrina

Lydia Tár (Cate Blanchett) é um dos maestros mais importantes da atualidade. Dona de um currículo invejável, a artista exerce um status de poder gigantesco dentro da música clássica atual. Porém, como todo ser poderoso, ela acaba por se perder dentro disso e se envolve em uma série de denúncias de comportamentos abusivos em diferentes esferas.

Logo nos primeiros minutos, há um debate sobre a questão do gênero linguístico. A importante maestrina não vê problema na sociedade utilizar apenas o termo em masculino para se referir a sua posição dentro da arte. Isso atrelado a um trabalho corporal extraordinário de Cate e uma série de recortes de como Lydia é tratada na sociedade em seu dia a dia já moldam perfeitamente a divindade da qual estamos diante.

Sua construção da personagem como um símbolo máximo de poder, respeito, técnica e conhecimento dentro da música é impecável. Cada cena é desenvolvida para que Blanchett brilhe em sua performance, assim como a atriz não abandona nenhum dos 158 minutos de filme. É aí, porém, que mora o problema.

Faltou mostrar mais

O diretor e também roteirista do longa, Todd Field (“Pecados íntimos”), disse em uma entrevista que escreveu “Tár” para Cate Blanchett. Apesar de ser uma atitude arriscada, fica nítido na tela a obsessão do diretor pelo trabalho da atriz.

Isso é um erro. Ao priorizar a performance de Blanchett, Todd Field se perde na condução do ato de contar uma história.

Entenda: o filme conta com 158 minutos; ou seja, 2 horas e 38 minutos. Deste tempo, praticamente 2 horas servem como construção do mito em torno da maestro. Somos apresentados a ela sendo entrevistada, regendo sua orquestra, dividindo conhecimentos, dando aula, sendo uma professora um tanto quanto exigente, quase que no limite de se perder a linha e se tornar uma tirana como o personagem de J. K Simmons em “Whiplash – Em Busca da Perfeição” (2014).

Aos poucos, a obra pincela a questão do poder de Lydia e de como ela se beneficia sexualmente com isso. Junto disso, traz uma troca de e-mails com uma antiga amante que promete lhe tirar a paz de seus dias. Paz essa que é atormentada por diversos sons no meio da noite ou em seu estúdio de trabalho. Porém, nada disso é desenvolvido com a precisão que se faz necessária.

Os sons que perturbam a mente da maestro simplesmente são jogados em tela sem razão alguma. Você até pode dar uma volta intelectual para tentar explicar isso; mesmo assim, estará errado, pois não há razão alguma para a existência desses sons – exceto a de render grandes cenas perturbadoras de uma Cate Blanchett em seu auge.

O filme passa tanto tempo dando tela para Cate brilhar em sua construção que se esquece que existe ali uma história a ser contada e aprofundada em torno das atitudes errôneas da maestro em se favorecer de seu status de poder. Mais adiante, quando a bomba explode, o longa já gastou tantos minutos deixando Blanchett brilhar que falta tempo para desenvolver os acontecimentos de forma mais profunda.

A última meia hora serve apenas para se jogar em tela o máximo de situações possíveis para mostrar os efeitos causados pelos erros da protagonista. Tudo sem a atenção devida, sem sentirmos realmente todo peso de algo – sem spoilers – que se tornou comum na vida de um artista. É como se o longa estivesse desesperado para terminar, afinal, a missão foi cumprida, “fizemos Cate Blanchett brilhar”.

Espetáculo para poucos

Não há dúvidas de que Cate Blanchett entrega aqui seu melhor trabalho. A atriz deve tirar um bom tempo fora de tela após, muito provavelmente, vencer seu terceiro Oscar – lembrando que sua única disputa real é com Michelle Yeoh, de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”.

O longa é, sim, um espetáculo que surpreendentemente nos faz crer na chegada de uma grande cena apresentando uma condução de orquestra vinda de Blanchett. Contudo, isso não ocorre. Muitas pessoas irão ao cinema assistir a “Tár” esperando uma coisa e vão encontrar outra – o que não deveria ser um problema, mas, nos dias atuais, é.

Apesar da mencionada falta de profundidade em certas questões da trama, ainda estamos diante de um filme espetacular. Mas para mim, que vivo pessoal e profissional a sétima arte. O grande público, que tem no cinema como hobby ou entretenimento, terá dificuldade em entender a grandeza e as escolhas aqui retratadas. Irão achá-lo sonolento, cansativo, longo, parado. E estarão certos em achar tudo isso de uma obra feita para ser compreendido apenas por uma bolha.

“Tár” é, sobretudo, um filme para ser visto e se tentar, de forma pessoal, entender os motivos que o levam a ser tão extraordinário, mesmo com a deficiência em tantos pontos. Talvez um bom ponto de partida pode ser a crítica de que, seja homem ou mulher, todos estão sujeitos a se perder dentro de um status de poder e cometer erros.

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Raphael Christensen
Raphael Christensenhttp://www.igormiranda.com.br
Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

2 COMENTÁRIOS

  1. Sem dúvida, é filme de altíssimo nivel, mas para um público muito restrito, mesmo sendo um filme grandioso ou espetacular. O grande público brasileiro, infelizmente, não tem conhecimento ou não frequenta concertos de música clássica, o que inviabiliza algum tipo de identificação ou empatia com o mundo da fabulosa protagonista, uma maestrina virtuose. A atuação dela é de tirar o juízo até de Deus rs.

  2. “O filme passa tanto tempo dando tela para Cate brilhar em sua construção que se esquece que existe ali uma história a ser contada” concordo plenamente com isso, mesmo sendo um filme grandioso, esse fato de focar tanto em fazer Cate Blanchett brilhar e dar tanto tempo de tela pra ela, acaba fazendo outros arcos dentro da historia serem meio que deixados de lado, um exemplo a Olga, que o filme em certa parte cria um suspense ali encima dela, como até se fosse se aprofundar na personagem, como na parte que a Tár entra ali no que eu acredito ser a casa dela, mas simplesmente isso é deixado de lado, como se nem tivesse acontecido. Mas claro talvez essa falta de aprofundamento nos personagens, seja só um jeito de mostrar que os relacionamentos que a protagonista mantém com as pessoas ao seu redor, não sejam reais, que a única coisa real pra ela e oque importa é a musica e talvez sua filha que nem a chama de mãe. Mas enfim, adorei o filme, só queria que os outros personagens tivessem sido mais explorados.

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