Durante 11 anos, a possibilidade de um novo álbum do Kiss era praticamente inexistente. Isso mudou em 2009, quando foi lançado “Sonic Boom”. Com o sucesso, Paul Stanley e Gene Simmons pareceram se animar com o lançamento de novas músicas, algo que negaram por mais de uma década. Dessa linha de trabalho, nasceu “Monster”, o 20º e provavelmente último álbum de estúdio do grupo.
A experiência com o retorno de Ace Frehley e Peter Criss que resultou em “Psycho Circus” (1998) parece ter sido traumática para os donos da banda. Frehley e Criss pouco participaram do processo e, segundo os relatos dos patrões, mais atrapalharam do que ajudaram. Seguiu-se uma turnê de divulgação complicada e a primeira tour de despedida do Kiss, mais difícil ainda.
Com a segunda saída dos dois membros originais, o Kiss seguiu investindo em turnês e todo o tipo de material que não fosse um disco de inéditas. Por isso, se “Sonic Boom” chocou, o início dos trabalhos de “Monster”, ainda em 2011, surpreendeu mais ainda. Ninguém acreditava que a banda lançaria mais material inédito em tão pouco tempo.
Mas para que isso acontecesse, algumas coisas tiveram que ser bem definidas ao longo da década anterior.
Estabilidade ao Kiss
Cansados das brigas e problemas com os demais integrantes originais, Paul Stanley e Gene Simmons buscaram estabilidade com seus substitutos. O primeiro a chegar foi Tommy Thayer, velho conhecido da banda. Funcionário nos bastidores do grupo desde o fim da década de 1980, Thayer era altamente fiel e disciplinado – tanto que até hoje é acusado de ser um “imitador” de Frehley, embora esteja apenas cumprindo ordens.
Na bateria, o ganho foi ainda maior. Eric Singer retornou após o elogiado período entre 1992 e 1996 e passou a usar a maquiagem de “Catman” de Peter Criss. Se substituir o querido Eric Carr não foi um problema na época, entrar no lugar do baterista original foi ainda mais fácil: o Kiss não só deixou os problemas de lado, como ganhou de volta aquele que provavelmente é o integrante musicalmente mais técnico que já teve.
A formação com Thayer e Singer funcionou bem a partir de 2004. Mesmo sob as críticas de que não deveriam usar o visual dos membros originais, há de se reconhecer a importância dos envolvidos.
Sem essa estabilidade, seria altamente improvável que houvesse qualquer mudança na mentalidade dos chefes sobre lançar material novo.
Paul Stanley no comando em “Monster”
Outro detalhe estabelecido ainda na produção de “Sonic Boom” e se repetiu em “Monster” foi em relação à função de produtor. Quem comandaria a banda em estúdio seria ninguém menos do que Paul Stanley, com Greg Collins assinando como coprodutor, em segundo plano.
O vocalista e guitarrista sempre deixou claro em entrevistas que essa era uma condição crucial para que a banda trabalhasse em estúdio. Stanley falou sobre isso em conversa com a Rolling Stone, na época do lançamento.
“Democracia em estúdio é algo superestimado. O que você acaba fazendo é comprometer as partes de todo mundo, o que significa que ninguém tem o que quer, e isso significa que ninguém ganha, incluindo os fãs. Eu achava isso realmente importante, e na minha mente isso era crucial – se eu não fosse produzir os álbuns, nós não faríamos álbuns naquele ponto. Alguém tem que determinar os parâmetros e os limites, e dizer as expectativas.”
Apesar de soar um tanto ditatorial, Stanley garante que não foi isso que aconteceu. Gene Simmons declarou na época que não tinha mais paciência para se dedicar à produção de um álbum e que não havia ninguém melhor do que o sócio para isso. Pareceu mais ser uma direção natural a se seguir.
Carne com batatas e Papai Noel
“Sonic Boom” e “Monster” podem até ser álbuns “irmãos” em alguns aspectos, mas soam um tanto diferentes. O primeiro, surpreendentemente, traz uma atmosfera que remete ao Kiss dos anos 1980, principalmente no aspecto sonoro. Já o segundo foi pensado para remeter aos primeiros anos da banda – e acerta em cheio nisso, o que provavelmente é seu ponto mais forte.
Questionado sobre o que esperar do novo disco, Gene Simmons usou uma de suas conhecidas metáforas, que nesse caso funciona bem para explicar o conteúdo de “Monster”. Uma comparação com o Papai Noel foi feita em entrevista para o site UGO.
“Carne com batatas. Você sabe como vai ser, como o Papai Noel. Altos e baixos, todo mundo se acostuma com isso e com aquilo, as coisas mudam, a moda muda, mas é bom saber que o Papai Noel virá, que ele não vai mudar a roupa e você sabe o que vai receber: presentes. Consistência na mensagem.”
Regras de “Monster”
Para conseguir essa atmosfera de simplicidade e “crueza”, o Kiss apostou em duas frentes. A primeira é técnica: a banda usou equipamento analógico, com a menor tecnologia possível. O resultado é perceptível em todo o álbum, que realmente soa como se tivesse saído diretamente dos anos 70.
A segunda é uma regra autoimposta: nada de compositores e colaboradores de fora. “Monster” foi composto e gravado apenas com os quatro músicos em estúdio. Tommy Thayer teve liberdade para contribuir com ideias, como já havia feito em “Sonic Boom”, e assina quase todas as músicas do álbum. Ele também assume os vocais em uma faixa composta por ele, “Outta This World”.
Já o baterista Eric Singer fez sua estreia nas composições, assinando com o resto da banda a faixa “Back to the Stone Age”. Ele ainda assume os vocais em “All for the Love of Rock & Roll”, música de Paul Stanley que guarda similaridades bem controversas com uma faixa de mesmo nome do Ram Jam enquanto que também soa como uma irmã de “All for the Glory”, do álbum anterior, outra cantada por Singer.
Se a sonoridade é propositalmente simples e direta, “Monster” traz letras um tanto fora do padrão, quando se pensa no Kiss. Simmons exemplificou essa mudança com a música “The Devil Is Me”, em entrevista para a Billboard.
“Muitas das letras e pontos de vista têm menos a ver com algum tipo de exibicionismo, habilidade – ‘hey baby, eu vou te agitar a noite todo’, e são mais sobre noções primais de quem nós somos e como nos sentimos. Então algo como ‘The Devil Is Me’, por exemplo, é mais confessional. Você não pode continuar apontando seu dedo para todo o mal no mundo, mas você tem um pouco disso e aqui está o decreto do Senhor – o diabo sou eu. Talvez haja um pequeno diabo em todos nós.”
Outra que merece menção é “Freak”, música de Paul Stanley parcialmente inspirada em Lady Gaga, cantora pop com grande identificação com o rock. A letra parece traçar um paralelo entre as impressões causadas na mídia – cada um a seu tempo, tanto por Gaga como pelo próprio Kiss. Ambos inicialmente eram vistos como “estranhos”.
Divulgação e turnê
Após alguns adiamentos, “Monster” foi lançado em 9 de outubro de 2012. Na mesma época foi lançado um livro chamado de “Monster Book”, contendo fotos e ilustrações ligadas ao álbum, com quantidade limitada. Durante o lançamento em si, o Kiss estava finalizando a “The Tour”, onde eles foram coheadliners ao lado do Mötley Crüe.
A “Monster Tour” propriamente dita começou em novembro, pela América do Sul. A banda se apresentou na Argentina no dia 7, no Chile em 10 de novembro e no Paraguai no dia 12. Em 14, 17 e 18 de novembro, o Kiss fez sua 5ª passagem pelo Brasil, tocando em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.
A partir da etapa europeia da turnê, a banda começou a usar um novo cenário, que ficou famoso pela enorme aranha de metal pendurada no teto do palco, pela qual Stanley, Simmons e Thayer faziam sua entrada. Das 8 patas que se moviam, subindo e descendo, saíam efeitos pirotécnicos e luzes.
O último álbum?
Passados 10 anos do lançamento de “Monster”, o Kiss seguiu na estrada. Primeiro comemorando os 40 anos de carreira, e atualmente com a “End of the Road”, que vem sendo divulgada como a verdadeira turnê de despedida da banda. Com isso, “Monster” deve carregar o legado de último álbum do Kiss.
A banda já descartou a possibilidade de continuar trabalhando em estúdio e lançar mais material inédito. Se “Monster” for mesmo o último do Kiss enquanto entidade criativa, o quarteto saiu em grande estilo. Entregaram o que os fãs querem, mas mantendo um nível alto.
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