Em meio à dominação mundial do nu metal, estava o Queens of the Stone Age. Formado das cinzas dos metaleiros do deserto Kyuss, o grupo lançou dois discos no final dos anos 1990 que chamaram atenção para sua releitura sensual e potente do stoner rock.
Josh Homme e Nick Oliveri fizeram uma obra prima do hard rock em 2000 com “Rated R” e o que parecia apenas pertencer ao deserto da Califórnia começou a tomar o mundo. O grupo tocou no Rock in Rio 2001, com Olivieri arranjando encrenca junto à produção e as autoridades cariocas por ter feito o show apenas com seu baixo para proteger sua modéstia.
O QOTSA estava prestes a dar um salto. Sentindo o aroma de oportunidade no ar, se armaram de alguns dos melhores colaboradores possíveis. Mark Lanegan, vocalista do Screaming Trees, entrou para a banda, e numa das maiores surpresas da história, Dave Grohl assumiu as baquetas para o que seria talvez o melhor álbum de hard rock do século 21 na opinião deste que vos escreve.
Como o DJ Kip Kasper fala no início, precisamos de uma saga. Precisamos de “Songs for the Deaf”.
Desert Sessions
Quando falamos do Queens of the Stone Age na virada do milênio, precisamos falar também das Desert Sessions. Um ritual criado pelo vocalista e guitarrista Josh Homme em 1997, as sessões se tratavam de congregações musicais no Rancho de la Luna, em Joshua Tree.
Inicialmente uma farra local entre membros da cena stoner rock, o círculo foi se expandindo aos poucos para incluir integrantes do Soundgarden, A Perfect Circle, Nine Inch Nails e a cantora britânica PJ Harvey.
Em uma declaração oficial já removida do site do selo responsável por lançar as Desert Sessions, Homme descreveu o projeto:
“Nas Desert Sessions, você toca somente pela música. É por isso que é bom para músicos. Se um dia isso não for bom o suficiente, ou se essa não é a razão para estar fazendo isso – não ser sua raison d’être – então um lembrete rápido como as Desert Sessions pode fazer tanto por você, é incrível. É fácil esquecer que tudo isso começa com tocar na sua garagem e se divertir.”
Os resultados das Desert Sessions para o Queens of the Stone Age foram tangíveis no sentido de que não somente ajudou Josh Homme e Nick Oliveri a recrutarem membros, mas também serviram como laboratório para novas músicas serem criadas.
Várias faixas de “Songs for the Deaf” já haviam aparecido anteriormente em compilações das sessões, mas ainda tinham a característica de trabalhos em andamento nessas encarnações. Mesmo assim, o grupo tinha um plano de ação quando entraram no estúdio.
Na bateria, Dave Grohl
A grande cartada do Queens of the Stone Age para “Songs for the Deaf” foi recrutar um dos bateristas mais icônicos dos anos 1990 para participar do grupo. Ocupado demais com a função de vocalista e guitarrista, Dave Grohl estava sem tocar o instrumento regularmente desde o segundo disco do Foo Fighters.
Contudo, o posto de frontman havia deixado Grohl exausto e ele estava procurando algo novo para lhe revigorar. Voltar a tocar bateria simplesmente para tocar – como Homme havia descrito o objetivo das Desert Sessions – era o melhor jeito de fazer isso, como revelou à Classic Rock:
“Tocar no álbum deles era mais sobre tocar bateria seriamente pela primeira vez em oito anos do que realmente entrar pra banda. Então acabou sendo uma experiência super legal que ressuscitou meu amor por rock maluco, o que é a razão pela qual comecei a fazer isso pra começo de conversa.”
Ele e Josh Homme eram amigos desde o início dos anos 1990, quando o vocalista do QOTSA fazia parte do Kyuss. Um convite foi feito em outubro de 2000 e a formação estava pronta.
Os dois primeiros discos do Queens of the Stone Age foram marcados por uma bateria quase mecânica, parte integral do que Homme e o produtor dos álbuns Chris Goss caracterizavam como “robot rock” do grupo. Agora com um dos bateristas mais pesados do planeta, a questão era como aliar ambas sonoridades.
A solução não incluiu Goss, contudo. A gravadora do grupo, Interscope, baixou uma ordem e o Queens precisou trabalhar com Eric Valentine, mais conhecido por seu trabalho com a banda punk Dwarves, da qual Oliveri faz parte até hoje.
Na época do lançamento, Homme diminuiu o papel de Valentine na produção, falando ao The Fade em 2002:
“Ele só gravou as coisas, diz que produziu, mas ele só estava lá para gravar o começo das coisas, era contratual.”
Contudo, o frontman ainda assim reconheceu na mesma entrevista certas contribuições de Valentine por ser alguém com ponto de vista externo ao da banda, dizendo:
“Resultou em conseguirmos ideias diferentes em coisas que talvez não teriam saído. Quando não é tão bom, agora você sabe o que não fazer, eu acho que nos permitiu dizer ‘bem, acho que isso não está bom, isso não está bom o suficiente, vamos nos aprofundar pra conseguir mais’, nos fez ir mais a fundo do que planejávamos.”
A maior contribuição sonora de Eric Valentine acabou sendo na sonoridade da bateria. O novo produtor escolheu uma maneira inusitada de capturar o som do instrumento, que consistia de completar o processo em duas fases, com os pratos sendo gravados completamente separados dos tambores.
Para isso, Grohl precisava tocar todas as faixas duas vezes em kits diferentes, com pads de treino servindo como substitutos. Além disso, os kits foram colocados numa cabine de isolamento sonoro, fazendo tudo soar mais intensificado e claustrofóbico.
Em entrevista ao Music Radar, Valentine explicou seu raciocínio por trás da técnica de gravação:
“O negócio que é mais marcante sobre como Dave Grohl toca é o quão consistentemente ele acerta a bateria. Ele toca super pesado, o que em muitos casos não resulta necessariamente no melhor som de bateria. Mas como Grohl é tão consistente nos golpes, fica muito mais fácil acomodar. Eu ouvi de pessoas especulando que existem samples nas camadas da bateria. Nenhum sample, definitivamente. Grohl simplesmente toca com uma consistência inumana.”
Uma viagem louca
Além da bateria, o resto de “Songs for the Deaf” tem uma energia surrealista que reflete a vontade de Josh Homme e Nick Oliveri de ir além da loucura de “Rated R”. A banda tinha gostos extremamente ecléticos que iam além do tradicional hard rock dos anos 90. O novo trabalho refletiria isso, independente de quem quisesse se meter, como o vocalista falou ao The Fade:
“Acho que esse foi o disco mais complicado pra gente fazer, para outras pessoas parece ter muita coisa dependendo desse disco e eles acabaram no nosso caminho tentando ajudar, é só sair da frente, você vê nervosismo na minha cara? Recua, nos deixem sozinhos. Nosso negócio principal para superar eram outras pessoas não envolvidas com a gente, e meio que tirá-las do caminho, seja gentilmente ou não.”
Uma das decisões criativas mais importantes do disco foi construir a tracklist como se fosse uma viagem de Los Angeles até o deserto, com vinhetas de estações de rádio entre as canções. Esse recurso ajuda não só a dar um clima de se estar dentro de um carro, mas as emissoras em si fazem alusão ao trajeto, seja na localização de cada uma ou o público-alvo.
Numa entrevista ao site jr.com, Homme explicou sua ideia para “Songs for the Deaf”:
“Esse álbum era pra soar bizarro – como capturar relâmpago na garrada. Nós estávamos também super detonados. Soa desse jeito pra mim, como se fosse um maluco. Os interlúdios de rádio são pra representar a viagem de LA até Joshua Tree, uma jornada que te faz sentir como se estivesse abrindo mão da realidade – cada vez mais David lynch a cada milha percorrida.”
O que começa numa rádio hard rock passa por estações country, latinas, cristãs, metal, tudo sob a lente maníaca do mundo de “Songs for the Deaf”. Homme e Oliveri discordam de certa maneira sobre a verdadeira função dessas vinhetas, com o baixista descrevendo à Rolling Stone em 2002 como tudo sendo uma brincadeira às custas de emissoras sempre tocando a mesma coisa:
“Nós temos diferentes DJs – não quero dizer DJs de boate, digo DJs de rádio – anunciando canções e meio falando merda sobre como muitas estações tocam a mesma coisa o tempo inteiro. Estamos nos arriscando, nos divertindo. Nós não tocamos no rádio, então acho que podemos falar mal deles.”
Sucesso
Essa tiração de sarro acabou sendo a chave pro Queens of the Stone Age começar a tocar nessas mesmas rádios. “Songs for the Deaf” se tornou o disco responsável por alavancar o grupo ao mainstream, chegando ao 17º lugar da parada americana e 2º na inglesa.
Duas músicas do trabalho, “No One Knows” e “Go With the Flow”, chegaram ao top 10 de Modern Rock da Billboard, com a primeira atingindo o 5o lugar da parada Mainstream Rock. Ambas ainda tiveram clipes de grande circulação na MTV, cimentando seu lugar como clássicos do rock da virada do milênio.
O Queens of the Stone Age passou por um período turbulento ao final da turnê do disco, com Homme demitindo Oliveri do grupo após alegações do baixista ter agredido sua namorada. Ainda assim, a banda continuou firme e forte, lançando álbuns responsáveis por cimentar sua posição como um dos maiores do rock americano no século 21.
Entretanto, é possível ver como “Songs for the Deaf”, além de ter sido o breakthrough comercial, serviu como o passo final no plano do grupo de estabelecer seu som desde o primeiro disco. Isso é descrito por Josh Homme na entrevista de 2002 para o The Fade:
“Eu acho que sempre vi esses três primeiros discos como um grupo em si. O primeiro meio que precisava se distanciar do Kyuss, minha banda anterior, sem perder ninguém e estabelecendo um som novo. O segundo expande a música para a gente poder tocar um pouco mais do que gostaríamos de tocar, e acho que o terceiro álbum é a personificação da ideia que é diversidade musical, e você sabe, vai de sonoridade garage até quase ópera rock em alguns momentos.”
Queens of the Stone Age – “Songs for the Deaf”
- The Real Song for the Deaf
- You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire
- No One Knows
- First It Giveth
- Song for the Dead
- The Sky Is Fallin’
- Six Shooter
- Hangin’ Tree
- Go with the Flow
- Gonna Leave You
- Do It Again
- God Is in the Radio
- Another Love Song
- Song for the Deaf
- Mosquito Song (faixa escondida)
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