Novo disco, rock n’ roll, estrada e bandas gaúchas: entrevista com Acústicos & Valvulados

Acústicos & Valvulados: “Meio Doido & Vagabundo” (2014)

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Conheci o Acústicos & Valvulados nos tempos áureos de MTV Brasil, há quase dez anos. A banda, obviamente, escolhia as músicas mais radiofônicas para seus singles – e clipes -, o que poderia passar uma imagem errada do que se trata o trabalho do grupo.
A banda já tem mais de 20 anos de estrada e, desde o primeiro disco, “God Bless Your Ass” (1996), evoluiu demais. Mas apesar de nuances variarem, a base permaneceu no rock n’ roll clássico, que bebe na fonte dos Rolling Stones, com pitadas bem sutis de blues e rockabilly. Em “Meio Doido e Vagabundo”, novo álbum do grupo, essa tônica se reforça.
Em muitos momentos da carreira do Acústicos & Valvulados, essa proposta de rock n’ roll clássico se misturou aos já citados blues e rockabilly, além do country, honky tonk e outros gêneros notáveis que deram origem ao rock na década de 1950. Mas “Meio Doido e Vagabundo” não é tão híbrido assim. A proposta é muito mais direta. A ótima produção destacou os timbres de todos os instrumentos, especialmente a guitarra. Nada muito cerebral: esse álbum é intuitivo. Música para se curtir.

Pude bater um papo com o baterista Paulo James. Conversamos sobre o novo disco do Acústicos & Valvulados, a fase atual da banda e da música, rock gaúcho e muito mais. A entrevista pode ser lida na íntegra abaixo. Mas antes, não deixe de conferir o álbum, disponível no site OneRPM (clique aqui para acessar).
IGOR MIRANDA: Considero que vocês começaram sujos, pouco lapidados – o que é natural -, ficaram um pouco acústicos – especialmente no disco autointitulado (1999) -, voltaram às válvulas e, agora, estão mais valvulados do que nunca. Como vocês enxergam essa evolução natural, de “God Bless Your Ass” até “Meio Doido e Vagabundo”?
PAULO JAMES – ACÚSTICOS & VALVULADOS: No fim das contas, nada como a estrada! Ontem mesmo, depois de um show, eu tava conversando com um músico iniciante, que falava sobre o momento atual, o esquema de lançar tudo direto na Internet, etc. E comentei com ele que é sempre bom se lembrar do tempo em que o “ao vivo” era maior do que o “produto gravado”. Quer dizer, lugar de músico é na estrada, no palco, e é ali que as coisas acontecem, é ali que uma banda ganha corpo, que as coisas se afirmam (ou não). E a gente tem orgulho de ser uma banda estradeira, com quase 1.500 shows na bagagem, praticando a nossa “Never Ending Tour”. Assim uma sonoridade pode evoluir, se afirmar, crescer. Acho que essa “evolução” pode se entender por aí: primeiro a estrada, depois o estúdio, e depois a divulgação.
Além de mais valvulados do que nunca, o classic rock é a tônica do disco. Em outros momentos da carreira, vocês também apresentaram muito do blues, do country e do honky tonk. Agora, o rock n’ roll só não está presente de forma escancarada na faixa que encerra o disco. “Meio Doido e Vagabundo” é uma injeção de Rolling Stones, sem abrir mão da identidade. Houve uma discussão para se modificar, mesmo que sutilmente, a direção artística da banda?
Não houve. A gente não planeja essas coisas. A presença mais acentuada desses clássicos – Stones e AC/DC, a meu ver – veio ao natural, e já tava anunciada (mesmo que timidamente) no disco anterior, “Grande Presença!” (2010). Agora, a gente nasceu fazendo rockabilly, há 20 e poucos anos, e isso é uma base pra lá de sólida, uma puta escola! A partir dela, a gente se ligou em sons ainda mais antigos, ou derivados de tudo o que rolou nos 1950’s.

A produção de “Meio Doido e Vagabundo” está sensacional. Fiquei feliz quando notei que os arquivos em WAV foram disponibilizados. A sensação é a mesma de ouvir o CD, que tem qualidade melhor. Os timbres soam orgânicos, parece até que tudo foi gravado de forma totalmente analógica. Foi dessa forma mesmo? Queria que me contassem um pouco como foi esse processo no estúdio.
Valeu! A gente também curtiu pra caralho a sonoridade do disco. É obra do nosso chapa, o uruguaio Sebastian Carsin, que comanda o Estúdio Hurricane, em Porto Alegre. A gente queria um som “maior” pra esse disco, surgiu o nome dele, e fomos atrás. Acho que deu muito certo essa parceria! A gente usa praticamente tudo vintage, os instrumentos, amps, pedais… E o Seba tem a mesa e vários periféricos antigões também, “de verdade”. Mesmo fazendo o registro no digital, essa dinâmica de gravarmos as bases das músicas ao vivo – bateria, baixo, guitarra -, com o mínimo de edições, priorizando equipas e instrumentos vintage, é fundamental!
Gostaria que me explicassem sobre essa contradição interessante no subtítulo do disco, “O fino do rock mendigo”.
Hahaha! É uma brincadeira nossa, uma ironia, na real… Todo mundo sabe que, enquanto a moda é “ostentar”, o rock anda mendigando, na sarjeta, matando cachorro a grito. E a estrada nos mostra isso todo fim de semana, na prática. É uma briga pra manter as coisas rolando, pra manter o interesse das pessoas, pra desdobrar os shows, etc. É uma espécie de “anti-glamour”, com nêgo anunciando a morte do estilo toda hora… Mas pra gente tá OK. Não vamos ficar chorando pelos cantos. Esse é o nosso jeito de encarar a coisa, vamos rir, vamos mandar um grande foda-se, vamos tirar sarro da história toda, e da nossa própria história também! Pra fechar com chave de ouro, brilhou uma referência à clássica coleção de LPs “O Fino da Fossa”, que trazia na capa o mestre Paulo César Pereio, e assim nasceu “O Fino do Rock Mendigo”.

Capa de “Meio Doido e Vagabundo: O Fino do Rock Mendigo”

Ainda na onda do “rock mendigo”, dá para notar que vocês não estão preocupados em trazer algo novo, diferente de muitos outros artistas que estão querendo apresentar novos subgêneros e até “reinventar a roda”. Ambos os casos podem ser bons e ruins para mim – é relativo. Há trabalhos que não inovam e são ótimos. E há trabalhos que inovam e também são ótimos. De um modo geral na discografia da banda, como vocês enxergam essa questão de trazer ou não algo novo, em termos de gênero musical? Já foi algo almejado em outro momento da banda?
Nunca. Não é a nossa. Esse lance “cerebral” demais é pra quem gosta do assunto. A gente gosta da estrada, de fazer uma boa festa, de tocar. É o que nos move, o que nos alimenta. Então seguimos assim, com as variações naturais de disco pra disco, sendo que o mais importante mesmo é o show, a coisa toda rolando ao vivo. Isso é engraçado, às vezes penso no lance do Samba… tem nêgo que faz samba, vai e toca, na simplicidade, sem dar muita explicação. E tem outros que estudam o Samba, de um jeito quase acadêmico… sei lá, é estranho, pode esfriar demais a coisa, ficar artificial.
Algo inimaginável para vocês – e para muitos – nos tempos de “God Bless Your Ass” seria a venda de música em formato digital. “Meio Doido e Vagabundo” está disponível no iTunes, Rdio e Emusic. Como vocês enxergam essa nova forma de trabalhar? O que mudou no trabalho de divulgação da banda?
Pois é, lá nos 90’s não tinha esse tipo de coisa, hahaha! O digital é uma boa alternativa, estamos entrando nessa, e disponibilizando as músicas também nesses canais. Mas o LP e o CD são mais legais, no fim das contas! De resto, a Internet é um espaço interessante de divulgação, bem democrático e colaborativo, e a gente também se puxa bastante nas Redes Sociais, blogs, sites, etc.
Agora, um pouco sobre o cenário gaúcho. Sou de Minas Gerais e nunca visitei nem mesmo o sul do país. Vocês são de Porto Alegre e muito provavelmente saberão me responder: qual é o charme desse estado? O que há de tão especial nesse lugar, que sempre exporta ótimas bandas de rock n’ roll, sempre em boa quantidade, para o resto do Brasil?
Olha, na real gostaríamos até de exportar mais, e mais efetivamente! Mas é fato que tem uma boa produção por aqui, e existe uma conexão grande com o rock’n’roll, aquele de verdade, não só a pose. Uns dizem que é parecido com a Argentina, onde o Rock comanda, é fortíssimo, doentio às vezes… Mas tem um lance aqui no Sul de prezar pelo espírito do rock, sei lá, que não é só a sonoridade, mas a personalidade, a pilha por seguir um caminho independente de moda ou de mídia, meio do contra, meio tosco. Uma vez a gente tava em São Paulo, nas antigas, e chegou um cara perguntando: “E aí, qualé a pedaleira que vocês usam?” Daí nosso guitarrista perguntou de volta: “Pedaleira? Eu só uso um pedal aqui, plugado no amp valvulado, e deu!”. Nosso tipo de Rock é mais isso, mais direto, mais identificado com as raízes.
No último disco, todas as faixas ganharam videoclipes. Vocês planejam algo semelhante, ou alguma proposta tão diferente do convencional quanto essa para divulgar “Meio Doido e Vagabundo”? O que os fãs podem esperar para esse futuro próximo?
Não sei se vamos repetir a dose, gravar clipes pras 12 faixas, vamos ver… Agora, o certo é que não nos agrada essa idéia do disco descartável, de curtíssima duração. Valorizamos o nosso trabalho, gostamos do resultado, então vamos mostrando ele aos poucos, pra quem se interessa. Por hora, lançamos o clipe de Efeito, que é um single que acabou sendo incluído no disco. E lançamos um teaser, na onda do “rock mendigo”, que apresenta as faixas do disco de uma forma, digamos, bem-humorada. É só acessar www.acusticosevalvulados.com.br pra conferir!
(As fotos são de Doni Maciel)
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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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