Os olhos esbugalhados de Bobby Liebling, 71 anos, parecem finalmente ter visto o seu Pentagram deslanchar — na medida do possível para uma obscura banda de doom metal. A carreira influente e acidentada de mais de meio século nas costas ganhou novos contornos graças à viralização de um vídeo em rede social.
Prova disso foi a Fabrique quase lotada numa noite de domingo (30), mesma data na qual a capital paulista recebia um Lollapalooza que trouxe pela primeira vez o Tool ao Brasil, além de mais uma etapa da turnê de despedida do Sepultura. Na vizinha Santo André, ainda havia os suíços do Coroner.
O Pentagram voltou ao Brasil com uma formação completamente diferente da que estreou no país em 2022. Liebling veio acompanhado por empolgados músicos de certo renome na cena de doom metal e stoner rock para divulgar “Lightning in a Bottle”, disco lançado em janeiro deste ano, cujas músicas rivalizaram com clássicos no repertório.
Durante apenas uma hora de apresentação, o Pentagram conseguiu empolgar o público aparentemente rejuvenescido, a julgar pelas tentativas de crowd surfing e rodas de mosh em resposta aos riffs não lá tão acelerados, desagradando parte dos presentes na pista da Fabrique.
Pesta
A abertura da noite ficou por conta dos mineiros da Pesta e do quinteto paulistano Weedevil. Para dois dos representantes do doom metal brasileiro, era visível a empolgação por dividir o palco com o Pentagram. Ainda assim, ambos fizeram questão de declarar a alegria em cada apresentação.
Quando o quarteto mineiro subiu ao palco minutos antes das 19h, não deu para não pensar em um certo quarteto de Birmingham ao ver o guitarrista destro Marcos Resende e o baixista canhoto Anderson Vaca, cada um com seus instrumentos na direção do carismático e animado vocalista Thiago Cruz, no centro do pouco espaço restante para a banda no palco da Fabrique.
Por pouco mais de trinta e cinco minutos, o baterista Flávio Freitas variou pouco a cadência sabbáthica das músicas da Pesta, desde a abertura com “Anthropophagic”, de “Faith Bathed in Blood” (2019), até o encerramento com “Words of a Madman”, de “Bring Out Your Dead” (2016).
Depois de muito dançar e agradecer o público paulistano, que já preenchia quase a metade da pista da Fabrique, Cruz chegou a anunciar outra música nova do tão esperado terceiro disco da Pesta, prometido para este ano — “Marked By Hate” foi executada antes. Todavia, o tempo havia acabado e o show terminou sem ela.
Repertório — Pesta:
- Anthropophagic
- Hand of God
- Marked by Hate
- Witches’ Sabbath
- Black Death
- Words of a Madman
Weedevil
Os quase vinte e cinco minutos entre Pesta e Weedevil foram marcados por uma correria para deixar o palco pronto para o quinteto paulista, que mais cedo ainda no domingo havia se apresentado a poucos quilômetros da Fabrique.
Comandados por Carol Poison, que desde o ano passado ocupa a até agora instável posição de vocalista da banda, o Weedevil começou seu show na hora marcada. Nos quarenta minutos seguintes, executou um repertório focado em seu mais recente trabalho, “Profane Smoke Ritual”, lançado em 2024.
Nem pareceu jornada dupla, tamanha a empolgação da cantora e do baixista Rafael Gama, além da animação do baterista e líder da banda Flávio Cavichiolli, que conseguiu acertar uma de suas baquetas em uma das luzes direcionadas ao palco.
Em cantos opostos no palco, o guitarrista Henrique Bittencourt controlava os riffs e solos com a ajuda de Paulo Ueno do outro lado, em faixas que variavam de uma pegada ora mais próxima do stoner rock, como “Profane Smoke Ritual”, ora do doom metal clássico, caso de “Veil of Enchanted Shadows”.
Sem deixar o satanismo de lado até o final, o grupo encerrou sua participação na noite com “Hi I’m Lucifer!”, faixa do EP “The Death is Coming” (2021), que recebeu uma citação final de “Sweet Leaf”, daquela banda de Birmingham.
Repertório — Weedevil:
- Serpent’s Gaze
- Chronic Abyss of Bane
- Underwater
- Veil of Enchanted Shadows
- Profane Smoke Ritual
- Necrotic Elegy
- Serenade of Baphomet
- Hi I’m Lucifer!
Pentagram
O palco foi se esvaziando e, inicialmente, o guitarrista Tony Reed foi checar se tudo estava dentro dos conformes. Arrancou uma ovação do público ao exibir uma garrafa de sua bebida favorita.
Bobby Liebling pode até alegar hoje estar tentando se manter limpo e sóbrio. Todavia, a fama de junkie incurável já precedia a viralização.
Não foi a primeira vez que o Pentagram teve a atenção para si. O documentário “Last Days Here” (2011), dirigido por Don Argott e Demian Fenton, contou a história de Bobby Liebling como um degenerado “Peter Pan” do doom metal ao ainda tentar viver de sua música enquanto morava como um junkie no porão da casa de seus pais, idosos e compreensivos. O conto de fadas terminava de forma esperançosa com o vocalista limpo, casado com Hallie, mais de 30 anos mais jovem e grávida do primeiro filho do casal.
A película até serviu para alavancar a venda do catálogo do Pentagram, principalmente das coletâneas oficiais de material setentista “First Daze Here” (2002) e “First Daze Here Too” (2006). Porém, Liebling não conseguiu manter a banda funcional, nem seu casamento.
Apesar da porta giratória de músicos que o Pentagram havia se tornado nos anos seguintes, foi Liebling quem acabou tendo de ficar de fora após ser preso em 2017 e obrigado a banda a cumprir algumas datas sem ele.
O vocalista se declarou culpado por abuso físico e psicológico de vulnerável — no caso, sua mãe, então com 87 anos. Ele havia sido investigado também por agredi-la, mas alegou ter sido um mal entendido com vizinhos.
Liebling conseguiu afastar essa acusação em acordo penal e acabou cumprido treze meses de reclusão até sua liberação condicional. O vocalista reativou a banda e teve até passagem pela América Latina, quando estreou no Brasil em 2022.
O retorno do Pentagram ao palco paulistano se iniciou precisamente às 21h, conforme prometido. Foi só Liebling aparecer com sua cintilante camisa azul de lurex para uma enorme parte do público sacar seus celulares e direcioná-los ao vocalista.
Se antes ele já fazia poses esdrúxulas ao longo das músicas, agora ele deitou na cama. Pareceu se divertir ainda mais com toda a fama conquistada nos últimos meses.
Afinal, não foi uma trajetória simples até encher a Fabrique nesta noite de domingo (30). Apesar de ser considerado a resposta norte-americana ao Black Sabbath nos anos 1970, o Pentagram não conseguiu lançar muito mais do que alguns singles no período.
Entre demos gravadas até com Murray Krugman, produtor do Blue Öyster Cult, Liebling colecionou lendas, como a de que Gene Simmons e Paul Stanley estiveram interessados em comprar algumas das 450 músicas então escritas pelo vocalista.
Esse material composto nos anos 70 começou a ver a luz do dia na década seguinte, fosse por meio de regravações em seus dois discos lançados num período pouco afeito ao som mais lento, ou em várias compilações piratas de demos do Pentagram.
São essas músicas que despertam sempre o maior interesse do público, e foi assim na noite de domingo. “Starlady”, faixa de uma demo de 1972 regravada para o disco “Show’em How”, de 2004, aumentou a animação do público.
Foi a levada soturna de “The Ghoul”, do primeiro disco homônimo à banda lançado propriamente pelo Pentagram, em 1985 — rebatizado como “Relentless” ao ser relançado em 1993 —, que gerou a primeira comoção da noite.
O repertório revezou essas músicas históricas do Pentagram com faixas do mais recente álbum da banda, “Lightning in a Bottle”, como “Live Again”, que abriu a noite, e “I Spoke to Death”, tocada nesta sequência inicial da apresentação, ambas com boa resposta do público.
Se as duas bandas brasileiras na abertura foram vocais em sua animação por estar dividindo o palco com o lendário Pentagram, o trio de músicos acompanhando Bobby Liebling não fazia por menos. Além de Reed, com quem o vocalista mais interagia com danças e gestos emulando toda a sensualidade possível para um senhor de 71 anos durante riffs e solos, o baixista Scooter Haslip mal se continha em seu lado do palco.
O entrosamento dos dois músicos, também membros do Mos Generator, outra banda americana que venera aquele grupo de Birmingham, beirou a perfeição com o baterista Henry Vasquez.
Membro do Saint Vitus, outra lenda do doom metal, e com passagens ao lado do não menos icônico e saudoso vocalista Eric Wagner (Trouble) no The Skull e de Scott “Wino” Weinrich no Spirit Caravan, Vazquez não apenas completa seu bingo de doom metal no Pentagram. Ele também foi responsável por parte das letras do disco novo e, ao vivo, tanto adicionou peso cavalar às músicas, como fez aquelas típicas intervenções em seu instrumento a cada piada infame de velho safado contada por Liebling nos intervalos.
Depois do riff histórico inicial de “When the Screams Come” — outra pérola setentista — despertar urros da pista, a animação do público com “Sign of the Wolf (Pentagram)”, do disco de 1985, começou a extravasar o natural de um show de doom metal, como a abertura de uma roda de mosh. Às favas a máxima oitentista de que bandas como o Pentagram eram lentas demais para o público de metal, mas pesadas demais para os punks.
Para irritação da parte mais tradicionalista do público, essa animação só deu uma baixada quando a banda tocou “Walk the Sociopath”, faixa sorumbática do disco mais recente do Pentagram. Era última antes do breve intervalo para o bis.
Uma nova sessão de gestos e caretas de Liebling acompanhou a tensão sabbathica que encerrou a primeira parte da apresentação com apenas cinquenta minutos.
Apesar do show curto, o vocalista mostrou boa forma ao cantar bem e se manter animado no palco. Bebendo apenas água, era até possível acreditar que ele de fato tenha conseguido largar seus piores vícios após passar mais de um ano em abstinência forçada na prisão.
A espera pelo bis também não foi das mais longas, nem três minutos. Claramente felizes com a casa cheia, os músicos filmavam o público animadíssimo bradando pelo retorno da banda. Liebling logo voltou com dois hinos do doom metal, “Forever My Queen” e “20 Buck Spin”, encerrando a noite para a pista que, na proximidade do palco, não deixava de ser um pandemônio.
Nesse mundo moderno de viralizações em que quinze minutos de fama parecem uma eternidade, é difícil saber quanto tempo durarão os mais de cem mil ouvintes adicionados à carteira de streamings do Pentagram após Bobby Liebling ter viralizado com seus olhos esbugalhados no TikTok e virado até imagem de camiseta vendida no merchandising oficial da banda.
Sequer dá para prever até quando Liebling vai aguentar o tranco para se manter na ativa. Ele parece ser daqueles que não vão parar até caírem duro num palco. Antes disso, ele prometeu voltar ao país. Pelo menos naquela noite de domingo, em 2025, havia bastante gente empolgada com essa possibilidade.
Pentagram — ao vivo em São Paulo
- Data: 30 de março de 2025
- Local: Fabrique
- Turnê: Latin America Rituals 2025
- Produção: Powerline Music & Books
Repertório:
- Live Again
- Starlady
- The Ghoul
- I Spoke to Death
- When the Screams Come
- Sign of the Wolf (Pentagram)
- Might Just Wanna Be Your Fool
- Solve the Puzzle
- Review Your Choices
- Thundercrest
- Walk the Sociopath
Bis: - Forever My Queen
- 20 Buck Spin
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.
Merecido o tardio sucesso dessa banda muito boa …